Trauma de abandono: as feridas da adoção

Qual é o impacto emocional de uma adoção? Por que é um processo que pode gerar feridas muito profundas? Neste artigo vamos tentar responder a estas e outras questões relacionadas com a adoção.
Trauma de abandono: as feridas da adoção
Elena Sanz

Escrito e verificado por a psicóloga Elena Sanz.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

A adoção é a alternativa escolhida por muitos pais e mães que não podem ter filhos biológicos. No entanto, ao tomar esta decisão nem sempre se tem plena consciência da responsabilidade associada. Criar um filho não é uma tarefa fácil; mas, neste caso, os pequenos também têm uma mochila emocional que deve ser compreendida, respeitada e acompanhada. Por isso, hoje queremos falar com você sobre as feridas da adoção.

É fundamental lembrar que, para ocorrer a adoção, a criança necessariamente teve que perder sua família de origem. Os motivos podem ser muito diversos: morte dos pais, intervenção dos serviços sociais, escolha dos próprios pais em abrir mão da guarda do menor…ou ele foi abandonado.

Embora possa parecer que o que aconteceu em tenra idade não é lembrado ou não afeta significativamente, a verdade é que sim. Mesmo um bebê adotado com apenas alguns meses de vida enfrentará uma série de desafios emocionais que seus pais adotivos devem estar preparados para aceitar.

menino triste
O processo de adoção envolve a criança enfrentando alguns desafios emocionais.

As feridas da adoção

Quando ouvimos falar de uma criança que foi adotada, tendemos a pensar que ela teve boa sorte, que sua nova família o salvou de uma situação horrível e que por isso ela se sentirá feliz e grata pela vida inteira. A verdade é que o processo é muito mais complexo e, além dessa idealização, a adoção pode abrir várias feridas.

Vínculo de apego e trauma de abandono

Esta é a principal consequência que atinge um filho adotivo: a ferida do abandono. O vínculo de apego, que se forma nos primeiros meses e anos de vida, é decisivo para a confiança e a saúde emocional do bebê. Nesses casos, é gerado um apego inseguro devido à separação da mãe e da família de origem.

Essa criança cresce internalizando a idéia de que não é digna de amor. Ela não confia em si mesma ou nos outros, e pode se tornar muito complacente ou, ao contrário, evasiva e temerosa. Além disso, qualquer pequeno sinal negativo do ambiente desencadeará aquela ferida primária, aquele medo de sofrer o abandono novamente, o que pode gerar comportamentos desadaptativos e grande desconforto.

Sensação de ser uma segunda escolha

Isso não acontece em todos os casos; mas, como dissemos, a adoção costuma ser a alternativa para pais que não podem ter filhos biológicos. Assim, para essa criança, ter esse conhecimento pode fazê-la sentir-se como uma segunda opção, como o “plano b” que tem que aceitar com resignação.

Obviamente, isso prejudica a autoestima e gera um autoconceito pobre e negativo. É uma lesão precoce que pode ser transportada por toda a vida se não for tratada.

Problemas de identidade

Esse tipo de conflito é mais comum na adolescência, período especialmente propenso à busca da própria identidade. Se esta tarefa é complexa para qualquer jovem, é muito mais para aqueles que foram “despossuídos” de suas raízes, desconhecem suas origens e história e têm dificuldade em se identificar com sua família adotiva.

Essa dificuldade aumenta notavelmente no caso das adoções internacionais e, sobretudo, das adoções transraciais (quando a criança é de raça ou origem étnica diferente da dos pais). Aqui a criança vive imersa em uma cultura que não é a do seu país (da qual ela pode desconhecer completamente) e cercada por pessoas com uma aparência completamente diferente.

Isso não apenas aumenta o risco de sofrer assédio ou racismo dos outros, mas também complica a construção dessa identidade.

Invalidação do ambiente

Por fim, uma das grandes feridas da adoção é a invalidação que essas crianças e adultos sofrem ao longo de suas vidas. Todo o ambiente, e geralmente também os pais adotivos, esperam que essas crianças sejam completamente gratas por terem sido adotadas, que ajam com dedicação para “retribuir” o que receberam.

No entanto, a adoção é complexa, há traumas e danos, e a adaptação pode ser muito difícil. Assim, é muito comum que surjam conflitos, problemas emocionais e comportamentais, é natural que a pessoa queira saber sobre suas origens e até mesmo procure sua família biológica. Mas quando isso acontece, elas são tachados de ingratas, egoístas e  problemáticas. Suas emoções não são compreendidas ou validadas.

Pai ignorando seu filho
As crianças adotadas muitas vezes têm problemas de identidade, além de receberem invalidação de seu ambiente.

Informação e conscientização para acompanhar as feridas da adoção

Em suma, qualquer adulto que deseje adotar deve fazê-lo com muita consciência e tendo sido informado com antecedência. Deve-se ter em mente que o objetivo da adoção é buscar o bem-estar de um menor abandonado, e não satisfazer o desejo de ser pai de um adulto.

Nessa perspectiva, pode-se compreender que as necessidades emocionais dessas crianças são específicas e exigem grandes doses de amor, compreensão, paciência e determinação por parte dos pais adotivos. O apoio psicológico pode ser muito positivo nestes casos para ajudar ambas as partes.


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