Os Banshees de Inisherin e a amizade masculina
Dizem que o fim de uma amizade pode doer tanto quanto o fim de um relacionamento. É o que nos revela o mais recente filme do realizador anglo-irlandês Martin McDonagh. Quem nos trouxe o inesquecível Tres anúncios para um crime em 2017, nos brinda desta vez uma história que, embora beirando o humor negro, dança no precipício da tragédia.
Os Banshees de Inisherin já conta com vários prêmios e é o favorito a ganhar o Oscar de melhor filme na próxima edição. Razões não faltam. O roteiro cativa, os atores cativam e a ação combina uma composição cuidadosa, fotografia esplêndida e direção primorosa. É uma reminiscência dos filmes clássicos de David Lean ou John Ford.
É uma produção em que todos nós, de alguma forma, podemos nos identificar. Quem mais e quem menos já foi visto na encruzilhada de romper uma amizade ou ser abandonado por um amigo importante. Da mesma forma, se há algo que este filme exala é o sufocamento, a opressão gerada pelas pequenas cidades, espaços que corroem o espírito e até as expectativas…
“Não é sobre Inisherin. É sobre um homem entediado deixando outro homem sozinho, só isso.”
-Os Banshees de Inisherin, 2022-
Os Banshees de Inisherin, a ilha da insatisfação
O fato de Martin McDonagh ser dramaturgo traz para suas produções um tipo de narrativa mais delicada, emocional e profunda. Neste filme, a escolha dos atores é perfeita. Brendan Gleeson interpreta Colm, um homem culto e amante da música na casa dos sessenta, lidando com uma profunda crise existencial. O tempo foge dele e ele deseja deixar algo de valor no mundo.
Colin Farrell interpreta Pádraic, um fazendeiro que vive da venda de seu leite. É uma alma simples, pode passar horas a falar dos excrementos do seu cavalo e centra a sua vida em três elementos: a sua irmã inteligente, o seu burrinho e o seu amigo Colm. Três dimensões que ele vai perdendo, para seu desespero, ao longo do filme.
Colm é um homem que, vendo o fim da sua vida, decide dedicar-se à arte, ao pensamento profundo e à criatividade, e para isso decide romper a amizade com Pádraic, uma alma demasiado simples para ele.
“Talvez ele não goste de você”, descobrindo que um amigo não nos suporta mais
Os Banshees de Inisherin nos coloca em uma pequena ilha na costa oeste da Irlanda em 1923. Não demoramos muito para nos conectar emocionalmente com o personagem de Pádraic. Quando ele bate na porta da casa do amigo Colm, e ele não atende apesar de estar fumando lá dentro, ficamos preocupados. É hora de ir ao bar beber cerveja; um ritual que, de repente, é quebrado.
“Talvez ele não goste mais de você”, comenta sua irmã Siobhán. Uma frase premonitória que, infelizmente para Pádraic, se revela verdadeira. A verdade é que seu amigo sempre decidiu tirá-lo de sua vida porque isso não lhe traz nada. Vendo-se já à beira do precipício da sua própria existência e, após fazer um balanço, decide que deve focar-se em aspectos mais importantes.
No entanto, Pádraic não é capaz de aceitar essa quebra e essa distância inexplicável. Relutante em se afastar da órbita de Colm, dará origem a diferentes situações que beiram o grotesco e até o trágico. Como aceitar que aquele que um dia atrás era seu cúmplice diário, de repente o afasta e critica sua simplicidade?
A esperança frustrada em Inisherin
O problema das cidades pequenas é que todos querem fugir e poucos conseguem. Aqueles que ficam sufocam e são engolidos pela dor. É fácil perceber que Colm é um personagem que lida com uma depressão profunda. Tanto que, em determinado momento, Pádraic entende que seu comportamento é a fonte de sua tristeza.
No entanto, ele diz à irmã que o que seu amigo deve fazer é o mesmo que todos em Inisherin, guardar para si seus arrependimentos e infortúnios. Empurre-os bem, ele insiste. No entanto, a desesperança é como aquela bruma que o mar traz e que sobe das falésias até à ilha. Ela satura tudo, inclusive a mente das pessoas.
O jovem Dominic é outro personagem notável. Um menino que anseia por escapar da brutalidade de seu pai (policial da ilha) e ter um relacionamento com Siobhán, a brilhante irmã de Pádraic. Enquanto isso, a própria Siobhán também deseja poder fugir de Inisherin e não acabar como a maioria de seus habitantes. Almas em sofrimento que sonham com algo que nunca acontece.
Todos os personagens da ilha de Inisherin estão quebrados e sem esperança, exceto Pádraic. Sua vida era feliz até que seu melhor amigo parou de falar com ele.
A beleza trágica da vida contida em uma ilha
Os Banshees de Inisherin, nos traz mais do que apenas o rompimento de uma amizade entre dois homens. Essa pausa é uma tragédia. Os espectadores não hesitarão em se posicionar de um lado ou de outro: o amigo que sai ou o amigo que fica. Quem entendemos mais? Possivelmente ambos.
No entanto, todo ato tem consequências e a decisão de Colm de abandonar Pádraic irá, por um momento, acabar com a bondade inata deste último. A alma simples de Inisherin buscará vingança e, como previu a velha Sra. Mccormick, quase uma reminiscência daqueles personagens sombrios de O Sétimo Selo de Bergman, haverá duas mortes.
A vida contida em uma pequena ilha irlandesa na década de 1920 traz consigo a história de muitas almas. Algumas conseguirão fugir da ilha e ter um futuro promissor. Outros, a maioria, continuarão condenadas, habitando um pedaço de terra onde chegam os ecos do IRA, onde as frustrações serão afogadas em cervejarias e ninguém falará de suas mágoas. Porque é para isso que servem os violinos.