'Me chame pelo seu nome': uma experiência marcante

'Me chame pelo seu nome': uma experiência marcante
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Como é difícil descrever a experiência que foi ver o filme ‘Me chame pelo seu nome’. Que difícil é expressar com palavras todas as emoções que esse filme me fez reviver. E digo reviver porque ‘Me chame pelo seu nome’ é mais que um filme, é um diálogo com nosso adolescente interior, com nosso eu. É uma experiência, uma recordação nostálgica daqueles verões idílicos que pareciam não ter fim. É uma declaração de amor à natureza humana, à vida, à simplicidade, ao nosso corpo, às nossas experiências, ao desejo e ao primeiro amor…

‘Me chame pelo seu nome’, dirigido por Luca Guadagnino e protagonizado por Thimotée Chalamet e Armie Hammer, é um dos filmes mais esperados do ano. Estreou no Festival Sundance de Cinema e passou por diversos festivais até chegar ao Oscar com 4 indicações debaixo do braço. O filme ganhou o Oscar de melhor roteiro adaptado.

A história que Guadagnino nos apresenta faz com que esqueçamos da temática gay do filme, e a levemos para um plano mais íntimo e pessoal, de forma que tornamos essa história de amor de verão uma história nossa. Diferentemente de muitos filmes com a mesma temática, ‘Me chame pelo seu nome’ não é um melodrama, não é um filme água com açúcar. É um filme natural, belo e de emoção no seu estado puro.

Em um mundo cada vez mais desumanizado, em que as relações humanas são cada vez mais marcadas pela presença de uma tela, no qual os livros não são nada mais que uma estranha decoração esquecida e cheia de pó nas estantes, em que o cinema só serve para nos impressionar com caros e incríveis efeitos especiais, em um mundo de zumbis que fazem longas filas para consumir, em um mundo frio, carente de sentimento, de humanidade e de autocrítica… esse filme é um alívio.

No meio de tudo isso surge ‘Me chame pelo seu nome’, que chega como um balde de água fria, mas também muito agradável, que nos tira desse coma, desse paraíso artificial em que vivemos. Faz com que lembremos o que nos faz humanos.

A experiência de Me chame pelo seu nome

Elio é um jovem adolescente que vem de uma família de origem americana, italiana, francesa e judia. Seus verões costumam significar uma viagem com seus pais para uma casa idílica no norte da Itália, não muito longe do Lago de Garda. Seu pai é um professor universitário de arqueologia e a cada ano convida um de seus estudantes de pós graduação para as férias. Esse ano a família receberá Oliver, um estudante judeu e americano. Elio e Oliver desenvolverão uma cumplicidade especial, com ambos passando por um verão intenso no qual descobrirão aspectos sobre eles mesmos até então desconhecidos.

Elio se encontra em uma fase de pleno despertar sexual, de descobrimento do próprio corpo. A história é contada a partir do ponto de vista de Elio, como se nós mesmos estivéssemos vivendo sua vida. Elio é um jovem diferente, que cresceu em um contexto multicultural. Seus pais são pessoas muito cultas, e sempre se refugiaram nos livros e na música, para a qual ele possui um talento especial. Ele é introvertido e inteligente, parece que sabe tudo… menos sobre os sentimentos.

Cena de 'Me Chame Pelo Seu Nome'

‘Me chame pelo seu nome’ é natural e sincero, convida-nos a reviver nossas próprias memórias, a nos reconhecer em Elio e desejar Oliver tanto quanto ele o faz. Esse desejo é descrito sem pudor, sem artifícios; não há motivo para descrevê-lo de forma bonita, deve-se mostrá-lo tal como é na realidade. Essa magia dos primeiros beijos, nos quais Elio não sabe muito bem o que fazer com sua boca, as cenas mais íntimas, nas quais Elio, sem necessidade de articular qualquer palavra, transmite toda uma série de sensações com as quais nos identificamos imediatamente.

O filme não é só uma história de amor, é uma descrição nunca antes vista do desejo, dessa primeira chamada para a sexualidade, esse descobrimento do corpo que faz com que nunca mais a pessoa volte a ser criança.

No caso de Elio esse desejo estará confundido entre a jovem Marzia e Oliver. Mas, finalmente, com Oliver esse desejo se converte em algo mais, algo que ainda não havia acontecido com Marzia. A temática homossexual passa quase despercebida, apesar de ser um tema central. A naturalidade com que o filme avança faz com que quase não percebamos, de forma que se torna absolutamente normal, porque não há nada artificial na representação, ela é natural como na vida cotidiana.

A carga de sensações faz com que pensemos nas nossas próprias experiências, que nos lembremos de algo ou alguém, de uma sensação, de um cheiro, um sabor… O espectador deixa de ser espectador, ele se torna participante da experiência de Elio. Quase podemos tocá-lo, senti-lo e entrar dentro do filme.

‘Me chame pelo seu nome’ transforma a passividade habitual do espectador, envolvendo-o totalmente em uma história em que na verdade não está acontecendo nada de excepcional. Uma história em que não há intrigas, mas elas também não são necessárias. Elio se torna parte de nós, como um espelho em que podemos olhar e ver a nossa própria juventude.

Cena de 'Me Chame Pelo Seu Nome'

A magia do verão

A união do ambiente bucólico do norte da Itália e da magia do verão na adolescência marca essa história de amor. Aqueles verões em que nada nos preocupava… nos quais parecia que o tempo havia parado de passar já há muito tempo. ‘Me chame pelo seu nome’ nos transporta para esses verões, para o tempo e faz parecer que não há mais nada no mundo que a vila e seus arredores.

Guadagnino queria contar uma história, em algum lugar e em algum momento, e sem dúvida tem muito sucesso. Ele faz com que esqueçamos que existe um mundo em volta de nós durante as duas horas de filme. Faz lembrar dos verões gostosos, aqueles em que fazíamos novos amigos ou encontrávamos os velhos, nos quais acontecia a magia do primeiro amor, ou as novidades como fumar o primeiro cigarro ou sair pela primeira vez para dançar à noite.

Cada instante desse verão de Elio é sentido como se fosse nosso, mas ao mesmo tempo sabemos que todo verão tem seu fim. Como consequência, as histórias de amor que surgem nesse período geralmente têm uma data de validade. Essa validade, unida à casualidade, é o que faz com que achemos o verão um momento tão mágico. O filme consegue nos transmitir isso de forma que quase sentimos o sol, os cheiros, o café, o gosto dos melões, a magia das festas, a água do rio…

Cena de 'Me Chame Pelo Seu Nome'

Não ao silêncio

Se Elio tivesse ficado calado sobre seus sentimentos, se ele não tivesse escutado seus desejos, a história não teria sido a mesma. Falar ou morrer? A pergunta é uma constante no filme. Mas Elio não vai ficar com a dúvida, e mesmo dizendo pouco ele rompe o silêncio. Muitas vezes calamos nossos sentimentos, ocultamos nossa identidade por qualquer razão que seja. ‘Me chame pelo seu’ nome nos lembra o lado mais humano que muitas vezes reprimimos, ele nos convida a falar sobre nossos sentimentos.

Ambientada em 1983, quando ainda não sabíamos o que era internet, quando os livros ainda tinham poder, o filme resgata a nostalgia, presente das roupas até os carros. Estamos fazendo uma viagem para o passado, para os verões que vivemos e acreditávamos que seriam os melhores momentos de nossas vidas. Elio está passando por tudo isso, mas ainda não sabe sua importância.

Dizer o justo, porque menos é mais. É isso que faz ‘Me chame pelo seu nome’. É um filme que consegue desenhar o invisível, dizer o que não se põe em palavras, e ainda sem enrolações nem metáforas, recuperando o lado mais humano de nossa espécie. Mais que um filme, é uma experiência.

“Me chame pelo seu nome e eu te chamarei pelo meu”.
-Call Me By Your Name-


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