A pitada de infelicidade naqueles que têm demais
No mundo atual, muitas pessoas pensam que boa parte dos seus problemas deriva de não terem mais do que aquilo que têm. Por isso, dedicam a maior parte das suas vidas a adquirir algo que supõem que irá fazê-los felizes. O problema é que, como este raciocínio é basicamente falso, nunca conseguem ter o suficiente para serem felizes. Na verdade, há uma pitada de infelicidade naqueles que têm demais.
O excesso, seja ele qual for, é vivido como um fardo. E como fardo que é, conduz a distorções e dificuldades para alcançar uma verdadeira qualidade de vida. Isto se aplica a tudo: o excesso de comida, de bebida, de bens, de beleza, de sucesso e assim por diante.
O desejo de ter mais e mais de algo não nasce de uma carência específica desse bem. Não é que falte mais álcool no corpo do alcoólatra, nem que o guloso compulsivo precise de mais proteínas. Muito menos ao milionário faz falta o dinheiro, porém isso não significa que essas pessoas não queiram mais. Em todos estes casos, o que acontece é que o verdadeiro desejo está mascarado, e por isso nunca chega a ser saciado.
A infelicidade dos que têm demais
Existe uma verdade que parece ser contraditória à primeira vista: a falta de bens materiais dá origem à infelicidade, mas possuí-los não é o começo da felicidade. Os seres humanos precisam de uma base material minimamente digna para se constituírem como pessoas, crescerem e evoluírem. Se carecemos desse mínimo, provavelmente iniciamos uma cadeia de carências que nos conduzem à injustiça e à falta de autonomia.
A extrema pobreza não permite o acesso à educação, aos serviços de saúde, aos bens culturais. Ela impede que possamos desfrutar dos bens da sociedade em condições de igualdade. Geralmente, também nos condena a uma vida precária e à infelicidade, que gira quase exclusivamente ao redor de garantir a sobrevivência.
No outro extremo estão os que têm demais, que teoricamente deveriam ser melhores pessoas, já que conseguiram tudo e até mesmo mais do que precisam. Sua facilidade de ingresso na educação, de poderem ter experiências mais gratificantes, e o próprio fato de saberem que são mais afortunadas do que a maioria dos seres humanos deveria se traduzir em um grau mais alto de felicidade nas suas vidas. No entanto, muitas dessas pessoas estão submergidas no contrário, ou seja, na infelicidade.
As pessoas que têm demais costumam ser problemáticas, exigentes e inconformistas. Elas são dominadas pelos caprichos. São assediadas pela insatisfação. Elas são egoístas e supérfluas, e até mesmo indiferentes em relação ao mundo. Normalmente também são cínicas. Isto não se aplica a todos os que estão nesta situação, mas trata-se de algo bastante comum.
Mais é menos e menos é mais?
No campo do desenvolvimento pessoal, o dinheiro é apenas um instrumento que está longe de ser o mais importante. Como foi referido anteriormente, todo ser humano deveria poder contar com um mínimo de condições que permitam o seu desenvolvimento e a sua inserção na cultura. No entanto, para além disso, o que acaba definindo o sucesso ou o fracasso de uma pessoa que nasceu em condições de pobreza é a sua capacidade para assumir as dificuldades de forma criativa.
Para os que têm demais, o assunto não é difícil, nem tampouco emocionante. Dificilmente se veem expostos a situações extremas, nas quais o ser deve prevalecer antes do ter. Muitas pessoas com dinheiro educam seus filhos no limite da austeridade. Ainda assim, o seu futuro é relativamente seguro, ao contrário de quem não tem nada e se debate todos os dias com a incerteza.
O resultado de tudo isto é que, na maioria dos casos, quem tem pouco desenvolve com maior vigor sua capacidade de resiliência. Essas pessoas aprendem a lidar com a frustração e conseguem valorizar aquilo que obtêm. Ao contrário, os que têm demais se perdem na experiência da vertigem. É verdade: eles vão sofrer muito menos em muitos aspectos; mas também vão ser, em geral, menos resistentes aos infortúnios do destino. Há uma pitada de infelicidade em todos os excessos.