O medo de nadar contra a corrente

O medo de nadar contra a corrente

Última atualização: 10 agosto, 2017

Ser aceito pelos demais é uma necessidade instintiva e profunda. Nós, seres humanos, somos sociáveis por natureza, dispostos a interagir em grupos de interesses, e tristes pela marginalização dos mesmos. Quando somos excluídos, um alerta milenar é ativado no mais profundo do nosso cérebro. Sabemos que, se estamos sós, somos mais vulneráveis a qualquer perigo que se aproxime. Daí nasce o medo de nadar contra a corrente. 

Daí nasce a arriscada tendência de nos somarmos às massas sem uma reflexão prévia. A princípio, é aterrorizante ficar por fora da dinâmica de que os demais participam. É como se fosse o anúncio de que podemos cair em isolamento e, com isso, sermos submetidos a riscos mais poderosos do que nós mesmos.

“Pensar contra a corrente do tempo é heróico; para não dizer loucura.”
– Eugene Ionesco-

O preocupante desse fato é que há momentos nos quais a grande corrente social vai contra o razoável e o desejável. O exemplo mais evidente, que sempre é trazido à tona, é o do nazismo. Muitos se juntaram a esse movimento doentio e desumano simplesmente por medo. Todos iam na mesma direção e, por mais absurdo que fosse, para muitos era melhor seguir essa corrente do que oferecer resistência.

Isso não ocorre somente com os grandes fatos históricos. Também há um infinito número de situações cotidianas às quais podemos aplicar o mesmo esquema. Acontece, por exemplo, nos atos de abuso escolar, ou bullying. Embora muitos saibam que este comportamento é reprovável, se calam ou se unem aos agressores somente para não nadar contra a corrente que impera. O que podemos dizer deste medo? Há alguma forma de evitá-lo?

Nadar contra a corrente: o medo de pensar e ser diferente dos demais

De certa maneira, todos somos induzidos a criar um personagem que nos represente socialmente. Isso quer dizer que alguém nos diz como devemos ser desde que nascemos. O que devemos ou não fazer. De que forma devemos nos comportar. Nem sempre, ou melhor, muitas vezes, isso não coincide exatamente com o que desejamos ser ou fazer.

Para entrar na sociedade e na cultura precisamos nos “falsificar” um pouco. Devemos respeitar as filas, mesmo que não queiramos. Ou aprender a comer com guardanapos, mesmo que pareça inútil ou muito complicado. É o preço que devemos pagar para sermos aceitos em determinado grupo social. Por isso é que, em parte, quando estamos em sociedade, representamos um ou vários personagens.

Por que acabamos aceitando essas regras do jogo? Simplesmente porque, se não o fizermos, recebemos em troca uma rejeição ou uma reprovação. Os demais não estão dispostos a aceitar que façamos o que der vontade e costumam demonstrar uma resistência sutil e poderosa a qualquer postura diferente à defendida pelo grupo.

Impõem limites que nem sempre são explicados e nem entendidos. A princípio, aprendemos a nos comportar de acordo com o que as normas dos demais ditam, porque temos medo do sofrimento que pode surgir ao não fazermos isso.

Crescer é desenvolver a autonomia

Algumas pessoas nunca tiveram a oportunidade de superar a fase infantil. Quando somos crianças, os adultos mandam. Nos acostumamos a obedecer, geralmente sem saber o motivo. O bom e o ruim é passado como a única verdade, diante da nossa opinião, que conta muito pouco.

Crescer significa entender o porquê das normas, dos limites e das restrições. Também significa decidir até que ponto isso se ajusta a nossa vontade ou não. E, então, agir em consequência. Para alcançar tudo isso, é necessário que tenhamos perdido o medo de pensar por conta própria. Que tenhamos explorado quem somos, independentemente do personagem que aprendemos a representar.

Ao nos reconhecermos como adultos também descobrimos que temos recursos para nos opormos a aquilo com o que não estamos de acordo e nadar contra a corrente. Mas é claro, primeiro precisamos saber com o que concordamos. Isso compõe nossas convicções e as convicções são o que o nos dá força para ir contra a corrente caso seja necessário.

Infelizmente, nem sempre o processo se completa. Às vezes a pessoa escolhe não crescer. É um trabalho árduo, que não apenas demanda esforço e repetição, mas também coragem. Nem todos estão dispostos a percorrer o caminho que há entre o personagem construído até o real. Nem todos querem enfrentar, cara a cara, o medo que existe ao se tornar capaz de ser você mesmo. Aqueles que conseguem, ganham liberdade. Também ganham a possibilidade de programar seu destino, a medida do real que vai surgindo para si.

Créditos das imagens: James Bullogh


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