O medo de tocar a ferida que impede a sua cura
Você conhece alguma dessas pessoas que evitam ir ao médico e fazer exames ou check-ups por medo de “descobrir alguma coisa”? Você já evitou ir ao dentista ou dermatologista por medo de ter que passar por um procedimento doloroso? Pois bem, quando se trata da saúde mental, muitas vezes agimos da mesma forma: tampamos os ouvidos para não escutar as necessidades do nosso ser e nos convencemos de que não há nada de errado conosco porque o medo de tocar a ferida é grande demais.
Entretanto, é importante lembrar que a terapia não serve apenas para as pessoas com transtornos mentais graves; na verdade, esta é uma experiência recomendável. Em maior ou menor grau, a maioria de nós carrega histórias, dores passadas e emoções não resolvidas, mas fazemos todo o possível para esconder essa realidade embaixo de mil tapetes.
Assim, é fácil continuarmos com as nossas vidas disfarçando ou dissimulando essas feridas internas; no entanto, não é porque não olhamos para elas que elas vão desaparecer.
Disfarces para as nossas feridas
Quando uma pessoa se vê diante da sugestão de fazer terapia, suas recusas podem assumir muitas formas diferentes. “Não preciso disso”, “não há nada de errado comigo”, “isso é bobagem, não funciona”, “é melhor não mexer no passado”, “para isso, já falo com meus amigos”. Essas declarações soam familiares para você?
É possível que em algumas pessoas, e pelo menos até certo ponto, elas surjam a partir de uma convicção real de que a ajuda profissional não é necessária para elas no momento. No entanto, em grande parte dos casos, estas são apenas desculpas que damos para não enfrentar a dor, a sua origem e as suas consequências.
Por isso, não é fácil olhar para a nossa própria sombra, reconhecer os nossos defeitos ou carências, aceitar que fomos feridos e nos sentimos vulneráveis. Não é desejável, em primeira instância, lembrar de certos eventos, fazer perguntas a nós mesmos, mergulhar em nossas profundezas e assumir as nossas responsabilidades. Muitas vezes, porém, quanto mais resistimos, mais precisamos fazer esse trabalho de introspecção.
Se você teme que revolvam o seu passado, é porque você ainda não conseguiu integrá-lo; se você tem medo de que toquem a sua ferida, é porque ela ainda está aberta ou não se cicatrizou adequadamente. É normal que você tenha medo de experimentar certas emoções, mas essa é a única maneira de transcendê-las.
Começar a curar
O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação, de fato. Podemos enfrentar eventos estressantes, negativos e dolorosos e sermos capazes de nos levantar e seguir adiante. No entanto, também é verdade que a nossa flexibilidade geralmente chega até um certo ponto. Muitas vezes nos limitamos e resistimos à tempestade a duras penas, seguindo em frente e tentando não lembrar, com sorte mais fortes, porém muitas vezes mais machucados.
Ao contrário do que costumamos pensar, as feridas não surgem apenas como resultado de eventos extraordinários. Basta uma atitude paterna durante a infância, a rejeição de alguns colegas ou a traição de um amigo. Uma demissão que nos faz sentir inúteis, uma separação que nos faz sentir fracassados, uma discussão que fica gravada na mente…
Então, ainda que você acredite que está tudo bem, aqui estão alguns sinais que podem indicar que você precisa olhar para o que está ignorando:
- Você tem uma relação ruim com um membro de sua família nuclear. Você gostaria que tudo fosse diferente e pode até mesmo ter tentado, mas essa realidade se impôs. Isso não implica que você deva retomar ou solucionar essa relação, mas sim que você provavelmente precisa administrar uma série de emoções associadas.
- Suas emoções muitas vezes te dominam. Você tem explosões de raiva das quais se arrepende depois e que afetam a sua relação com os seus filhos, parceiro ou com aqueles aos seu redor. Geralmente tende a se sentir triste e sem esperança, ou ansioso e irritado, sem saber muito bem por quê.
- Você tem dificuldade para estabelecer limites e geralmente é uma pessoa prestativa, sempre pronta para ajudar os outros. Ou, pelo contrário, em mais de uma ocasião você foi acusado de ser egoísta, embora você não se veja dessa mesma maneira.
- Você geralmente depende de pessoas próximas; suas ações, palavras e atitudes condicionam o seu humor e sua felicidade. Ou, pelo contrário, você é excessivamente independente e tem dificuldade para baixar a guarda e se envolver emocionalmente.
- Você repete padrões em alguma área da sua vida. Talvez todos os seus ex-parceiros sejam muito parecidos, talvez você nunca consiga manter um emprego ao longo do tempo ou talvez sempre tenha se sentido vítima das circunstâncias e da má sorte.
- Existem certas pessoas e eventos do seu passado sobre os quais você evita falar. Estas são áreas proibidas nas quais você não entra porque ainda possuem uma carga emocional difícil de tolerar.
Superando o medo de tocar a ferida
Estes são apenas alguns indícios de que nem tudo está tão bem quanto você pensava. Se você se identifica com as premissas anteriores, lembre-se de que essas realidades não são fruto do acaso, nem são inerentes à sua personalidade; elas são o resultado de sua história, aquela que você viveu, mas da qual você talvez não tenha se curado, e que ainda continua a te direcionar de forma inconsciente.
O medo de tocar a ferida é válido, uma vez que (não vamos mentir para nós mesmos) a cura pode ser dolorosa. Ao fazer isso, parte do que você achava que sabia sobre si mesmo será destruída e você terá que se abrir para o que não queria reconhecer. Mudará a sua forma de ver as pessoas ao seu redor, acabará a idealização e também a culpa.
Agora, você será responsável pela sua felicidade. No entanto, uma vez que a ferida estiver curada, você poderá ver claramente a sua magnitude e a sua influência em sua vida. Portanto, tenha a coragem de superar as resistências e decida iniciar a mudança.
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