Três Anúncios Para Um Crime: a raiva contida na dor

Três Anúncios Para Um Crime: a raiva contida na dor
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

Três Anúncios para um Crime traz uma chocante reflexão cinematográfica sobre a raiva e o desespero contidos na dor. É a dor de uma mãe, Mildred Hayes, que cria três cartazes em sua cidade denunciando a passividade da polícia depois do estupro e do assassinato de sua filha. No entanto, essas mensagens, longe de serem respondidas com empatia pelos vizinhos, são recebidas com grande desconforto.

No começo deste ano, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood celebrou sua festa de gala, o Oscar, e muitos tinham claro que, apesar de todas as apostas e reconhecimentos previamente recebidos, Três Anúncios para um Crime não ganharia o prêmio de melhor filme.

“Através do amor vem a calma, e através da calma vem o pensamento. E às vezes você precisa descobrir as coisas, Jason. É tudo que você precisa. Você nem precisa de uma arma. E você definitivamente não precisa de ódio. Porque o ódio nunca resolve nada, mas a calma sim. Experimente. Experimente apenas para variar. ”
– Willoughby, “Três Anúncios para um Crime” –

Se esses três cartazes vermelhos colocados em uma cidade por uma mãe desesperada incomodaram a comunidade, o filme foi recebido com igual desconforto por muitos setores americanos. A história, para começar, acontece em uma cidade no Missouri, bem no coração dos Estados Unidos, o que evoca uma metáfora sutil, nada casual.

Ali, naquela paisagem ambígua, estamos localizados em um território aparentemente normal, onde aos poucos descobrimos como a justiça é contornada e como a violência é uma linguagem capaz de articular quase todo o espaço. Vemos isso nos policiais, que não hesitam em usar a tortura, vemos nos códigos de gênero, na passividade dos vizinhos que optam por desviar o olhar, e inclusive no humor negro, onde todos os personagens arrastam feridas, traumas diante dos quais a raiva é o único canal que lhes resta.

Três anúncios para um crime não é um filme confortável, é um retrato irado e indignado de uma mulher em busca de justiça. No entanto, também é muito mais, porque como toda fábula (embora seja ácida e com traços amargos), há uma transformação final. Porque a esperança é aquela pincelada que sempre deve sobreviver, mesmo na situação mais adversa e desesperadora.

Cena do filme 'Três Anúncios Para Um Crime'

Três Anúncios para um Crime, uma reflexão sobre a ira contida na dor

Poucas coisas podem ser mais devastadoras do que perder um filho. No entanto, o sofrimento se agrava ainda mais se essa perda vier como resultado de uma morte violenta, de um assassinato, de um estupro. Todos conhecemos algum caso, e talvez por esse motivo não seja difícil assumir o papel de Midred Hayes, aquela mulher com uma expressão desconfiada e atraída pela raiva, que continua à espera de respostas sete meses após a perda trágica de sua filha adolescente.

O mais impressionante de tudo isso é que, inicialmente, esta personagem deveria provocar em nós um certo incômodo pelo seu comportamento: é imprevisível, seus diálogos são cheios de repulsa e desprezo, e de fato, não hesita em usar a violência em mais de um ocasião. No entanto, Mildred Hayes é o motor emocional do filme e é impossível não ter empatia por ela, é inevitável entender cada gesto, cada movimento, cada ação tomada, por vezes, com extrema violência.

Estamos diante de uma personagem maravilhosamente interpretada por Frances McDormand, que instrumentaliza a raiva como uma resposta à impotência e à vulnerabilidade. Ela é, de certa forma, a encarnação dessa raiva que parte do amor e que não pode fazer outra coisa além de gritar, que externaliza seu desespero através de três cartazes, à espera de que surtam algum resultado.

Cena do filme 'Três Anúncios Para Um Crime'

O amor que nos transforma

O diretor de Três anúncios para um crime, Martin McDonagh, foi criticado na época por ser um dramaturgo anglo-irlandês que queria mostrar um retrato da região central dos EUA liderada pelo clichê simples: o racismo, a homofobia, ignorância, famílias disfuncionais, policiais violentos, uma população sem objetivos na vida, violência sexual, machismo

Ficar com o superficial, ficar com a mera crosta crítica que é desconfortável em muitas regiões dos Estados Unidos, seria perder a verdadeira grandeza contida neste filme. Cada personagem mostra em partes iguais a mesma capacidade de violência e de bondade mais indescritível. Aquelas pessoas que estávamos dispostas a odiar no início do filme fogem da nossa certeza para nos confundir, e mais tarde se transformar diante de nossos olhos em algo novo e esperançoso.

O virtuosismo psicológico no filme é imenso, porque, apesar da dureza da trama central com uma mãe denunciando a inação da polícia no caso de sua filha, há espaço para a comédia, para a amizade, e acima de tudo para uma carta esperançosa que fala de amor e que muda tudo.

Há uma mistura entre o absurdo e o transcendental que compõem um trabalho onde as emoções são sempre os verdadeiros protagonistas, os que dão verdadeiro significado a um cenário estranho onde seus personagens, apesar de estarem sempre em “chamas”, nos enfeitiçam.

Filme 'Três Anúncios Para Um Crime'

Para concluir, apesar de Três anúncios para um crime não ser baseado em nenhuma história real, seu argumento é tristemente familiar. É o simbolismo e a catarse de todas aquelas pessoas que perderam seus filhos e que ainda hoje não têm respostas, vivendo entre lacunas e com o silêncio de uma sociedade que já as deixou de lado. Esses cartazes são a nossa consciência, desconfortáveis ​​para muitos, e o único recurso para outros.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.