Sofrimento comparativo, " eu já passei por situações piores do que a sua"
Há quem, ao revisar e navegar pelas suas redes sociais, se depare com mais de uma história pessoal. Com o testemunho de quem fala dos seus problemas vitais, das suas tragédias ou das suas batalhas com a saúde mental. Ao ler essas histórias, essa pessoa pode pensar ” eu já passei por situações piores do que a sua e não as estou publicando”.
O ser humano tem um hábito curioso: medir o sofrimento alheio. Supõe-se que alguém que não teve nenhum encontro com a adversidade nada sabe sobre a existência humana. E acredita-se que quem teve a infelicidade de passar por infinitas vicissitudes adquire experiência e sabedoria imensuráveis.
A partir desse momento em que o sofrimento começa a ser classificado, o que se faz é negar a muitas pessoas a oportunidade de sentir sua dor. Isso é algo que, de uma forma ou de outra, sempre foi feito. No entanto, com o advento das redes sociais, essa tendência tornou-se mais visível. Vamos refletir sobre isso.
Os seres humanos têm todo o direito de processar e expressar seu sofrimento, independentemente do que os levou a essa situação. Cada experiência é única e particular. Comparar infortúnios e tristezas não tem sentido.
O que é sofrimento comparativo?
É provável que na infância e na adolescência tenhamos nos encontrado diversas vezes nessas situações. Às vezes, os adultos subestimam as decepções vividas pelos muito jovens em seus primeiros anos. Por exemplo, quando uma criança discute com seu melhor amigo, seu pai ou mãe lhe diz que isso não é nada. “Você vai fazer mais amigos!”
Quando o adolescente termina o primeiro amor, os adultos insistem que ainda têm muito pelo que viver. “Você terá mais namorados!” Porém, pare eles, esses primeiros infortúnios são o fim do mundo. Apenas lembre-se de algumas dessas experiências passadas.
O sofrimento comparativo define aquela tendência que nos faz ver e julgar os infortúnios dos outros pelo prisma de nossa própria experiência. Essa prática de classificar desconfortos e dar-lhes uma escala é tão negativa quanto prejudicial.
Não apenas invalidamos as realidades de outras pessoas, negando sua oportunidade de se expressar, mas também há quem se coloque como um juiz que dita quem tem o direito de reclamar e quem não tem. Quando a verdade é que no sofrimento, em qualquer uma de suas formas, o que se precisa é de empatia, não de julgamento de valor.
Todo ser humano merece sentir suas emoções de tristeza e angústia, não devemos vetá-las.
As consequências de anular o mal-estar do outro
No momento em que aplicamos o sofrimento comparativo a outra pessoa, estamos deslegitimando essa pessoa. Fazemos com que ela acredite, por exemplo, que sua vergonha, seus medos e suas ansiedades não são válidos porque (aparentemente) nós já passamos por coisas piores.
Invalidar a experiência emocional de alguém é invisibilizar sua história, suas necessidades e sua oportunidade de crescimento. Essa é uma forma óbvia de violência que deveríamos analisar como sociedade.
Um estudo da Wesleyan University destaca algo interessante. A história das emoções não só pode ser compreendida do ponto de vista psicobiológico ou neurológico, mas também é um fenômeno cultural. E, por vezes, o contexto que nos rodeia (família, escola, amigos) pode atuar como inibidor de emoções e sentimentos. É uma prática contraproducente profundamente enraizada na vida cotidiana.
A dor não é uma competição
A dor não é uma competição na qual alguém deve levar o primeiro prêmio. Também não é uma hierarquia para classificar o sofrimento em graus e níveis. No entanto, nossa sociedade tem uma obsessão quase irracional em rotular tudo e isso explica em grande parte o sofrimento comparativo.
Por outro lado, também não podemos excluir o fator de narcisismo ou egoísmo intrínseco. Há pessoas que gostam de enfatizar o quanto sofreram na vida e, embora isso não signifique que não seja assim, não lhes dá o direito de subestimar o infortúnio dos outros. Comparar infortúnio e dor é uma armadilha, um erro de fato que só pode ser resolvido pela empatia.
Muitos de nós fomos criados com a ideia de que nossas emoções não eram importantes. Isso pode significar que, na idade adulta, acabamos subestimando nossas tristezas e infortúnios, assumindo que “os outros passam por momentos piores”.
O caso inverso: quando somos nós que nos subestimamos
Como posso reclamar? dizemos a nós mesmos às vezes. Mas se há pessoas que estão passando por um momento pior! O sofrimento comparativo também se manifesta quando somos nós que depreciamos nossas experiências colocando-as à luz dos outros. Isso faz com que, por exemplo, digamos a nós mesmos coisas prejudiciais, como as seguintes:
“Sou ruim no meu trabalho, mas tenho que aguentar porque tem quem nem emprego tem.” “Sou infeliz e me odeio, mas não tenho o direito de reclamar porque minha melhor amiga acabou de perder o pai e está pior.”
Comparar nossas experiências com a vida de outras pessoas também pode ser uma forma muito perigosa de invalidação. Como nos diz a escritora Brené Brown, é uma forma de vetar nossa vulnerabilidade e, portanto, de enfrentar o que afeta nossa existência. Aquilo que não trazemos à luz permanece latente, intensificando o desconforto.
Lembremos sempre, dor é dor e não desaparece só porque tem gente que, aparentemente, passa pior. O sofrimento comparativo nos torna amargos e doentes. Tenhamos compaixão conosco e empatia com os outros. O desconforto e a tristeza não são uma competição, nem são dimensões que exigem juízo de valor. São feridas que exigem atenção e respeito.
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