Obsessão pelo sucesso, uma epidemia do século XXI?

Vivemos em uma sociedade na qual a obsessão pelo sucesso é constante, mas até que ponto essa concepção de sucesso é natural e até que ponto é cultural?
Obsessão pelo sucesso, uma epidemia do século XXI?
Francisco Javier Molas López

Escrito e verificado por o psicólogo Francisco Javier Molas López.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

A obsessão pelo sucesso se tornou quase um sinônimo do nosso valor pessoal. Não só o sucesso em si, mas também a nossa obsessão por ele. Quando alguém não tem como objetivo ganhar muito dinheiro ou ter um trabalho invejável, costuma escutar perguntas como “Mas então, o que você deseja?”. É como se o sucesso, traduzido em dinheiro, tivesse que ser a coluna vertebral de qualquer vida e a qualquer momento.

Quantas vezes já sentimos uma pontinha de inveja ao pensar que outras pessoas têm mais sucesso que nós? Em quantas ocasiões comparamos o nosso carro com outro mais chique? Ou nossa casa com outra maior?

Por que sempre queremos mais, e por que de vez em quando mantemos essa aspiração mesmo sendo conscientes da quantidade de amargura que sentimos em troca? Por isso tudo, hoje vamos refletir se é inerente ao ser humano querer alcançar o maior sucesso possível, ou se isso é algo condicionado pela sociedade.

A obsessão pelo sucesso: natural ou cultural?

Desde pequenos, somos bombardeados por mensagens que falam de um plano de vida ideal. A imposição de uma ideologia concreta em muitos momentos limita nossa visão sobre outros pontos de vista. Ou seja, se nos ensinam a pensar que ter sucesso é ter muito dinheiro, acreditamos, em última instância, que o objetivo do ser humano é acumular dinheiro. Se nos ensinam que o sucesso é tratar as pessoas bem, nosso objetivo será tentar ser uma pessoa boa. Dessa forma, a influência social tem um papel muito importante na formação dos nossos desejos sociais e pessoais.

Não existe uma lei natural que afirme que o ser humano deve acumular muito dinheiro, nem que devemos ter uma lista infinita de propriedades. A obsessão pelo sucesso é uma imposição social e cultural. Apesar disso, muita gente não se dá conta já que, como regra geral, as exigência surreais e descabidas da sociedade dominam nossas vidas. Dessa forma, se desde pequenos associamos o sucesso com ter o melhor trabalho, é provável que acreditemos que isso seja realmente o que ser bem-sucedido significa.

“Entre todas as características que desenvolvem a felicidade, estou profundamente convencido de que o amor altruísta é a mais eficaz”.
-Matthieu Ricard-

Criança sonhando em voar

A obsessão pelo sucesso e a frustração

Uma das epidemias mais presentes no séculos XXI é a depressão, e outra é a ansiedade. A OMS (Organização Mundial de Saúde) afirmou em 2016 que mais de 350 milhões de pessoas sofriam de depressão. Em 2012, a entidade assegurou que o mais preocupante era que “em 20 anos, a depressão será a doença mais frequente nos seres humanos, superando o câncer e os transtornos cardiovasculares”.

Teria esse fato relação com a obsessão pelo sucesso? Certamente sim. A imposição de metas irreais nos frustra à medida que não conseguimos alcançá-las. Muita gente afirma que sua vida é um fracasso porque não tem um bom emprego, tem um carro popular e não um carro importado e vive em uma casa não muito grande. A pessoa possui tudo isso, e ainda assim não aprecia nada. É como se o normal fosse mirar o céu, em vez do horizonte ou da terra.

No entanto, ao possuir esses bens já são mais ricos que a imensa maioria da população mundial. Pouco a pouco, podemos nos aproximar de uma concepção de sucesso mais saudável: ser feliz aqui e agora.

Apreciar o que temos e ter um pensamento e ações moralmente corretas é muito mais admirável que o desejo e a ânsia de acumular bens materiais e prestígio. E mais, se realmente prestarmos atenção àqueles cuja obsessão pelo sucesso é muito alta, conseguiremos perceber que eles são os que mais sofrem. Por outro lado, aqueles que se preocupam com os outros e são felizes com o que têm são mais felizes. A sociedade está tão doente que é necessário esclarecer que ser feliz com o que se tem não é sinônimo de conformismo, mas sim de saber aproveitar o que temos no momento presente.

“Não é mais rico aquele que tem mais, mas sim o que precisa de menos”.
-Facundo Cabral-

Garota cheirando uma flor

Diógenes e Alexandre Magno

Diz a lenda que Alexandre Magno queria ter um encontro com Diógenes, que vivia em um barril. Na verdade, este era um dos seus poucos pertences. Alguns o consideravam sábio, e outros um ignorante. Quando Alexandre Magno se apresentou diante dele, mostrou toda a sua admiração e começaram a conversar. Alexandre se dirigiu a Diógenes dizendo: “Peça para mim o que você quiser. Posso te dar qualquer coisa que você desejar, inclusive aquelas que os homens mais ricos de Atenas não se atrevem nem a sonhar”.

Diógenes estava diante da oportunidade de mudar sua vida de forma radical, de viver em um palácio e ter fortunas. No entanto, sua resposta não foi a que todos estavam esperando. Diógenes respondeu: “Claro. Não serei eu quem vai impedir você de demonstrar seu afeto comigo. Queria te pedir que você saísse da frente do sol. Meu maior desejo agora mesmo é que seus raios me toquem. Não tenho nenhuma outra necessidade e é certo que só você pode me dar essa satisfação agora”.

Diz-se que Alexandre afirmou que “se ele não tivesse sido Alexandre, gostaria de ser Diógenes”.  Essa anedota reflete quão culturais algumas necessidades podem chegar a ser. Para Diógenes, o sucesso era estar tranquilo e aproveitar os raios de sol, e para Alexandre era a ambição desmedida em conquistar mais e mais terras.

Da obsessão pelo sucesso à compaixão

Matthieu Ricard, doutor em biologia molecular e monge budista, se definiu como o homem mais feliz do planeta. Ricard assegura que “a compaixão, a intenção de eliminar os sofrimentos dos outros e as causas desse sofrimento, vinculados com o altruísmo e o desejo de oferecer bem-estar aos demais, é o único conceito unificador que nos permite encontrar nosso caminho nesse labirinto de preocupações complexas”.

Ricard usa o termo labirinto de preocupações como sinônimo do mundo no qual nos movemos – e que de algum modo ajudamos a formar. Ele assegura que a compaixão dá sentido à nossa existência. Por isso, a felicidade e grande parte do sentido da vida envolvem cuidar dos interesses dos outros, e não apenas admirar o nosso sucesso.

Ele diz ainda que a felicidade “não é só uma sucessão de experiências prazerosas. É uma forma de ser que provém do cultivo de qualidades humanas básicas, como a compaixão, a liberdade interior, a paz interior, a resiliência, etc”. Ele também nos dá a chave para desenvolver essas qualidades: “cada uma dessas qualidades é uma habilidade que pode ser cultivada através do treinamento mental e do altruísmo”.

“Toda a felicidade do mundo vem de desejar a felicidade para os demais. Todo o sofrimento do mundo vem de desejar a própria felicidade”.
-Shantideva-


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