A traição, uma ferida superdimensionada

A traição é superdimensionada em muitas ocasiões, pois não levamos em conta que ela pode representar apenas uma contrariedade em relação a expectativas que nem sempre são suficientemente sensatas.
A traição, uma ferida superdimensionada
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 24 maio, 2020

Para boa parte das pessoas, a traição é um ato imperdoável que causa uma grande ferida e costuma deixar marcas profundas. Este tema se tornou quase um tabu. Após uma traição, não há nada mais a falar, porque tudo já está dito. Aparentemente, nada a justifica e nada a repara.

No entanto, esse posicionamento radical às vezes não nos deixa ver certas nuances que são importantes. Por exemplo, há situações em que classificamos como traição algo que na verdade não é.

Podemos vir a julgar com excessiva dureza algumas inconsistências dos outros que, na verdade, não nos fizeram tão mal além de quebrar algumas das nossas expectativas.

“Por mais fiel que alguém queira ser, nunca deixa de trair a singularidade do outro a quem se dirige.”
-Jacques Derrida-

É preciso ter frieza e maturidade para colocar a traição em seu verdadeiro lugar. É óbvio que não é agradável para ninguém se sentir confuso diante de um comportamento totalmente inesperado do outro.

Essa desilusão que ocorre, muitas vezes, está mais relacionada com nós mesmos do que com a forma de agir da outra pessoa.

Mulher triste por ter sido traída

O que é a traição?

Falamos de traição quando alguém deixa de cumprir com sua palavra ou não é fiel a um pacto previamente acordado. Etimologicamente, a palavra “traidor” vem do latim traditor ou traditoris, que significa ‘aquele que entrega alguém ao outro bando’.

Como se pode ver, trata-se de uma palavra que provém da tradição militar. Em sentido literal, seria algo como entregar alguém ao inimigo.

Na vida cotidiana, falamos de traição quando alguém que aparentemente está do nosso lado de repente diz algo ou age de forma que se coloca contra nós. Pensávamos que a pessoa estava do nosso lado e, de repente, vemos que não é o caso.

No entanto, esse “estar do nosso lado” às vezes é muito ambíguo, assim como a ideia de “estar contra nós”. Estar do nosso lado pode significar mil coisas, desde ser cúmplice dos nossos erros até respeitar a nossa integridade.

Do mesmo modo, estar contra nós é algo que pode ser amplamente entendido, variando desde denunciar nossos erros até tentar nos destruir, passando por não corresponder com as nossas expectativas.

Os pactos e a ferida da traição

Quando há um vínculo amoroso ou de amizade, é muito comum que os limites sejam confusos. Existem alguns pactos ou compromissos, mas raramente estes são explícitos. Basicamente, considera-se que se o vínculo for positivo, não haverá lugar para se machucar.

No entanto, como afirmamos antes, “fazer mal” é um tema um tanto quanto subjetivo. O caso mais típico é o da famosa “traição amorosa”. A pergunta nessa circunstância é: o pacto amoroso significa manter o sentimento independentemente de qualquer circunstância?

Talvez essa seja a intenção, mas é preciso ver que se trata de um objetivo muito difícil de atingir. Os sentimentos têm seus ciclos. Às vezes, podem ser transformados positivamente. Outras vezes, simplesmente se diluem ou se transformam em algo negativo.

Nesse terreno não há certezas, por mais que se garanta que sim. É possível manter o vínculo em nome de um compromisso, mas isso não significa que os sentimentos não tenham mudado.

Assim, uma pessoa pode se sentir decepcionada e traída quando os sentimentos do seu parceiro mudam. A pergunta que cabe aqui é se o problema está em quem, eventualmente, experimenta um sentimento de forma diferente e age de acordo com isso, ou em quem espera que isso nunca aconteça.

Mulher chorando após ser ferida por traição

Fatos e circunstâncias que envolvem a ferida da traição

Muitas pessoas garantem que são capazes de entender qualquer mudança nos sentimentos dos seus parceiros, sempre que eles forem sinceros e se expressarem a tempo. No entanto, a realidade mostra que raramente isso acontece.

Se um dos dois está apaixonado e o outro deixa de amar, para quem continua amando é muito difícil assimilar essa nova assimetria. A situação é ainda mais complicada quando há uma atração por uma terceira pessoa.

Por isso, não é raro que se esconda o que está acontecendo. A intenção real não é enganar, mas evitar os sentimento de culpa pelo mal que se causa ao outro ou pela tormenta que isso pode desencadear.

Claro que também existem os cínicos e manipuladores que se divertem brincando com os sentimentos dos outros, mas na verdade eles são uma minoria.

Pode ser muito benéfico tentar flexibilizar um pouco o nosso pensamento em relação ao tema da traição ou do que levianamente chamamos de traição. Nesse caso, as circunstâncias costumam ser mais importantes que os próprios fatos.

É possível que, por trás do que chamamos de traição, só exista um outro alguém que nem sempre está de acordo com o que esperamos ou desejamos.


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  • Núñez, F., Cantó-Milà, N., & Seebach, S. (2015). Confianza, mentira y traición: El papel de la confianza y sus sombras en las relaciones de pareja. Sociológica (México), 30(84), 117-142.


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