Tempo: aproveite cada momento

O filme Tempo nos oferece uma reflexão sobre a efemeridade da vida, gerando um pouco de desconforto e desesperança no espectador.
Tempo: aproveite cada momento
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 05 janeiro, 2023

Shyamalan é um cineasta que costuma gerar polêmica, sendo amado ou odiado pelas pessoas. Superestimado para alguns, visionário para outros; a verdade é que ele não deixa ninguém indiferente. Tempo é um de seus longas-metragens no tom de um thriller fantástico que, mais uma vez, divide o público e a crítica.

Tempo nos leva a um enclave paradisíaco no qual várias famílias se preparam para passar férias agradáveis. Ao chegar ao hotel, um grupo de personagens será levado para uma praia secreta e privilegiada que acabará se tornando uma prisão natural, uma prisão onde o tempo passa mais rápido que o normal.

Rapidamente os personagens percebem que estão unidos por algo mais do que a escolha do mesmo destino para as férias, e que todos sofrem de alguma doença. O tempo se acelera e as consequências das patologias de cada um serão cada vez mais evidentes.

Incapazes de escapar, os personagens tentarão sobreviver e encontrar uma saída para a prisão da velhice, sabendo que em questão de minutos as suas vidas podem chegar ao fim.

Câmera: a grande protagonista

Talvez o grande erro de Shyamalan foi ficar conhecido pelo grande público com um filme tão aplaudido como O Sexto Sentido (1999). Ele começou com um padrão de qualidade tão alto que parece que todas as obras posteriores estão condenadas à sombra desta grande criação. De certa forma, apesar de seu sucesso, parece que ele cavou a própria cova e nada pode superar o filme estrelado por Bruce Willis e um pequeno Haley Joel Osment que “via gente morta”.

Se existe uma coisa indiscutível em relação Shyamalan, é grande habilidade que ele possui como contador de histórias. Isso pode ser desconcertante para muitos ou até mesmo um exercício um tanto narcisista.

Em Tempo, se destaca a capacidade deste cineasta em mostrar e ocultar informações essenciais. O filme se torna um exercício de imaginação, de ver além dos limites do que é mestrado em tele. E não há nada mais assustador do que a nossa própria imaginação.

Apesar de ambientar a sua trama em um cenário idílico e ao ar livre, Shyamalan se esforça em nos mostrar cenas claustrofóbicas, e o faz sufocando os personagens e encurralando-os com a câmera em planos quebrados bastante desconfortáveis.

Embora ele conduza o nosso olhar de forma inteligente, é verdade que às vezes o diretor se esquece de aproveitar um pouco mais os atores e se apoia demais na câmera, como se desejasse que esta fosse a protagonista.

Em uma era na qual o terror se concentra em mostrar vísceras e sangue, Tempo nos faz antecipar o momento gore, mas se afasta dele para que seja a imaginação do espectador quem reconstrói o que acontece fora do campo de visão.

A câmera se move através dos personagens com elegância, mudando o ponto de vista constantemente, brincando e nos enganando, assim como os personagens foram enganados em uma lindíssima armadilha mortal. Temos a sensação de que alguém está olhando de cima, mas nunca conseguimos enxergar além das rochas que circundam a praia.

De repente a natureza se torna incrivelmente hostil. As rochas parecem magnetizadas e impedem que os personagens voltem atrás; o mar parece ser a única saída, se anunciando ao mesmo tempo como uma armadilha mortal.

O sinistro é palpável no ambiente, envolve o cotidiano e colore com violência as férias inicialmente idílicas. O mais assustador, por outro lado, é a verdade mais triste: o tempo passa para todos.

Do fantástico ao racional

Tempo acontece em um plano real e conhecido que, no entanto, nos parecerá estranho. Os personagens pertencem ao mesmo mundo que o espectador e conhecem as leis da física, mas quando cruzam o limite do local entram em um mundo estranho no qual essas leis parecem funcionar de forma diferente, e seu envelhecimento se acelera de forma impressionante.

A morte, a doença e o desespero prendem os personagens em uma praia que poderia ser uma ilha, uma prisão.

Como mostrar essa natureza alterada? Shyamalan utiliza vários truques cinematográficos para transformar um ambiente familiar em um local incomum e sinistro. Nada é uma coincidência em Tempo ; nem o som, os tiros ou os movimentos da câmera.

Essa natureza hostil é palpável desde os primeiros passos dos personagens entre as rochas, o que nos lembra das façanhas dos primeiros livros de viagens que descreviam mundos mágicos cheios de sereias e seres extraordinários, mas também de filmes como Picnic at Hanging Rock (Piquenique na Pedra Suspensa em tradução livre) (Weir, 1975), na qual o mágico nunca aparece, e é a nossa própria natureza e os  acontecimentos fora do campo de visão que se encarregam de nos envolver em uma atmosfera mística e aterrorizante.

Da mesma forma, esta prisão natural nos convida a pensar em animais enjaulados. A todo momento os personagens se sentem observados de cima, uma sensação que a câmera é responsável por acentuar. Mesmo a recepção no hotel é um tanto inusitada e idílica demais para ser verdade, o espectador suspeita a todo o momento que algo estranho está acontecendo nesse lugar.

A devoção de Shyamalan a Hitchcock e Steven Spielberg é mais do que evidente. Ele se inspira no primeiro ao dosar o suspense, e não demoraremos muito para encontrar cenas que evoquem o paraíso artificial – além de perigoso – de Jurassic Park (Spielberg, 1993) ou o terror cotidiano e de verão do filme Tubarão (Spielberg, 1975).

Aliás essa natureza hostil esconde um debate muito mais interessante: a passagem do tempo na praia não é governada pelo acaso. O espectador está ciente em todos os momentos de que os personagens foram trazidos para lá deliberadamente e com um propósito.

Shyamalan esconde de nós as verdadeiras intenções do complexo turístico, mas nos deixa algumas pistas ao longo do filme – às vezes com explicações demais – que nos levam a fazer questionamentos éticos e científicos semelhantes aos que surgiram quando assistimos a Jurassic Park.

Homem assustado na praia.

Tempo: aproveite cada momento

Se existe uma mensagem latente em Tempo , nada mais é do que aproveitar o momento. A vida é curta e efêmera, e se algo é verdadeiro desde o momento em que nascemos é que, em algum momento, nós vamos morrer.

Shyamalan usa o mistério e o fantástico para fazer refletir sobre algo tão simples como a brevidade das nossas vidas e, portanto, é inútil discutir ou não enfrentar os conflitos que surgem no nosso dia a dia.

Se existe um elo de ligação em todas as obras é que todos os filmes desse diretor acabam por mergulhar nos problemas derivados da falta de comunicação; seja entre um casal, amigos ou mesmo através da não aceitação e verbalização de um trauma.

O medo da morte é universal: sabemos que a nossa passagem pela terra é momentânea, e que em algum momento nós deixaremos de existir. A família protagonista – e na verdade todos os personagens – apresentam conflitos internos ligados ao fato de não darem espaço ao problema em seus diálogos.

Vemos um casal que não comunicou aos filhos que a mãe está doente; um homem que apesar de saber da infidelidade da esposa se recusa a falar a respeito; uma mulher totalmente obcecada com sua aparência física, etc.

Em suma, uma radiografia de muitas sociedades contemporâneas. Uma série de personagens que, diante do terror, acabarão verbalizando suas inquietações e desejos e, de alguma forma, na prisão da praia elas acabarão se libertando dos seus fantasmas e pesadelos.

Se podemos culpar o cineasta por uma coisa, além dele não saber extrair o máximo dos seus atores, é uma certa falta de verossimilhança (ninguém vai acreditar na parte do caderno). Mas estamos em um universo fantástico e a maioria dos telespectadores não sofrerá muito para conceder esta licença poética.

Talvez oferecer mais espaço para interpretação sem tanta explicação tivesse sido um acerto; no entanto, o próprio Shyamalan nos lembra de que este é o filme dele, no qual ele está sempre presente e nos observa através das suas lentes, imitando, como sempre o seu referencial, o cineasta Hitchcock.

O tempo é relativo e não importa o quão rápido ou lento ele passe. Não importa se a vida dura 100 anos ou 2 dias, o importante é não deixar pontas soltas e superar os obstáculos que atrapalham ou empobrecem a comunicação. Esse é um exercício de coragem que vemos repetidamente no cinema de Shyamalan, a partir de perspectivas muito diferentes.


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