Sex Education: quebrando tabus
As séries para adolescentes são aqueles típicos produtos que adoramos quando somos jovens e dos quais sentimos vergonha quando somos adultos. E a verdade é que inúmeros títulos poderiam ser incluídos nesta categoria, alguns com maior sucesso do que outros, mas não restam dúvidas de que se trata de um gênero infinitamente explorado. Os jovens consomem séries e as séries são feitas para eles, mas o tempo pesou sobre os temas e não há muito o que contar. Ou assim pensávamos, até a chegada da série britânica Sex Education.
O problema deste tipo de série é que ela se nutre de arquétipos que já foram explorados até demais: o garoto atleta, os populares, a garota bonita, o garoto gay, os nerds, etc. Os temas também não deixam muito para a imaginação: casos amorosos, problemas familiares, bullying… Nos anos 2000, talvez incluir um personagem gay pudesse ser algo novo, mas nos dias de hoje isso é mais do que previsível.
Sex Education também não foge dos arquétipos, mas oferece algo que, até agora, não tínhamos visto em uma série de adolescentes: a educação sexual. Devemos adicionar que a maioria das séries adolescentes tendem a cair no melodrama. Podemos lembrar, por exemplo, de Thirteen Reasons Why, cuja primeira temporada teve muito sucesso por abordar o assunto do suicídio, mas, no final, se tornou apenas mais uma série de drama adolescente.
Não é que as ideias não sejam boas, é que já sabemos que a adolescência é uma fase difícil e cheia de mudanças. Por que não rir um pouco de tudo isso? Por que não rir do nosso eu adolescente? Sex E ducation acerta não apenas em quebrar as regras, mas também em abordar a adolescência a partir de uma perspectiva mais humana e, é claro, cômica.
AVISO: Este artigo pode conter spoilers.
Sex Education: outro ponto de vista
A série britânica conquistou um bom número de espectadores desde a sua estréia em janeiro de 2019. Trata-se de uma série que cativa os adolescentes, mas também o público adulto. Longe de focar em enredos amorosos e em uma adolescência muito estereotipada, toma um rumo diferente e o resultado é uma série divertida, irônica e, ao mesmo tempo, educativa. O olhar crítico para a sociedade e, principalmente, para as questões da sexualidade também se manifestam em Sex Education .
A trama gira em torno de Otis (Asa Butterfield ), um adolescente que passa completamente despercebido em sua escola, sendo quase invisível. No entanto, Otis não se incomoda com sua invisibilidade, gosta de passar despercebido e prefere viver com tranquilidade. Esse não é o caso do seu melhor amigo, Eric, um jovem que quer se destacar e se tornar popular, mas que sofre bullying. Podemos ver Eric como o arquétipo do garoto gay cuja família – de origem africana – é muito tradicional e tem medo de revelar sua verdadeira identidade.
Mas Sex Education é responsável por romper com essa ideia, apresentando-nos a um pai que, apesar de seus valores, acabará aceitando e amando o filho como ele é. O interessante é ver como alguns personagens adultos bem posicionados na verdade não escapam do preconceito.
Vemos isso na própria mãe de Otis que, apesar de ser uma mulher independente e de mente aberta, é extremamente controladora com o filho. O mesmo vale para o diretor Groff que, embora tenha uma boa posição social e seja diretor de um colégio, deixa muito a desejar como pai.
Algo semelhante acontece com Jackson, o garoto popular e esportista. Jackson vem de uma rica família homoparental, o que nos levaria a pensar que, em casa, não existem problemas. No entanto, ele se encontra sob uma enorme pressão e é obrigado a competir e ser o melhor na natação.
Sex Education nos mostra que a adolescência não é fácil para ninguém e que, às vezes, os preconceitos pouco ou nada têm a ver com a nossa posição social ou origem.
No lado oposto encontramos Maeve, uma jovem que precisou amadurecer muito rápido e cedo. Ela vive em um trailer sem o apoio da família e, contra todas as probabilidades, é uma estudante brilhante. Claro, muitos desses personagens não escapam dos arquétipos, mas a verdade é que a abordagem é um pouco diferente.
Todos os adultos e todos os alunos possuem inseguranças e medos; eles usam máscaras para se proteger. Sex Education trata seus personagens com respeito, apresenta cada um com cuidado e detalhamento, nos ajudando a compreender a complexidade das suas realidades.
Vamos falar sobre sexo
Sim, os personagens são muito bem detalhados e quebram os estereótipos, mas o que é importante, o que é fundamental mesmo, é o sexo. Os jovens estão bem informados? Em uma época em que a informação está em nossas mãos, você pode pensar que todo adolescente sabe perfeitamente tudo o que há para saber sobre sexo. No entanto, Sex Education mostra o outro lado desta sociedade, o lado em que o sexo é idealizado e, por acreditarem que sabem de tudo, outras questões fundamentais são colocadas de lado.
Otis aprendeu tudo o que precisa saber graças à sua mãe – sexóloga de profissão. Com esses conhecimentos, ele ficará encarregado de se tornar o terapeuta sexual de seu colégio. As cenas de sexo são bastante explícitas e, ao mesmo tempo, cômicas.
Vemos adolescentes inseguros que aprenderam graças à internet, mas na vida real o sexo não é igual ao da tela. A primeira cena já é bastante reveladora: um jovem fingindo um orgasmo. Sim, é um homem, não uma mulher.
O cinema frequentemente apresenta cenas de mulheres fingindo orgasmos, como se só elas pudessem fazer isso. Quantos homens já vimos nesta situação? Provavelmente nenhum ou muito poucos. Essa cena de abertura já supõe um ato de rebelião, já diz logo que a série vai tratar de sexo sem restrições ou tabus.
Sex Education, como o próprio nome sugere, é uma aula de educação sexual, mas é ministrada a partir da ironia e da comédia. Mais do que educação, podemos falar de normalização ou tomada de consciência.
Adolescentes com hormônios disparados precisarão enfrentar seus medos e inseguranças, aprender a amar uns aos outros, mas também precisarão aprender a se divertir sozinhos e em casal. Vemos isso quando mostram uma jovem que nunca tinha se masturbado, deixando claro que ainda existe um certo tabu em relação à masturbação feminina. Ao fazer isso, a jovem passa a conhecer seu próprio corpo e, consequentemente, também aprende a ter prazer com o companheiro.
As consultas de Otis cobrem todos os tipos de questões, mas com um elo comum: quebrar o tabu e mostrar a realidade. Aquela ideia da primeira vez idílica e fascinante já ficou no passado. Por outro lado, a pornografia propôs um ideal difícil de alcançar e que está muito longe da realidade.
Se tomarmos qualquer uma dessas duas ideias como referência, o resultado provavelmente será catastrófico. Com isso, não queremos dizer que a pornografia não deva ser consumida, mas precisamos informar aos adolescentes que o que eles estão assistindo nada mais é do que ficção. Da mesma forma, a primeira vez pode ser bonita, mas o sexo também vai sendo aprendido com o tempo.
Sex Education mostra as diferentes preocupações desses jovens. Otis é um especialista em questões teóricas, mas é virgem e não consegue se masturbar. Por outro lado, encontramos personagens como Eric, que gosta de usar maquiagem, esmalte e roupas que muitas vezes associaríamos às mulheres.
Ao mesmo tempo, temos uma jovem obcecada por quadrinhos eróticos alienígenas, que está morrendo de vontade de perder a virgindade. A variedade de personagens é imensa, mas é uma amostra da pluralidade da realidade, das diferentes experiências que podem ocorrer em torno do sexo, principalmente na adolescência.
A adolescência é o momento do despertar sexual, desse primeiro “chamado” e das primeiras experiências. Conhecer nosso corpo e nossos gostos é essencial, mas na prática isso não é tão simples. Sex Education não deixa quase nada para trás. Cria encruzilhadas como cyberbullying, os perigos da Internet e do conteúdo que compartilhamos, fala de sororidade, dá visibilidade às questões de gênero e zomba de tudo. A série ousa até mesmo a falar de aborto, de um aborto normalizado e consciente.
Maeve é jovem demais para ser mãe, sua situação familiar e financeira é totalmente instável e ela não poderá garantir um futuro para o filho; portanto, ela decide abortar. Na porta da clínica, encontramos um casal protestando contra isso, mas eles vão acabar conversando com Otis e chegando a um entendimento. Claro que tanto o casal quanto Otis mantêm suas ideias e não vão mudá-las tão facilmente, mas a partir do respeito e do diálogo, conseguem sustentar um debate.
Da mesma forma, os papéis de gênero vão sendo eliminados. Eric quer ir assistir a Hedwig and the Angry Inch fantasiado, um musical que trata de questões de transexualidade e travestismo. Otis é seu melhor amigo e, embora seja heterossexual, não hesita em se fantasiar também, rompendo com o clichê de que se travestir é coisa de homossexual.
Sex Education é uma série totalmente necessária, com a qual podemos aprender sendo jovens ou adultos. O tom bem-humorado ajuda a prender a atenção do espectador e a quebrar o gelo em questões de sexo. Apesar de estarmos no século 21, o sexo ainda é, de certa forma, um tabu. Afinal de contas, sexo não é um assunto sobre o qual falamos diariamente, e não é fácil para muitos pais ou educadores ter uma conversa realmente construtiva.
Nem os adultos mais experientes sabem tudo sobre sexo, e não é fácil se colocar no lugar dos mais jovens. Por todas essas razões, a série se torna um programa particularmente divertido, que quebra as barreiras sociais e apela para a comunicação e a compreensão. Cada personagem vive sua sexualidade como pode, aprendendo e se descobrindo. Enfim, Sex Education abraça as pessoas, as diferenças, o riso e, acima de tudo, o diálogo.
“Você é quem você é. Não deixe ninguém lhe dizer o contrário “.
– Sex Education –