"Não me deixe, por favor": o medo do abandono no casal

"Não me deixe, por favor": o medo do abandono no casal
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 27 janeiro, 2023

Sentir-nos seguros em qualquer área de nossas vidas é essencial para experimentar o bem-estar, mas é ainda mais importante nos relacionamentos. Se houver segurança, a confiança e a proteção surgirão, mas se esse sentimento for ameaçado pelos fantasmas do passado, os medos tomarão o controle. Entre eles, o medo do abandono.

A insegurança causada pelo medo de ser abandonado pode minar um relacionamento amoroso, especialmente quando é fruto de uma infância quebrada e silenciada. Sem querer, quem abriga esse medo de forma obsessiva pode acabar provocando, através de seus comportamentos, que o outro confirme o que pensa ou que o relacionamento se torne tão destrutivo que ambos os membros fiquem presos em uma espiral de desconforto e sofrimento.

Ter medo de que o relacionamento não funcione de maneira pontual é normal. Agora, viver em uma situação contínua de desconfiança e hipersensibilidade à rejeição só causa desconforto e instabilidade. Vejamos com mais profundidade em que implica o medo do abandono.

A importância do vínculo de apego

Durante o primeiro ano de vida, estabelecemos um vínculo afetivo com nosso principal cuidador, conhecido como apego. Através dessa relação e do tipo de vínculo que construímos, cada um de nós adquire uma série de capacidades emocionais que vamos colocar em jogo em nossas futuras relações interpessoais.

O fato de que o vínculo não foi estabelecido ou de que não cobriu nossas necessidades físicas e emocionais pode ter nos condicionado a crescer nos sentindo desprotegidos, inseguros e desconfiados. Esta é uma das causas que são estabelecidas a partir da teoria do apego para explicar o profundo sentimento de abandono experimentado por muitas pessoas, embora estejam cercadas por outras que as amam. Vamos dar um exemplo para entender isso.

Criança chorando

Um bebê está com fome porque está sem comer há várias horas. Ele sente uma grande ativação de seu corpo e os únicos comportamentos que manifesta são chorar e se agitar. Sua mãe, como a principal figura de cuidados neste caso, captura os sinais que ele emite e interpreta que está com fome. Por quê? Porque ela aprendeu a detectar suas necessidades físicas e emocionais e a acalmá-las, se relacionando com ele. Assim, irá restaurar seu equilíbrio fisiológico e emocional.

Se o bebê vive repetidamente esse tipo de experiências, acabará buscando a proximidade física com sua mãe com a confiança de ser acalmado e recuperar o equilíbrio. Mais tarde no desenvolvimento, a criança será capaz de suportar um desconforto apenas ao ver sua mãe se aproximando ou dizendo “já vou”. Finalmente, quando algo lhe acontecer na etapa adulta, irá se acalmar pensando que em poucas horas vai se encontrar com um parente, seu parceiro ou um amigo. Seu cérebro aprendeu que pode ser acalmado e que esta é uma sensação permanente.

Agora, se o cérebro infantil nunca experimentou essa sensação de calma ou a crença de que, após um desconforto, pode aparecer um estado de tranquilidade, o cérebro adulto também não irá fazê-lo. Não se sentirá confiante em um relacionamento íntimo ou de casal porque não aprendeu.

Além disso, a ausência de contato e a falta de cuidados resultam em uma maior produção de adrenalina no cérebro, o que predispõe a um comportamento mais agressivo e impulsivo e uma grande dificuldade no gerenciamento emocional.

A marca da ferida emocional do abandono do parceiro

Como vemos, há feridas, como o sentimento de abandono, que embora não vejamos, estão enraizadas na parte mais profunda de nós e são capazes de condicionar uma boa parte de nossa vida. Situações vividas na infância que deixam sua marca e são capazes de nos rasgar por dentro, sem percebermos.

Bowlby estabeleceu que os laços afetivos formados na infância persistem na forma de modelos no mundo representativo do adulto, afirmação com a qual concordam Hazan e Shavercom em suas investigações. Nelas, mostraram que o comportamento dos adultos nas relações em casal é moldado pelas representações mentais originadas na relação entre a criança e seu cuidador principal.

Assim, o medo do abandono nos relacionamentos tem raízes na infância. São os fantasmas do passado que retornam, juntamente com a insegurança, para lembrar que não se é digno de receber amor ou um bom cuidado. Geralmente aparecem porque o cérebro recebe um sinal de alarme.

Uma palavra, um lugar, um comportamento ou uma memória são suficientes para ativar a situação de emergência na pessoa que nunca chegou a se sentir completamente segura. A partir daí, um acúmulo de emoções e comportamentos começam a acontecer: instabilidade, apatia, tristeza…

Casal se abraçando

Por outro lado, a pessoa que experimenta medo de abandono geralmente desenvolve dependência emocional em relação ao outro, precisando de sua aprovação com frequência. Portanto, embora o relacionamento seja tóxico, ela será incapaz de terminar ou se distanciar. É como se não fosse ninguém sem o outro e, para mantê-lo, é capaz de fazer qualquer coisa. Tudo, exceto reabrir suas feridas antigas.

Em alguns casos, o medo do abandono gera uma espécie de autodepreciação. A pessoa, ao não se sentir em nenhum momento querida ou segura, precisa confirmar que a identidade ainda existe, razão pela qual, quando encontra proteção e segurança, acaba por desprezá-la ou não acreditar. Sua realidade está formada pelo traço profundo de um estresse pós-traumático não tratado.

Curar o medo do abandono

O medo do abandono é uma ferida emocional muito profunda, enraizada na infância. Curar essa ferida envolve aceitar e perdoar o passado para deixá-lo ir. Uma tarefa complexa, especialmente se a pessoa não tem conhecimento de como é condicionada pela experiência anterior ou se suas defesas, que foram construídas como proteção, são muito impermeáveis. Na verdade, nos casos mais complexos é aconselhável recorrer a um profissional que ajude, especialmente com os primeiros passos.

Outro aspecto a ter em conta para trabalhar é a autoestima. Geralmente está rachada, até mesmo quebrada. Nesse sentido, aprender a se valorizar é essencial para quebrar a armadilha da dependência emocional. Além disso, com uma boa autoestima, será muito mais fácil administrar as emoções e os pensamentos ancorados na experiência passada.

  • Emoções como a raiva, o ressentimento, o medo ou a tristeza são muito comuns em pessoas que têm medo de serem abandonadas. Aprender a reduzir sua intensidade, decifrar o que realmente querem dizer e transformá-las para se reinventar é fundamental.
  • As suposições e expectativas negativas também são elementos a serem considerados. Na maioria das vezes é o pensamento que dá poder aos nossos medos, tornando-os maiores. Se tivermos medo de sermos deixados, estaremos mais conscientes dos comportamentos e das palavras do nosso parceiro, e até mesmo iremos interpretá-los mal para confirmar aquilo que tememos.
Mão segurando coração

Como vemos, curar o medo do abandono implica uma reconstrução de nós mesmos. Um processo que exige tempo e, acima de tudo, aprender a se priorizar. Sem esquecermos que, em muitas ocasiões, o que pensamos que acontece fora não é mais do que a projeção das marcas daquilo que nos rompe por dentro.


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