O Pálido Olho Azul ou como reviver Edgar Allan Poe

Edgar Allan Poe ganha vida graças a uma nova produção da Netflix que não deixa ninguém indiferente. De repente, é mostrado um lado do famoso escritor e poeta que certamente sempre o atraiu: o de detetive e investigador de enigmas complicados e macabros.
O Pálido Olho Azul ou como reviver Edgar Allan Poe
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 22 fevereiro, 2024

O Pálido Olho Azul (2003) é um dos livros de maior sucesso do romancista Louis Bayard. A trama não poderia ser mais sedutora: após um brutal assassinato nas dependências da academia militar de West Point, são contratados os serviços de um veterano detetive nova-iorquino, Gus Landor. Nessas investigações, ele contará com a ajuda de uma figura muito especial: Edgar Allan Poe.

A Netflix não hesitou em comprar os direitos desse best-seller e torná-lo uma das suas maiores apostas nesse início de 2023. O Pálido Olho Azul é um filme com uma atmosfera gótica cativante que tem o seu maior incentivo em Poe. Pela primeira vez, vemos a figura clássica da literatura americana encarnada naquela época em que ainda era um poeta notável em formação.

Cenários nebulosos, árvores estéreis, florestas nevadas, corvos grasnados, ruas iluminadas por bruxuleantes luzes a gás, assassinatos rituais e mensagens enigmáticas. Essa produção, dirigida por Scott Cooper, tinha tudo para conquistar o coração de qualquer amante do mistério e fanático escritor bostoniano. Porém, além das duas atuações poderosas de seus protagonistas, há elementos que destoam…

Edgar Allan Poe ingressou em West Point em julho de 1830. A academia militar dava para o rio Hudson e, por um tempo, ele se destacou como um bom aluno. No entanto, apenas sete meses depois, ele foi julgado por uma corte marcial por negligenciar seus deveres e desobedecer ordens.

Os crimes da academia
O Pálido Olho Azul é o romance homônimo no qual o filme da Netflix se baseia.

Poe, o poeta com alma de detetive de West Point

O fato de Edgar Allan Poe ter deixado West Point em 1831 foi uma bênção para a história da literatura. Seus biógrafos dizem que ele era ruim em matemática e que não se adaptava muito à disciplina militar. Aquele período dele na academia, próximo ao rio Hudson, ainda é muito interessante. Não admira que Louis Bayard o tenha usado para escrever seu romance.

A verdade é que não é a primeira vez que se utiliza uma representação de Poe no papel de detetive. Também vimos isso no interessante filme O Corvo (2012) , em que um magnífico John Cusack se colocou em sua pele tempestuosa para investigar assassinatos atrozes baseados em seus próprios poemas.

Essa produção, tal como O Pálido Olho Azul, baseia-se numa possibilidade bastante sólida. O famoso poeta e escritor foi um grande amante da criminologia. Na verdade, devemos a ele as raízes da história policial. Sherlock Holmes, por exemplo, não existiria se Conan Doyle não tivesse ficado fascinado por seu Auguste Lupin em Os Assassinatos da Rua Morgue ou O Mistério de Marie Rogêt.

O Pálido Olho Azul” e a busca pelas suas origens

Edgar Allan Poe morreu com apenas 40 anos e com mais sombras do que luzes em sua vida. Mantemos dele um legado literário excepcional e enigmas profundos que o cercam. A mera ideia de vislumbrar alguns períodos específicos da sua existência desperta grande fascínio e ainda mais se nos aprofundarmos nas suas origens, na sua juventude.

O Pálido Olho Azul começa com uma visão do Vale do Hudson, com suas florestas enevoadas pontilhadas de neve, prendendo-nos em uma atmosfera de mistério sutil. Masanobu Takayanagi, diretor de fotografia, oferece a esse filme um de seus maiores atrativos, o de criar um cenário que emana tristeza, encantamento e um maravilhoso território do gótico.

Não demora muito para conhecermos o detetive Gus Landor, interpretado por Christian Bale, acostumado como sempre a nos trazer personagens difíceis, aqueles que mascaram segredos obscuros. Aqui não poderia ser diferente. Ele tem a tarefa de investigar um suposto suicídio naquela instituição (West Point) da qual guarda rancor e más lembranças. Ele logo recruta um assistente singular, um cadete que lhe dá uma pista sobre o assassino que ele deve procurar: um poeta.

Tomar o coração de um homem é traficar símbolos. E quem melhor equipado para tal tarefa do que um poeta?

Poe e Landor, duas figuras traumáticas

Edgar Allan Poe (interpretado por um perfeito Harry Melling) e Landor são duas almas sombrias que se conectam instantaneamente. Este último é viúvo e convive com o trauma do desaparecimento da esposa. O primeiro fala com sua falecida mãe. De certa forma, o detetive também é o espelho daquilo que o próprio escritor e poeta bostoniano se tornará no futuro: um alcoólatra que carrega consigo a perda de diversas figuras femininas.

O melhor do filme é o vínculo entre seus protagonistas, um vínculo quase de pai e filho, em que ambos se alimentam. Seja através da sua genialidade inegável, da sua cumplicidade ou da admiração mútua, os dois homens constroem um refúgio partilhado onde podem explorar o sofrimento, a desilusão, a tristeza e até a corrupção institucional.

A origem de seus robustos universos literários

Scott Cooper, diretor de O Pálido Olho Azul, também é seu roteirista. Um dos propósitos do filme é nos fazer intuir a origem de muitas das obsessões, histórias e figuras literárias que Poe nos legou nas suas histórias. Há pinceladas que traçam reminiscências de Os Assassinatos da Rua Morgue e de mais de um personagem de suas histórias.

Todos esses recursos nos mantêm alertas e nos fazem sorrir. A pena é que, apesar da trama interessante, dos crimes rituais e daqueles jogos esotéricos e enigmáticos, à la Dan Brown, no final o espectador pode se decepcionar. A narrativa de mistério exige olhares cautelosos para apreciar os detalhes, mas a trama rapidamente se torna previsível e até superficial.

O nosso olhar, encorajado pelo fascínio dos seus protagonistas, anseia que tivessem mergulhado em mais aspectos, em recantos mais estimulantes. Porém, tudo permanece vazio, mas bem adornado de superficialidade.

Os crimes da academia
A melhor coisa sobre O Pálido Olho Azul é seu elenco excepcional e desempenho poderoso de Harry Melling.

Um rosto cheio de ângulos e uma mente que deixou sua marca no mundo

O Poe de Harry Melling hipnotiza porque ele é todo maçãs do rosto, queixo e olhos cavernosos cheios de entusiasmo e paixão. Logo percebemos que esse cadete de West Point, com seus discursos, raciocínio e sensibilidade, é alguém que deixará sua marca no mundo.

Porém, também sentimos que ele pertence àquele tipo de pessoa que dança com a escuridão e o desespero. E, às vezes, aqueles que beiram o extraordinário acabam em tragédia. Seja como for, sempre apreciaremos quando o cinema tentar traçar como poderia ter sido a vida de Poe. Tal empreendimento não é fácil, nem costuma ser fácil levar seu trabalho para a tela.

E já temos uma excelente oportunidade para provar o último. Mike Flanagan (A Maldição da Residência Hill, Missa da Meia-Noite) trouxe uma nova adaptação: A Queda da Casa de Usher.


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  • Wang, H., Chen, Y., & Zhang, Q. (2018). The effects of low and high levels of sadness on scope of attention: an ERP study. Frontiers in Psychology9, 2397.

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