Propensão à fantasia e dissociação: como se relacionam?

Diante de um evento traumático, podemos desenvolver fenômenos dissociativos, tanto normais quanto patológicos. Mas quais são os elementos, fatores ou propriedades que fazem a diferença? Vamos te contar!
Propensão à fantasia e dissociação: como se relacionam?
Gorka Jiménez Pajares

Escrito e verificado por o psicólogo Gorka Jiménez Pajares.

Última atualização: 25 junho, 2023

A dissociação está intimamente ligada ao trauma. Para explicá-la, podemos fazer uso de uma metáfora. Imagine que você está em uma sala com um copo nas mãos e uma pessoa se aproxima de você. Essa pessoa o empurra e, como resultado, o vaso cai e quebra em mil pedaços.

Poderíamos analisar o seguinte: o copo representa a mente, enquanto a violência do empurrão da outra pessoa é um determinado evento traumático (como abuso sexual) e a dissociação é o resultado. Assim, um vidro inicialmente bonito, íntegro e funcional acaba quebrado, fragmentado e  inutilizável. Isso é dissociação.

A este respeito, há uma nova hipótese sobre a dissociação. Essa hipótese afirma que o fenômeno dissociativo teria um caráter dimensional. Ou seja, poderia ser organizado em uma “linha contínua” na qual os fenômenos normais de dissociação estariam localizados em um “polo saudável”, como a dissociação normativa; enquanto no pólo oposto ou “pólo patológico” estariam os distúrbios dissociativos, como a personalidade múltipla.

Agora cabe nos perguntar, o que faz um fenômeno normal tornar-se patológico? A resposta pode ser encontrada no termo “propensão à fantasia”. De fato, sabemos que um grande número de pessoas saudáveis, do ponto de vista mental, relatam ter tido experiências dissociativas (Parra, 2007).

“Nesse mundo de imaginação, a fantasia é livre e se opõe violentamente ao senso comum.”

-Mark Rohtko-

mulher com dissociação
As pessoas suscetíveis à sugestão hipnótica são mais vulneráveis à dissociação.

Uma abordagem ao conceito de dissociação

Dissociação é um termo que pode ser traduzido de várias maneiras, por exemplo, ‘separar’ ou ‘quebrar’ ou ‘desintegrar’. E agora poderíamos nos perguntar, o que separa? A resposta está longe de ser simples, mas poderíamos dizer que as seguintes estruturas mentais que constituem a “cola” da identidade de alguém são fragmentadas (Belloch, 2020):

  • A memória.
  • A percepção.
  • A personalidade.
  • As funções motoras.
  • O pensamento.
  • A consciência.

Assim, dependendo de quão desintegradas ou separadas estejam as estruturas que mencionamos, falaremos de patologia ou normalidade. De fato, na dissociação saudável, as experiências estão longe de serem vividas de forma fragmentada. Elas são percebidas como eventos que são integrados. Sua função é nos proteger dos acontecimentos da vida que podem nos prejudicar profundamente emocional e psicologicamente.

“A associação entre dissociação, fantasia e sugestionabilidade persistiu como fatores mediadores de dissociação e trauma.”

-Amparo Belloch-

A propensão à fantasia: um nexo com a dissociação patológica

Existem pessoas com uma capacidade imaginativa extraordinária. De fato, sabe-se que aqueles sujeitos mais suscetíveis à sugestão hipnótica são mais vulneráveis à dissociação. A capacidade de imaginar vividamente seus conteúdos está relacionada à percepção de experiências sensoriais que são vivenciadas como muito reais.

O modelo de propensão à fantasia de Lynn

Para Fonseca (2020), os transtornos dissociativos seriam o resultado de sequências de aprendizagem aprendidas por meios sociais. Como exemplos podemos citar:

  • Certas ações inconscientes do terapeuta. Por exemplo, por meio de perguntas do terapeuta que sugiram um evento traumático do passado. Podemos imaginar um terapeuta perguntando a seu paciente: “Andrés, seu pai abusou de você na infância, não foi?” No entanto, tal evento pode ser falso e o terapeuta pode estar favorecendo a implantação de uma memória errônea. Esse é um aspecto que justifica o fato de que o trauma deve ser explorado com muito cuidado.
  • O papel da indústria cinematográfica. Por exemplo, por meio de representações cinematográficas e televisivas de entidades clínicas dissociativas por meio de filmes e séries focadas em sujeitos com amnésia ou transtorno dissociativo de identidade.
  • Além disso, as expectativas socioculturais também seriam acrescentadas. Ou seja, o que as pessoas sem conhecimento de psicologia ou psiquiatria acreditam sobre os sintomas e características das pessoas com dissociação. Por exemplo: “pessoas com dissociação têm alterações dramáticas no que diz respeito ao sentimento” ou “dissociação é ter muitas identidades que são trocadas sem aviso prévio”.

«Houve um aumento passivo dos casos de dissociação na década de 1970, produto de um livro best-seller, ‘Sibyl’. Livro, que foi adaptado para o cinema.

-Steven Jay Lynn-

A propensão à fantasia é um conceito que engloba quase 4% da população mundial (Lynn, 2012). Essas pessoas são caracterizadas por se envolverem constantemente com a fantasia.

Graças à sua habilidade, elas são capazes de observar, ouvir e sentir cada elemento de sua mente. Além disso, como mencionamos, as pessoas altamente sugestionáveis são sujeitos que tendem facilmente a fantasiar e sonhar durante o dia.

“Do modelo de propensão à fantasia de Lynn, é hipotetizado que a influência da mídia e das expectativas socioculturais explicariam a sintomatologia dissociativa”.

-Eduardo Fonseca-

mulher pensando
4% da população experimenta uma propensão à fantasia.

Uma possível ligação com a tendência a alucinar

Poderíamos falar de um terceiro termo que estaria relacionado à propensão à fantasia e aos fenômenos dissociativos. Estamos a falar de « absorção », que significa «alto grau de envolvimento naquelas tarefas altamente imaginativas» (Parra, 2007). Para este autor, sujeitos com capacidade absortiva tendem a possuir habilidades imaginativas muito ricas e intensamente reais.

Por esta razão, é comum que experimentem uma perda de seu senso de “eu”. Ou seja, eles se perdem no mundo da fantasia. Um exemplo dissociativo normal seria a autoabsorção que ocorre quando assistimos a um filme. Não importa o que acontece ao nosso redor ou quem fala. A pessoa pode acabar sendo sugada pela fantasia da ficção cinematográfica. Nesse sentido, foram encontradas evidências que sustentam o fato de que pessoas com altos níveis de absorção correm o risco de sofrer alucinações (Berenbaum, 2000).

Como pudemos observar, a propensão à fantasia seria um fator chave. Assim, quando confrontados com o mesmo evento potencialmente traumático, pessoas com propensão à fantasia desenvolveriam com mais frequência fenômenos dissociativos patológicos. Além disso, se somarmos a isso uma alta capacidade de absorção, é provável que a pessoa também apresente sintomas psicóticos, como alucinações.

“Indivíduos com alta disposição para a absorção muitas vezes também tiveram alguma experiência traumática na infância.”

-Alejandro Parra-


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