Personalidade sombria e decisões morais: como elas se relacionam?
Personalidades sombrias são narcisismo, psicopatia e maquiavelismo. São pessoas altamente conflituosas em suas relações interpessoais e que têm dificuldade em nomear seus sentimentos, pois carecem ou têm um mínimo de empatia. Além disso, esse tipo de personalidade tende a ser incapaz de fazer algo de forma altruísta e para que os outros se sintam confortáveis e à vontade: apresentam déficits no comportamento pró-social.
A este respeito, um novo estudo publicado pelo Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Portugal) quis analisar a relação entre a tríade obscura e a tomada de decisão moral. Embora primeiramente vamos definir e estabelecer as bases sobre o que é a personalidade sombria e em que consistem as decisões morais.
“É preciso ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para espantar os lobos.”
-Maquiavel-
Personalidades sombrias
Há anos se sabe que existem três fatores que, quando combinados, dão origem a um tipo de personalidade cada vez mais sombrio: a personalidade sombria. O conceito nasceu em 2002 por Delroy Paulhaus e Keving Williams, que definiram as características de cada componente:
1. Narcisismo
Este traço de personalidade alude a uma dimensão subclínica. Isso significa que, embora o traço possa ser óbvio, está longe de ser grave o suficiente para justificar um diagnóstico de transtorno de personalidade narcisista.
Podemos explicar em que consiste o narcisismo com uma metáfora. Imagine um equilibrista que anda no alto de um fio. É assim que os narcisistas passam pela vida: de um lado desse fio tênue eles se mostram grandiosos, merecedores da mais alta estima e da maior admiração. Porém, por outro lado, são pessoas com autoestima extraordinariamente vulnerável.
O narcisismo é um processo cujo objetivo é a autoconstrução. O motor do narcisista é a necessidade de autoafirmação.
2. Maquiavelismo
A principal característica do maquiavelismo é o cinismo. Segundo o dicionário, o cinismo alude ao fato de não ter pudor ao mentir.
Assim, as pessoas que obtêm pontuações altas em cinismo são caracterizadas pela ausência de princípios ou valores. Para elas, o importante é o fim, o que eles querem. Nesse sentido, pessoas cínicas manipulam outras pessoas como um meio para seus fins.
“Pessoas cínicas acreditam na manipulação interpessoal como a chave para o sucesso na vida e se comportam de acordo.”
-Fernando Renee González-
3. Psicopatia
Pessoas com psicopatia têm traços de personalidade antissociais. Elas são caracterizadas por serem insensíveis e frias com as necessidades dos outros. Além disso, elas carecem ou têm dificuldade em se conectar emocionalmente com as pessoas ao seu redor: sua capacidade de empatia é prejudicada.
Elas são frias ao tomar decisões e agem impulsivamente. Consequentemente, o fato de violar as normas sociais está longe de incomodá-las. É por isso que quando entram em contato com a sociedade parece que voam faíscas, porque o conflito é a norma e não a exceção.
“A psicopatia é caracterizada por ter baixos níveis de bondade e responsabilidade.”
-Fernando Renee González-
O que são decisões morais?
Podemos definir as decisões morais como o caminho que seguimos ao raciocinar sobre um fato com o objetivo de discernir se a solução é correta ou incorreta do ponto de vista moral. O estudo das decisões morais normalmente é feito por meio de dilemas.
Os dilemas sociais podem ser classificados em três grandes áreas:
- Pessoal, quando aludem a comportamentos susceptíveis de causar danos graves directamente a uma pessoa ou a um grupo.
- Impessoais, quando se referem a comportamentos que afetam indiretamente alguém.
- Com ausência de avaliação moral, quando implicam comportamentos alternativos num contexto de ausência de dano.
Por sua vez, as decisões que tomamos nos dilemas morais podem ser utilitárias ou não utilitárias. As decisões utilitárias se caracterizam por buscar o bem para o maior número de sujeitos envolvidos no dilema, mesmo que isso implique em causar prejuízo a alguns deles. Por exemplo, se apesar da morte de uma pessoa, salvamos duas. Em outro sentido, as decisões não utilitárias implicam que ninguém sairá prejudicado após o processo de avaliação.
«As pessoas costumam tomar decisões utilitárias em dilemas não morais; ao enfrentar dilemas pessoais ou impessoais, as decisões tendem a ser não utilitárias.
-Fernando Renee González-
Estresse: fator que relaciona a personalidade sombria e as decisões morais
A supersaturação emocional é um fator que impacta na hora de decidir sobre dilemas morais. Nesse sentido, quando surge algum estímulo do contexto superior à nossa capacidade de enfrentamento, surge o estresse.
É então que, sob condições de estresse, nossa capacidade de raciocinar e tomar decisões sobre dilemas morais sofre. Isso ocorre intensamente em situações morais conflitantes e em pessoas com traços sombrios de personalidade.
“O estresse inibe o controle cognitivo necessário para interromper as respostas emocionais e automáticas.”
-Fernando Renee González-
Alterações na cognição social
Em condições estressantes, pessoas com traços sombrios de personalidade apresentam déficits em sua cognição social. A cognição social refere-se à maneira como operamos, transformamos e processamos informações relacionadas a outras pessoas. De fato, uma das conclusões do estudo é que aqueles que possuem esses traços de personalidade tendem a tomar um maior número de decisões utilitárias, ou seja, para eles o fato de prejudicar os outros não é importante, se o benefício máximo for alcançado com isso.
Nesse sentido, os dilemas morais podem gerar altos níveis de supersaturação emocional, o que, por sua vez, gera estresse. Em pessoas sem essas características, o estresse emocional inibe a tomada de decisão moral utilitária. No entanto, pessoas com traços de personalidade sombrios têm um certo grau de insensibilidade a esse estresse emocional. Consequentemente, elas tendem a tomar decisões morais utilitárias.
Como mencionamos, para personalidades sombrias, os meios pelos quais o objetivo é alcançado são irrelevantes, desde que o objetivo seja alcançado. A ineficácia da empatia pode desempenhar um papel importante na insensibilidade emocional dessas pessoas, levando-as a se comportar de forma narcisista e maquiavélica quando é sugerido que para “ganhar” alguém tem que se machucar.
“A preferência pela tomada de decisão utilitária também pode surgir da diminuição da preocupação com a moralidade que às vezes é atribuída a pessoas com altos traços da tríade obscura”.
-Fernando Renee González-
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