Pessoas que sofrem em um mundo feliz

O panorama social que a Internet traça fala de uma sociedade comprometida, livre e feliz. No entanto, em vez de nos dar mais controle sobre a nossa imagem, nos coloca diante de miragens que nos confundem. Como e por que isso acontece?
Pessoas que sofrem em um mundo feliz
Sergio De Dios González

Escrito e verificado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Última atualização: 27 janeiro, 2023

A Internet não mudou apenas a forma como acessamos as informações; seu impacto vai muito além disso. Ela nos permitiu dar um salto quântico no controle da nossa imagem. Quando se trata de nos expor publicamente, temos a oportunidade de medir cada palavra, cada gesto. Porque na Internet também existem gestos, formas de aprovar, censurar, mostrar concordância e discordância sem ter que usar a linguagem. No entanto, pouco se fala sobre as pessoas que sofrem em um mundo feliz.

As redes sociais nos permitem criar nosso próprio mundo artificial. Podemos mentir sem que o outro tenha a oportunidade de perceber a nossa tentação de baixar o olhar.

O mal-estar pela dissonância diminui no curto prazo sabendo que não haverá conflitos que teremos que enfrentar, simplesmente porque ninguém nos colocará na frente deles. No nosso perfil não existem contradições, embora nós as vejamos, o que nos torna pessoas que sofrem num mundo feliz.

Menina chorando olhando para o celular

Por trás desse controle de exposição, vários problemas permanecem mascarados

Nessa encenação ditada, é difícil ajudar as pessoas que estão sofrendo. O presente fugaz engole o luto.

Temos consciência de que a tristeza constante pode nos afastar do nosso entorno, tornar-se um fardo. Sabemos que as pessoas tendem a acabar se afastando, a menos que existam motivações mais poderosas do que aquelas que nos fazem despender uma grande quantidade de energia. Tentar levantar alguém repetidamente é muito difícil e pode resultar em uma grande frustração.

Quem sofre sabe disso. Portanto, você não quer dar muito espaço à tristeza. Talvez uma pincelada, nada mais. Você sabe que imagens felizes e bucólicas acumulam mais “likes” do que imagens tristes e melancólicas.

Miragens do deserto

Todos nós procuramos informações (comparação social). Levantamos as cortinas para ver se chove e se temos que levar o guarda-chuva. Observamos o desempenho de nossos colegas de trabalho para ter uma ideia do que se espera de nós.

Aprendemos desde a mais tenra idade. Normalmente, os padrões são ditados como máximas. Nesse sentido, são os outros que, com o seu comportamento, nos dizem quais são mais ou menos importantes. Se nossos colegas de trabalho não costumam ser muito pontuais no escritório, vamos acabar deduzindo que temos uma margem nesse quesito.

Agora, imagine que o que você vê não é realmente o que acontece. Que seus colegas chegam na hora, mas ficam em espaços que você não conhece, trabalhando. Desse modo, não é incomum você acabar entendendo como flexível uma regra que, na realidade, não é. Esta é precisamente a miragem.

Talvez o exemplo seja um pouco estranho. Vamos dar outro mais comum que nos torna pessoas que sofrem em um mundo feliz. Com que frequência você vê nas redes sociais as fotos dos seus amigos em seu período de lazer? Pratos lindamente decorados, sol, pés na praia… Você não tem a sensação de que muitos passam a vida de férias?

Esse pensamento não é inócuo, pois muitas vezes nos faz sentir que temos muito pouco tempo livre, quando na realidade isso pode não ser verdade. Assim, o que é publicado pelo nosso meio pode afetar diretamente o nosso bem-estar ou mal-estar no trabalho.

Homem triste olhando para o celular

A superexigência das pessoas que sofrem em um mundo feliz

O mesmo acontece com o que exigimos de nós mesmos. O Mário acabou de dar a notícia de que foi premiado, a Lúcia compartilhou o último artigo científico que ela publicou, o Luís registra todos os dias o seu esforço para crescer no trabalho. Gostamos que os outros nos vejam como pessoas trabalhadoras, produtivas e bem-sucedidas.

Essa miragem pode envenenar as avaliações que fazemos dos marcos que alcançamos e a maneira como nos relacionamos com os erros que cometemos. Quantas fotos nossos amigos publicam com suas falhas? Quantos publicam que sua empresa os demitiu ou que estão procurando emprego há algum tempo?

Um estudo realizado por Mayra Pérez e Angélica Quiroga em 2019 mostra que o uso da Internet como ambiente social está associado à comparação ascendente entre os jovens. Ou seja, o uso da Internet pode distorcer a nossa perspectiva quanto, por exemplo, ao grau de habilidade que temos na realização de uma tarefa.

Isso pode ocorrer devido, pelo menos em parte, ao fato de termos muitos mais exemplos em que alguém mostra uma habilidade superior à nossa.

Esse desejo de perfeição inspirado no que vemos pode potencializar um sentimento que todos conhecemos na primeira pessoa: a realidade nos engole, nos oprime, nos torna minúsculos. Essa insatisfação vital muitas vezes acaba nos tornando pessoas que sofrem em um mundo (aparentemente) feliz.


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  • Pérez, M., & Quiroga-Garza, A. (2019). Uso compulsivo de sitios de redes sociales, sensación de soledad y comparación social en jóvenes. Redes. Revista hispana para el análisis de redes sociales, 30(1), 68-78.

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