A prevenção do suicídio
A prevenção do suicídio é possível? Podemos ser eficazes na sua previsão? Embora esta conduta, como todo comportamento humano, seja complexa e esteja cercada por muitas variáveis com pesos distintos, existem alguns indicadores que podem nos orientar na sua detecção e prevenção.
Algumas populações podem ser consideradas de risco e determinadas circunstâncias podem indicar fatores de risco, ou possíveis gatilhos de futuras condutas suicidas. Entre elas, destacam-se as enfermidades mentais, principalmente a depressão e a esquizofrenia. Os transtornos de personalidade, principalmente o transtorno limítrofe da personalidade, bem como o transtorno antissocial ou doenças físicas crônicas incapacitantes, provocam vulnerabilidade biológica e/ou psicológica.
A prevenção do suicídio sempre foi uma preocupação. Por isso, existem diferentes protocolos de atuação em quase todos os lugares do mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que cerca de um milhão de pessoas cometam suicídio no mundo todos os anos. Esta é uma das três principais causas de morte em adolescentes e jovens adultos, e a décima na população geral, tendo sua taxa aumentada em aproximadamente 60% nos últimos 50 anos.
“Abandonar a dor sem resistir, cometer suicídio para escapar dela, é deixar o campo de batalha sem ter lutado.”
-Napoleão I-
Como podemos focar na prevenção do suicídio?
A prevenção do suicídio pode ser focada em dois sentidos:
1) Estratégias para populações de alto risco, tais como casos psiquiátricos com antecedentes de comportamentos suicidas, transtornos afetivos, alcoolismo etc. Nestes casos, propõe-se:
- Otimizar o tratamento dos transtornos mentais e assegurar a integridade pessoal do paciente;
- Melhorar a continuidade assistencial e a coordenação sociossanitária em relação aos pacientes de alto risco suicida, uma vez que tenham recebido alta de alguma unidade de hospitalização psiquiátrica — principalmente sem interromper o contato terapêutico;
- Melhorar a formação psiquiátrica dos médicos de atenção primária para que possam oferecer atendimento precoce e tratamentos eficazes para pacientes afetados por transtornos mentais que aumentam a incidência de condutas suicidas.
2) Estratégias orientadas à população geral, como:
- Informar o público sobre as condutas suicidas: prevalência, fatores de risco, alterações de comportamento, etc.;
- Recomendações aos meios de comunicação para prevenir o efeito da imitação, principalmente entre os jovens;
- Psicoeducação em centros cívicos, escolares e de trabalho sobre a melhoria da qualidade de vida e promoção da saúde, aprendizagem de recursos ou estratégias de enfrentamento de estresse, habilidades sociais, etc.;
- Reestruturação da disponibilidade de meios para a realização do suicídio e medidas de segurança em lugares utilizados por suicidas;
- Informações e advertências sobre o consumo de álcool e outras drogas.
“Muitas vezes, conservar a vida é um valor”.
-Sêneca-
Crenças errôneas
A seguir, vamos observar uma série de crenças errôneas e influenciáveis que boa parte da sociedade ainda mantém:
Critério equivocado | Critério científico |
“A pessoa que quer se matar não diz isso” | De cada dez pessoas que cometem suicídio, nove dizem claramente qual é o seu propósito e a décima dá indícios das suas intenções. |
“A pessoa que diz, não faz” | Toda pessoa que se suicida expressou com palavras, ameaças, gestos ou mudanças de comportamento o que estava acontecendo. |
“As pessoas que tentaram suicídio não desejavam morrer, só fazer alarde” | Embora nem todas as pessoas que tentaram suicídio desejassem morrer, é um erro dizer que elas só queriam chamar a atenção. Os mecanismos úteis de adaptação falharam para essas pessoas e elas não conseguiram ver outra alternativa além de tentar tirar a própria vida. |
“Se ela quisesse se matar de verdade, teria se atirado na frente de um trem” | Toda pessoa com risco suicida encontra-se em uma situação ambivalente, ou seja, com desejo tanto de morrer quanto de viver. O método escolhido para o suicídio não reflete os desejos de morrer de quem o faz, e proporcionar outra opção de maior letalidade é considerado um crime de auxílio ao suicida (caso alguém ajude a pessoa a cometer), condenado pelo Código Penal Brasileiro no Artigo 122. |
“Quem se recupera de uma crise suicida não corre risco algum de recaída” | Quase metade das pessoas que atravessaram uma crise suicida e consumaram, de fato, o ato, fizeram isso durante os três primeiros meses após a crise emocional, quando todos pensavam que o perigo já havia passado. |
“A pessoa que tenta cometer suicídio levará esse perigo para a vida toda” | Entre 1% e 2% das pessoas que tentaram suicídio conseguiram logo no primeiro ano de tentativa, e entre 10% e 20% consumaram o ato em outro momento de suas vidas. Uma crise suicida dura horas, dias, raramente semanas, por isso é importante reconhecê-la para alcançar sua prevenção. |
“Toda pessoa que se suicida está deprimida” | Embora toda pessoa deprimida tenha a possibilidade de realizar uma tentativa de suicídio ou um suicídio de fato, nem todas sofrem desse transtorno. Pode ser que sofram de esquizofrenia, alcoolismo, transtorno de personalidade, etc. |
“Toda pessoa que se suicida é um doente mental” | As pessoas com enfermidades mentais se suicidam com maior frequência do que a população geral, mas não é necessariamente obrigatório sofrer de um transtorno mental para fazer isso. No entanto, não existem dúvidas de que toda pessoa com risco é uma pessoa que sofre emocionalmente. |
“O suicídio é herdado” | Não existe comprovação de que o suicídio seja herdado, embora seja possível encontrar vários membros de uma mesma família que tenham terminado suas vidas por meio de suicídios. Nestes casos, o que é verdadeiramente herdado é a predisposição a sofrer de uma determinada enfermidade mental na qual o suicídio é um sintoma importante, como, por exemplo, os transtornos afetivos e as esquizofrenias. |
O suicídio não pode ser prevenido porque ocorre por impulso | Toda pessoa, antes de cometer suicídio, mostra uma série de sintomas que foram definidos como síndrome pré-suicídio, consistindo em repressão de sentimentos e intelecto, inibição da agressividade, que não é mais direcionada a outras pessoas, mas para si mesma, e a existência de fantasias suicidas. Tudo isso pode ser devidamente detectado a tempo, impedindo que seus objetivos sejam executados. |
Ao falar sobre suicídio com uma pessoa em risco, é possível incitá-la a realizar o ato | Está comprovado que falar sobre o suicídio com uma pessoa em risco, em vez de incitar, provocar ou introduzir essa ideia em sua cabeça, na verdade reduz o perigo de realização e pode ser a única possibilidade de oferecer uma análise de seus propósitos autodestrutivos para a pessoa. |
Aproximar-se de uma pessoa em crise sem a devida preparação para isso, somente com o conhecimento geral, é prejudicial e perda de tempo comparado a uma abordagem mais adequada | Se o senso comum nos faz assumir uma postura de atenção e de escuta paciente, com desejos reais de ajudar a pessoa em crise a encontrar outras soluções que não sejam o suicídio, a prevenção terá sido iniciada. Portanto, é valido sim! |
Apenas os psiquiatras podem tomar medidas para prevenir o suicídio | É verdade que os psiquiatras são profissionais experientes na detecção do risco suicida e em como lidar com ele, porém, não são os únicos que podem preveni-lo. Qualquer pessoa interessada em auxiliar pessoas em situação de risco pode ser uma valiosa colaboradora em sua prevenção. |
“O suicídio é a pior espécie de assassinato, pois não deixa espaço para arrependimento.”
-John Churton Collins-
Onde buscar ajuda para a prevenção do suicídio?
Quando uma pessoa começa a ter ideias suicidas, ela pode buscar diversos recursos para obter ajuda:
- ABP: Associação Brasileira de Psiquiatria;
- Centros da saúde: Atenção primária e CAPS – Centro de Atenção Psicossocial;
- Cartilha “Suicídio: informando para prevenir”, uma parceria entre o Conselho Federal de Medicina – CFM e a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP.
Outras organizações úteis:
- Rede Brasileira de Prevenção ao Suicídio;
- Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídios;
- Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio;
- CVV – Centro de Valorização da Vida: rede de apoio emocional e prevenção do suicídio que presta atendimento voluntário e gratuito a todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.
- Profissional de saúde.
Estes recursos possuem um valor incalculável, mas não adiantam muito se não chegarem a quem, de fato, está em risco. Por isso, todos nós, enquanto sociedade, possuímos o papel fundamental de comunicar e promover ajuda.
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- Mingote, Adán, José Carlos, et al. Suicidio: asistencia clínica, Ediciones Díaz de Santos, 2004.
- Pérez, Barrero, Sergio, and Plaza, Jesús Guerra. Prevención del suicidio: consideraciones para la sociedad y técnicas para emergencias, Servicio Editorial de la Universidad del País Vasco, 2016.