Parrhesia, uma atitude dos corajosos

A parrhesia é uma virtude, mas também uma atitude. Não é muito comum no mundo de hoje, em que prevalecem palavras inofensivas e discursos politicamente corretos, ao invés da verdade.
Parrhesia, uma atitude dos corajosos
Sergio De Dios González

Escrito e verificado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Última atualização: 30 janeiro, 2022

Parrhesia é uma palavra grega que significa ‘dizer tudo’. É sinônimo de conceitos como falar livremente, dizer as coisas com franqueza, ‘ousar falar o que pensa’ e ideias assim. Refere-se a esse difícil talento de expressar o que se pensa, mesmo que seja inconveniente ou coloque a pessoa em perigo.

O conceito de parrhesia foi mencionado por vários filósofos gregos, como Sócrates ou Platão. Com o tempo, e particularmente na Idade Média, começou a receber um significado depreciativo. Em vez do significado de franqueza, foi interpretado como falar sem pensar ou dizer a primeira coisa que veio à mente.

O filósofo francês Michel Foucault resgatou o sentido essencial da parrhesia e aprofundou esse conceito, principalmente em suas obras O governo de si e dos outros, A coragem da verdade e Discurso e verdade. Hoje, esse conceito está no cerne de muitos movimentos de protesto.

Existem milhares de oradores, políticos e homens eloqüentes; mas aquele que tem de fazer as perguntas mais irritantes ainda não abriu a boca. Gostamos da eloqüência em si mesma e não pela verdade que contém ou por qualquer ato heróico que inspira. “

-Henry David Thoreau-

Pessoas demonstrando

Parrhesia ou coragem para falar

Em muitas vezes e em muitos lugares, falar é perigoso. Fica mais evidente quando o poder é exercido de forma tirânica, seja na sociedade ou em pequenos núcleos dela, como o trabalho ou a família. Mesmo assim, também existe um certo risco em dizer algo quando vai contra a maioria ou contradiz um discurso dominante.

Por que falar pode ser um perigo para quem fala? Por que aquele que não quer ouvir também vê o que é dito como um risco? Essas questões conduzem à essência do que é a parrhesia. Não se trata de falar por falar, mas de falar a verdade. O veículo da verdade é precisamente a palavra.

A verdade, por sua vez, torna-se perigosa quando revela algo que por manipulação ou conveniência deseja ocultar. Verdades incômodas se desmascaram, ou seja, rompem o véu e fazem algo que é inconveniente seja visto.

Os poderes são freqüentemente ferozes com aqueles que ousam desafiar suas mentiras com a arma da palavra verdadeira e franca. A resposta é frequentemente assédio, desacreditação, perseguição ou ostracismo. Eles devem pagar por terem falado. É a isso que alude a parrhesia, e por isso é uma espécie de franqueza que exige coragem.

As três coordenadas da parrhesia

Segundo Foucault, a parrhesia é um conceito associado à ética e à política. Esse filósofo entendia a ética como cuidar de si, enquanto ele definia a política como cuidar dos outros. Em ambas as áreas, a parrhesia era um comportamento fundamental.

Da mesma forma, o que definiu a parrhesia e as pessoas que a exercem, são três traços fundamentais. O primeiro é aquele que já mencionamos: um sujeito que fala e diz a verdade. Porém, o importante aí não é essa verdade, mas o compromisso que a pessoa tem com ela. Portanto, esse traço seria algo como “disposição para falar a verdade”.

A segunda característica é que essa verdade envolve um risco. Não pode ser uma verdade inofensiva e não tem graça que seja contada, por exemplo, a alguém que se encontra em posição de vulnerabilidade. Implícito no compromisso de dizer a verdade está o valor ético de fazê-lo “apesar de tudo”. A terceira característica decorre do anterior: requer coragem ou bravura. Não é possível ser covardes.

Protagonista de snowden

A parrhesia coletiva

A filósofa Judith Butler, em sua obra Sem medo. Formas de resistência à violência de hoje, em tradução livre, indica que a parrhesia também pode ser exercida coletivamente. No mundo de hoje existem pessoas que se unem em torno de uma verdade comum, enfrentam o poder e exercem a resistência a partir da palavra.

Outros filósofos têm chamado a atenção para o fato de que a parrhesia deve ser exercida, no mundo de hoje, principalmente pelos jornalistas. No entanto, este não é o caso. Edward Snowden ou Julian Assange podem ser exceções.

Essa franqueza da parrhesia freqüentemente deve ser exercida em ambientes mais privados. Sua função não é desafiar como tal, mas combater mentiras, que quase sempre atendem a interesses mesquinhos. Não é ” sincericídio “, mas sim um compromisso com a verdade.


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  • Vaccaro, S. (2019). Foucault, posverdad y parresía. Soft Power, 6(2), 43-74.

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