Roma, um retrato cheio de detalhes

Roma é o retrato de uma família, uma memória de infância que busca recuperar a figura de uma empregada doméstica.
Roma, um retrato cheio de detalhes
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 05 novembro, 2022

Nos últimos anos, diversos prêmios da Academia foram parar nas mãos de três mexicanos: Guillermo del Toro, Alejandro González Iñárritu e Alfonso Cuarón. Três amigos, os três do México, os três com muitas histórias para contar… Público e crítica se renderam diante de seus talentos nos mais prestigiados festivais internacionais. Hoje, vamos falar especificamente sobre o filme Roma, de Alfonso Cuarón.

Estes três diretores estrangeiros, imigrantes, provenientes de um país onde o espiritual está muito presente em sua tradição, vêm sendo cada vez mais reconhecidos. Apesar de se adaptarem às novas demandas, ao novo e amplo mercado em que se movimentam com orçamentos muito altos, o México continua muito presente em suas trajetórias.

Roma é uma memória, é a infância de Cuarón narrada à distância, a partir da maturidade. Desprendendo-se de si mesmo e envolvendo-se na perspectiva de uma mulher que, de outra forma, seria invisível. Um filme em que o excepcional mal se destaca, em que o esquecido e o cotidiano são os protagonistas.

AVISO: O artigo pode conter spoilers.

Roma, uma experiência visual

Cuarón finca suas raízes em sua infância, na vida da família abastada em um ambiente conturbado, como o Massacre de Corpus Christi de 1971, para nos contar a história de uma personagem invisível, da empregada doméstica de origem mixteca.

Ele se perde nos detalhes; sua câmera para diante de coisas pequenas, como a água usada para lavar o chão, um avião cortando o céu ou as fezes do cachorro da casa.

A câmera se move com Cleo, a protagonista. Ela nos mostra suas emoções, sua rotina, a segue, a esconde, a acompanha o tempo todo. Através dos detalhes e dos movimentos da câmera, Cuarón nos descreve Cleo, narra sem dizer nada com palavras, as imagens falam por si e constroem um retrato realista.

Cada uma das imagens é carregada de infinitos significados. Por que se concentrar na água? Por que focar fezes de cães? Cuarón usa o contexto, o visual, todos os elementos que compõem a história, as coisas pequenas e insignificantes, dando-lhes um significado poderoso e profundo que nos dará as chaves para essa história. O invisível faz sentido, o invisível é agora o protagonista através do retrato de Cleo.

Os símbolos adquirem grande importância em Roma, explicam tudo que não pode ser dito em palavras. A água é sinônimo de vida, origem e princípio. Thales de Mileto afirmava na antiguidade que o arco é a água, ou seja, o começo de todas as coisas.

Por esse motivo, a água tem sido vista como um símbolo da vida, da maternidade, da imortalidade… está associada, por sua vez, à purificação, ao renascimento. É o que vemos em algumas religiões, como o cristianismo, no qual a água é fundamental no batismo.

Em Roma, a água já está presente desde o início, dando uma pista do trabalho de Cleo. Ao longo do filme, a água aparecerá de várias formas: como granizo, como a água do chuveiro, como gotas que caem das roupas penduradas… para terminar na imensidão do mar.

A água é um componente essencial nos seres humanos e também no nosso planeta. Acompanha Cleo durante o filme para finalmente submergi-la no oceano, salvando as crianças apesar de não saber nadar. Uma cena em que ocorre a catarse da personagem, a purificação e a evolução.

Outros elementos, como o fogo, os reflexos, a natureza e a relação de Cleo com a mesma são igualmente importantes e significativos. Mas, talvez, um dos que mais chamam a atenção seja o avião. Um avião que já vemos como reflexo na água nos créditos do filme, um avião que aparece em momentos fundamentais e que reaparece no final.

Esse avião nos é apresentado como o futuro da vida, como uma trajetória e, ao mesmo tempo, um voo, liberdade, e a aventura que contrasta com a vida cotidiana de Cleo.

Cena do filme 'Roma'

Resgatando os esquecidos

Cuarón vai do geral ao particular, está localizado em um ambiente conhecido, nos anos 70 no México e nos vários conflitos, mas sem se aprofundar neles. A profundidade está centrada em Cleo, mas também na própria família que nos apresenta, na separação dos pais e no papel que sua mãe deve adquirir.

O filme é apresentado como a própria vida; os conflitos, problemas e ações ocorrem inesperadamente, embora nos deixem pistas.

A imagem do pai aparece ligada à do carro; um carro grande, americano, que mal passa pela porta de sua casa e representa poder, dinheiro. No entanto, o pai sai para não voltar em um carro muito menor e nos dá uma cena que, a princípio, não entendemos muito bem, mas que fará sentido com o resultado do filme.

A mãe é outra grande protagonista, é a encarregada de se livrar do carro emblemático, de romper com seu passado, comprando um menor e mais prático. O abraço entre os pais é realmente significativo: enquanto a mãe está angustiada e o abraça como se não quisesse deixá-lo ir, o pai se mostra mais distante.

Por fim, é a própria mãe que nos revela que se separaram e, dessa forma, entendemos seu papel no filme, suas preocupações e sua ansiedade.

Roma nos envolve com um delicado e nostálgico preto e branco e nos dá a possibilidade de conhecer o povo mixteca ou, pelo menos, sua língua. O povo indígena, fielmente representado por Cleo, finalmente se destaca no cinema, finalmente é mostrado diante de nossos olhos como uma realidade que existe, vive, sofre e sorri.

Cleo, apesar de sua vida rotineira, também se apaixona, sofre um desgosto, e a acompanhamos em alguns dos momentos mais significativos de sua vida.

A cena do parto é realmente impressionante; conseguimos sentir a dor de Cleo e a culpa que a personagem sente e se manifesta no oceano. Cleo e sua companheira Adela são interpretadas por duas mulheres mixtecas sem experiência de atuação, mas que trazem um enorme realismo ao filme.

Cuarón se reconcilia com a sua infância, nos apresenta Cleo, inspirada na figura de Libo, que foi sua babá. Constrói um retrato perfeitamente narrado, nos submerge nos detalhes da vida cotidiana, nos move para as sensações e emoções de Cleo, seguindo-a por todos os espaços da casa, mostrando-nos os diferentes cômodos e as diferenças entre a vida da família abastada e da empregada.

Com tudo isso, consegue dar-lhe uma homenagem merecida, abraçar a diversidade de culturas, idiomas e pessoas que habitam o mesmo mundo.


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