Negligência emocional passiva, crescer se sentindo invisível
É pior que te ignorem ou que te critiquem continuamente? Não é fácil responder a esta pergunta porque ambas as realidades constituem uma forma clara de maltrato. Um exemplo disso é a negligência emocional passiva, um tipo de abuso psicológico em que a criança cresce assumindo que seus sentimentos, pensamentos e necessidades não são importantes.
Essa experiência tem um efeito devastador no desenvolvimento psicossocial de qualquer criança. É ser invisível aos olhos dos pais. Há negligência na parentalidade, baseada no descaso, mergulhando a criança em um vazio de afeto, má comunicação e ausência de um amor que nutre e educa.
São pequenos que estão quebrados por dentro e que se sentem muito sozinhos. O simples fato de não ter presença no tecido emocional e atencional de seus pais os invalida. Poucas ideias internalizadas são tão prejudiciais para uma pessoa quanto aquela que afirma que tudo o que você fizer não será importante para ninguém.
A negligência emocional pode ser ativa ou passiva. Na primeira há diferentes tipos de agressão, como crítica, desvalorização ou manipulação. Na segunda, há simples indiferença.
Características da negligência emocional passiva
Entendemos a negligência emocional passiva como a negligência das necessidades emocionais e psicossociais de uma criança. É crescer sentindo-se invisível, assumindo que quaisquer sentimentos e necessidades são irrelevantes para os pais. Tudo o que você sente, faz ou expressa passa despercebido, não é validado, nem recebe importância.
É importante diferenciar este tipo de negligência passiva da ativa. Assim, a negligência emocional ativa ocorre ao criticar a criança, anulando seus sentimentos ao indicar, por exemplo, que é fraca por chorar. Também é comum subestimar ou ridicularizar as crianças por seus medos ou preocupações, rotulando-as como mera “bobagem”. Neste último caso há uma conduta expressa e continuada de desvalorização da criança.
Na negligência emocional passiva quase não há interação e sim muita negligência; são adultos presentes, mas emocionalmente ausentes. Não dão carinho, nem criticam, nem apoiam, nem desvalorizam.
Vamos ver mais características dessa forma de maltrato.
As crianças que foram criadas sob o guarda-chuva da negligência emocional passiva acabam desenvolvendo baixa autoestima e um autoconceito muito crítico em relação a si mesmas. Elas se sentem falíveis, como se houvesse algo de errado com elas porque não receberam atenção e validação dos pais.
Tristeza, lágrimas, medos e frustrações não atendidas
A negligência emocional passiva é uma forma de negligência psicológica. De nada adianta o pai ou a mãe estarem presentes se não confortarem o choro da criança. De pouco serve ter pais se não confiamos neles para lhes explicar, por exemplo, que sofremos bullying na escola.
Se há uma coisa que esses meninos e meninas aprendem logo, é que seus sentimentos são irrelevantes para seus pais. Assim como seus problemas. Eles nem estão cientes das emoções que tendem a capturar a atenção dos outros, não prestam atenção aos seus momentos de frustração nem conseguem descobrir o que elas gostam. Tudo isso deixa um resíduo no substrato mental, alterando o desenvolvimento da identidade, da autoestima e do amor próprio.
Os pais que aplicam negligência emocional passiva sentem-se desconfortáveis sempre que a criança explode em lágrimas, tristeza ou acessos de raiva. Diante dessas reações, eles preferem ignorá-las para superar isso.
Uma casa definida pela má comunicação
Uma das características desse tipo de negligência emocional passiva é o tipo de comunicação que se constitui na dinâmica familiar. Toda conversa é superficial, apressada e vazia de conteúdo e sentimentos. Nunca há um interesse genuíno em conhecer as crianças, em saber o que elas pensam sobre certos assuntos ou quais sonhos têm em mente.
A vida cotidiana é marcada por rotinas. Também as necessidades dos pais, que, afinal, é o que realmente importa e o que costuma ser priorizado.
Elas resolvem os problemas sozinhas
O abandono afetivo dos pais tem efeitos claramente nocivos no ambiente psicossocial da criança. Algo que elas aprendem já na primeira infância é que ninguém as ajudará a resolver suas dificuldades. Seja grande ou pequena. A falta de apoio emocional na infância e adolescência leva a pessoa a uma profunda solidão.
Elas assumem que todas as dificuldades e problemas devem ser resolvidos por elas mesmas. Além disso, também é comum que desenvolvam certa desconfiança social. Elas assumem que ninguém se importa com o que acontece com elas e, portanto, é melhor lidar sozinhas com as dificuldades da vida.
Que efeitos esse tipo de negligência tem a longo prazo?
A Universidade de Illinois e a Universidade de Ohio fizeram algumas pesquisas interessantes sobre negligência física e emocional, tanto ativa quanto passiva. Assim, algo que costuma ser visto a longo prazo é um risco evidente de desenvolver mais de um transtorno psicológico.
Depressão, transtorno de estresse pós-traumático, tendência a vícios ou comportamentos de risco. O impacto dessas dinâmicas vivenciadas na infância e adolescência é severo e persistente. Ela altera a forma como a pessoa se vê. É comum esconder sentimentos e reprimir emoções assumindo que tudo o que se sente não é importante.
Não podemos esquecer que poucas realidades são mais prejudiciais ao ser humano do que crescer em condições de abandono afetivo e distanciamento dos pais. Pois esses suportes psicológicos que nos permitem criar uma imagem positiva e válida de nós mesmos são danificados.
Por esse motivo, é muito comum que, ao atingirmos a idade adulta, tenhamos plena consciência de que há algo errado conosco. Ser vítima de uma educação distorcida na qual ninguém nos deu presença e validou nossas necessidades e emoções, deixa consequências.
São lesões internas que devem ser tratadas por profissionais especializados. Não hesitemos em pedir ajuda para reparar o tecido e a luminosidade do nosso “eu”.
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