É possível odiar a pessoa amada?

Odiar a pessoa amada é normal, visto que o paradoxo é algo intrínseco aos seres humanos. Quando o amor é verdadeiro, o ódio se torna um episódio que pode ser processado sem que deteriore significativamente o afeto pelo outro.
É possível odiar a pessoa amada?
Sergio De Dios González

Escrito e verificado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Última atualização: 21 outubro, 2019

Odiar a pessoa amada é, entre aspas, normal. Devemos nos lembrar de que o contrário do amor não é o ódio, mas a indiferença. O ódio e o amor são dois sentimentos que, por serem extremos em intensidade, se tocam.

Devemos pensar que somente as máquinas são 100% consistentes e obedientes. Se apertarmos um botão, elas fazem o que foi pedido porque sua própria natureza as impede de processar de outra maneira a ordem recebida. Elas não têm escolha, nem alternativa.

Os seres humanos, em contrapartida, processam todos os estímulos que vêm do exterior e do interior. Há muitos fatores que influenciam para que não pensemos ou sintamos da mesma forma todos os dias.

Apesar de nos movermos nos limites de certos parâmetros que são relativamente estáveis, sempre estamos mudando em alguma medida. Por isso, é possível odiar a pessoa amada.

“Os cachorros amam seus amigos e mordem seus inimigos, diferentemente das pessoas, que são incapazes de amar e sempre misturam o amor com o ódio.”
-Sigmund Freud-

O amor e o ódio, duas faces da mesma moeda

O ser humano raramente experimenta os sentimentos e as emoções de maneira pura. Até o amor mais terno e evoluído pode deixar, em um determinado momento, um espaço para o ódio. Até mesmo as mães mais solícitas, por exemplo, podem chegar a sentir rejeição pelos filhos que tanto amam.

Podemos chegar a odiar a pessoa amada porque o amor e o ódio compartilham parte de seu substrato.

Esse material é o que nos permite falar de um território compartilhado, uma interdependência emocional na qual o que o outro faz nos influencia. O que o outro faz nos afeta para o bem ou para o mal. Somos particularmente sensíveis a suas ações.

Portanto, quando o ser amado responde a nossas expectativas, predominam os sentimentos de afabilidade, proximidade e predisposição positiva. Pelo contrário, se o que essa pessoa faz nos machuca, pode surgir um sentimento de ódio.

Não se trata necessariamente de um ódio visceral e destrutivo, mas de uma profunda rejeição por suas ações, nas quais a ira e a tristeza se misturam. Por isso, por extensão, podemos chegar a odiar a pessoa amada.

Odiar a pessoa que amamos

Erramos e erram conosco

Se pecamos em alguma coisa no amor, é no idealismo. Muitos olhares o percebem como um sentimento quase sobre-humano, no qual não há espaço para contradições ou emoções negativas. Na prática, descobrimos que não é assim.

Tudo que é humano é paradoxal. Somos inteligentes e tolos, corajosos e medrosos, maduros e infantis. Certos traços predominam, mas estes não excluem os outros.

Nem mesmo o amor que sentimos por nós mesmos é totalmente estável. Às vezes, também nos odiamos um pouquinho. Pode acontecer quando nos damos conta de que cometemos um erro, por exemplo, ou quando nos deixamos levar por impulsos e fazemos algo que não teríamos feito.

Erramos com pessoas que amamos, e elas também erram conosco. Nem sempre são erros pequenos, pois em algumas situações têm a ver com assuntos muito importantes. É possível odiar a pessoa amada porque nenhum afeto está isento desse tipo de contradição.

Odiar a pessoa que amamos

Odiar a pessoa amada

Todo grande amor deixa suas cicatrizes, assim como a infância. De fato, o equilíbrio no amor raramente chega antes daquele momento no qual o confrontado aprende a conviver. Essa é a dinâmica desses afetos intensos.

Podemos chegar a odiar a pessoa amada, mas também conseguimos reconstruir o afeto e equilibrar as coisas. O amor autêntico sempre inclui esses processos.

Cada um de nós tem uma margem para ser melhor. Por outro lado, todos nós abrigamos uma parte odiosa. Intolerâncias, conformismos, hesitações ou egoísmos que nunca poderão ser completamente superados. Isso não nos torna melhores ou piores, simplesmente fala sobre a nossa natureza.

Não é preciso temer esses sentimentos de ódio que, às vezes, surgem no amor: não existe necessariamente uma patologia. Também não significam necessariamente que o afeto se deteriorou, nem que somos monstros incoerentes e malvados.

É mais saudável aceitar que às vezes odiamos quem amamos, e que isso deve ser processado para que não se torne destrutivo. Quando o amor é verdadeiro, o ódio se torna transitório e quase não deixa marcas.


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  • Eibl-Eibesfeldt, I. (1987). Amor y odio: historia natural del comportamiento humano. Salvat.

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