O Príncipe das Marés: quando os silêncios não nos permitem avançar

'O Príncipe das Marés' mostra um dos horrores da violência sexual contra crianças: o silêncio daqueles que devem ser protegidos provoca ainda mais danos do que o abuso em si.
O Príncipe das Marés: quando os silêncios não nos permitem avançar
Sergio De Dios González

Revisado e aprovado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Escrito por Sonia Budner

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Hoje falaremos sobre O Príncipe das Marés, um filme já antigo, mas que infelizmente contempla um assunto que continua sendo preocupante. Os abusos e agressões sexuais são eventos extremamente traumáticos para quem os sofre. Embora afetem homens e mulheres de formas diferentes, as maiores diferenças surgem devido à idade das vítimas.

Quando menores de idade sofrem agressões ou abusos sexuais, o problema é mais grave. Primeiro, porque nesta idade ainda não foram desenvolvidas ferramentas que permitam lidar com a situação. Segundo, e talvez pior, porque essas pessoas ainda não são “donas de suas próprias vidas”. As decisões a serem tomadas diante destes acontecimentos não dependem delas.

Infelizmente, muitas vezes os adultos responsáveis pela sua proteção e bem-estar não sabem enfrentar o problema de forma responsável. Frequentemente, os adultos responsáveis tomam decisões com base em suas prioridades, valores, crenças, medos ou circunstâncias, e não nos fatores que afetam a criança. Em uma elevada porcentagem de casos, a decisão é ignorar, esconder ou ocultar o acontecimento das pessoas de fora e da própria vítima.

Isso sequer é uma decisão, mas sim um mecanismo de defesa muito prejudicial para quem escolhe agir dessa forma, que é quase sempre fatal para a vítima. O Príncipe das Marés fala exatamente sobre isso. O filme fala dos terríveis silêncios e tentativas de ocultar um crime deste calibre; uma estratégia de enfrentamento que acaba prejudicando mais do que a própria agressão.

O enredo de O Príncipe das Marés

Este incrível filme foi produzido e dirigido por Barbra Streisand em 1991; ela também interpretou uma das personagens principais. Baseado no livro de mesmo título, sua autora, Pat Conroy, entregou o livro a Streisand para que ela o adaptasse.

Barbra Streisand sempre foi uma mulher muito comprometida com causas sociais e situações de injustiça, e definitivamente fez um trabalho magnífico em O Príncipe das Marés.

O filme fala sobre a vida de Tom Wingo, personagem interpretado por Nick Nolte. Tom e seus irmãos sofrem uma terrível agressão sexual quando crianças. A situação familiar já era complexa: as crianças cresceram em um ambiente muito disfuncional com um elevado grau de violência doméstica. Esta situação acaba piorando com o ataque de alguns estranhos que assaltam a casa e estupram as crianças.

A mãe decide enfrentar a agressão sexual de seus filhos mantendo o acontecimento em segredo e forçando as crianças a agirem como se nada tivesse acontecido. As três crianças crescem carregando esse segredo com elas e cada uma tenta conviver com isso da melhor forma possível. Porém, o silêncio acaba gerando traumas profundos e complicando suas vidas de forma muito cruel.

Cena de 'O Príncipe das Marés'

As consequências

Já adulto, somado à situação instável de seu próprio casamento em ruínas, Tom precisa lidar com as repetidas tentativas de suicídio da sua irmã gêmea .

Ele viaja para Nova York para ajudar a psiquiatra (Barbra Streisand) que atende sua irmã após sua mais recente tentativa de suicídio, e se esforça em esclarecer os obscuros motivos por trás das repetidas tentativas de suicídio de Savannah, já que ela mesma não se lembra da sua infância.

Isso leva Tom à sua própria infância, o fazendo revisitar a agressão sexual que ele também sofreu quando criança. Ele começa a fazer sessões de psicanálise com a terapeuta (que também possui seus próprios conflitos familiares) para, então, ajudar sua irmã a recobrar sua memória.

Cena de 'O Príncipe das Marés'

Os silêncios que não nos permitem avançar

O Príncipe das Marés retrata a reação de uma mãe que, embora seja difícil acreditar, é bastante normalizada em nossa sociedade. Provavelmente ela não faz mais do que replicar uma atitude de ocultamento que já era presente em sua vida cheia de agressões e violências por parte do marido. O problema é que, neste caso, ela estendeu o silêncio à brutal agressão sexual que seus filhos sofreram.

As agressões sexuais infantis criam uma realidade muito dura na idade adulta. Pesquisas realizadas sobre este assunto nos dão uma ideia da dimensão que essas agressões alcançam com a idade.

Isso tudo piora principalmente quando forçamos o silêncio em vez de proteger… ocultar agressões sexuais não é a forma ideal de enfrentar o problema. É imprescindível começarmos a aceitar, enquanto sociedade, que estes tipos de traumas não são curados com o tempo, muito menos com a ignorância. Pessoas que sofrem agressões sexuais desse tipo precisam processar o que passaram.

Felizmente, nos últimos anos surgiram programas e iniciativas que tentam conscientizar, combater e criar soluções para a terrível realidade dos abusos sexuais infantis. Mas nós, como indivíduos, precisamos começar a ter consciência disso e não ignorar estes problemas. O silêncio diante desses assuntos é a pior barreira que uma criança pode enfrentar em sua vida, e isso deveria ser importante para todos nós.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.