Em um cantinho da alma: o lugar secreto das lembranças

Em um cantinho da alma:  o lugar secreto das lembranças

Última atualização: 21 janeiro, 2016

Tomara, querido leitor, que você esteja lendo estas humildes palavras enquanto ouve a inconfundível voz do maestro Serrat e enquanto você se emociona, como eu agora, com as lembranças. As lembranças que cada um de nós temos e que aparecem de vez em quando para nos fazer chorar ou rir…

“As grandes loucuras deixam grandes lembranças…”
– Danns Vega –

“São aquelas pequenas coisas que um tempo de rosas deixou… em um canto, em um papel, ou uma gaveta”… essas lembranças maravilhosas que ninguém ou nada podem apagar; o sorriso da mamãe quando acalentava, o primeiro beijo, a primeira carta de amor, o primeiro desenho do nosso filho que corria feito um maluco para mostrá-lo à mamãe e ao papai…

Essas lembranças que ficam em nossa mente e que às vezes reaparecem como o maior dos tesouros, enquanto procurávamos em um canto, em um papel ou em uma gaveta.

É então que aparecem aquelas fotos de quando éramos crianças ou a carta amarelada daquele namorado. E acontece que as cartas ficaram tão para trás que estão apenas na nossa lembrança e nos museus… é fato.

A rosa seca entre as folhas de um livro que ainda nos lembra os nossos 20 anos e a inocência inconfundível do primeiro amor; o livro de receitas de cozinha feito com tanto esmero pela nossa avó e que ainda nos lembra o seu cozido e o seu biscoito, ou o diário que até então desconhecíamos e que aparece na nossa vida como um redemoinho disposto a nos desmanchar o coração.

Lembro uma vez que encontraram o começo do que seria um diário, o diário do meu avô. Infelizmente o que começou com tanto esmero não pôde ser finalizado. Acontece que a vida é assim.

Nunca cheguei a conhecer o meu avô, de modo que essas palavras escritas marcaram um antes e um depois…

Aquela tarde de lembranças

Quando começaram a ler os seus textos em voz alta, enquanto eu permanecia calada e absorvida como no melhor dos filmes, uma emoção interna tomou conta de mim e subitamente senti como se tivesse viajado em uma máquina do tempo, como se, de uma forma ou de outra, eu conhecesse o meu avô, esse homem já idoso que contava as andanças de quando era apenas uma criança com as mesmas palavras e a mesma vivacidade que tantas vezes contou à minha avó, sua querida companheira de vida.

Naquele momento senti que as palavras do meu avô ganhavam tanta força, que o sentia um pouquinho mais perto apesar de não conhecê-lo. Naquele momento era como se suas palavras quisessem que seus netos menores conhecessem o avô que nunca puderam desfrutar.

O relato era tão bonito que perdemos a noção do tempo e continuaram lendo e lendo… Suas travessuras na escola, sua relação com seus amigos queridos… até que em um momento fez-se silencio… apenas pudera escrever algumas tantas páginas do que seria o seu diário, não teve tempo para mais…

Foi então quando ganhamos consciência de que ele se foi muito cedo, e mesmo que não tenhamos podido desfrutar seus relatos sentados no seu colo, ao menos suas palavras ganharam voz naquela tarde única

A gente crê
que as mataram
o tempo e a ausência.
Mas o seu trem
vendeu a passagem
de ida e volta.

São aquelas pequenas coisas,
que nos deixou um tempo de rosas,
em um canto,
em um papel
ou em uma gaveta.

Como um ladrão
te esperam atrás
da porta.
Você fica totalmente
à sua mercê
como folhas mortas

que o vento arrasta lá ou cá,
que lhe sorriem tristes e
fazem que
choremos quando
ninguém nos vê.

– Joan Manuel Serrat –

E agora volto a ouvir esta música maravilhosa enquanto escrevo estas palavras e enquanto as releio, e entendo o grande poder que as lembranças têm sobre nós. 


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