Podemos confiar em nossa intuição?
Existe muito material para nos ajudar no planejamento na hora de resolver problemas, mas o que é isso que chamamos de intuição? É algo que transcende a razão. Se buscarmos no dicionário pelos termos relacionados às intuições, aparecerá a palavra “pressentir”. A definição que acompanha a palavra fala de intuir, adivinhar ou ter a impressão de que algo vai acontecer.
Sim, nós temos a capacidade de tomar decisões em questão de segundos e não errarmos. Portanto, parece impossível que um mecanismo que contribui de forma tão importante para a nossa sobrevivência seja governado pela sorte. Principalmente se levarmos em conta a quantidade de vezes que esse mecanismo acerta.
“Por meio da intuição venceremos a hostilidade aparentemente irredutível que separa nossa carne humana do metal dos motores”.
– Filippo Marinetti-
A fragilidade da intuição
Sabemos que nem sempre podemos confiar em nossas primeiras impressões. Todos nós guardamos na memória várias vezes nas quais confiamos nelas e elas acabaram falhando. Por outro lado, também sabemos que nossa intuição trabalha com heurística ou atalhos que, por seu caráter globalizado e generalista, passam longe de serem precisos.
“Provamos por meio da lógica, mas descobrimos por meio da intuição”.
-Henri Poincaré-
Por outro lado, a intuição sempre foi um mecanismo mais associado à mulher (por isso mesmo utilizamos na linguagem popular a expressão “intuição feminina”). Além disso, sempre pensou-se ser algo “mágico”: uma habilidade ou um dom. No entanto, embora a ciência não tenha podido explicar determinadas situações, nós sabemos que seu funcionamento tem uma explicação mais próxima e compreensível do que a mágica.
Os mecanismos de associação que temos em nosso cérebro, muitos deles rápidos e velozes, encontram-se na base da nossa intuição. São rápidos assim porque são capazes de trabalhar com uma grande quantidade de informação e porque, além disso, podem fazê-lo em um foco afastado da atenção da nossa consciência.
É possível influenciar os pensamentos rápidos?
A história de Abbie Conant, contada por Malcom Gladwell em seu livro “Inteligência Intuitiva”, não é só uma história de luta contra o machismo na música. Também é um reflexo de como é possível favorecer a intuição quando a razão se interpõe. Abbie tocava trombone – um instrumento historicamente masculino – na Itália, no ano de 1980. Enviou muitas solicitações para orquestras europeias e somente a Orquestra Filarmônica de Munique respondeu.
A audição foi feita detrás de uma cortina, porque um dos aspirantes era filho de uma pessoa conhecida pelos jurados. Abbie Conant interpretou o papel de concertino para trombone, de Ferdinand David , e errou em uma nota. Apesar de ter saído pessimista do teste, ela foi escolhida para fazer parte da orquestra.
“O intelecto confunde a intuição”.
– Piet Mondrian-
Os especialistas musicais reconheceram, em questão de segundos, a qualidade de uma interpretação. Após ouvir a peça tocada por Conant, tiveram tanta certeza que não quiseram ouvir mais nenhuma.
A maior surpresa para eles foi quando pediram que o trombonista escolhido saísse de trás das cortinas e uma mulher apareceu no palco. Uma mulher que, em suas mentes, não podia ter a capacidade necessária para tocar tal instrumento. Apesar de a terem contratado, a fizeram passar por inúmeros testes para finalmente chegar às cortes e ser reconhecida.
Esse é um exemplo de como podemos manipular o nosso entorno para deixar que a intuição flua. A cortina é o segredo nessa história. Ao anular parte do pensamento, sobrou unicamente a sensibilidade e a pureza. Sem a cortina, o valor de Abbie seria prejudicado por um dos ogros da intuição: o preconceito.
A importância de abrir espaço no caminho para intuições confiáveis
Apesar de tudo o que já dissemos, geralmente a intuição costuma ser confiável quando temos pouco tempo para tomar uma decisão.
Imagine que te oferecem uma mudança de departamento na empresa em que você trabalha e, além disso, dizem que é uma decisão que você precisa tomar com urgência porque precisam cobrir esse novo posto de trabalho. Nos casos em que não temos tempo para tomar uma decisão, confiar em nossa intuição é a opção mais adequada.
Também é um bom aliado nos processos nos quais há uma grande quantidade de informação. Tanto que é impossível colocá-la numa balança onde podemos igualar à razão. Nestes casos, a intuição, ao trabalhar numa parte afastada do foco das nossas emoções, tem um maior poder para nos dar uma solução a partir da quantidade de informação, sem saturar nosso sistema lógico.
A intuição não está livre de ser alterada por contextos culturais, preconceitos ou emoções descontroladas. Dito de outra maneira, pode fazer muitos truques. Por essa razão, podemos transformá-la em um recurso, mas nunca numa única solução. Há determinadas situações para as quais é melhor, tendo tempo suficiente, tomar uma decisão pensando conscientemente.
Finalmente, podemos concluir que podemos melhorar nosso processo intuitivo tentando identificar as associações rápidas com as quais a intuição trabalha, testando-as.
Podemos ver até que ponto os eleitores de determinado partido político se identificam com uma determinada característica, ou até que ponto os habitantes de determinado país seguem um costume que os identifica como tal.
Melhorar e esboçar esse tipo de associações vai fazer com que a nossa intuição trabalhe de forma mais eficiente, já que as associações rápidas com as quais vamos poder contar em nosso cérebro serão mais precisas.
“Viva não de acordo com os ideias recebidos, mas com vossas aspirações, com vossa intuição veemente.”
-Antonio Gala-