A sociedade do desempenho: somos escravos da produtividade?

Ser produtivo, autoexigente e ambicioso pode nos deixar doentes. Descubra como viver na sociedade do desempenho nos afeta.
A sociedade do desempenho: somos escravos da produtividade?
Elena Sanz

Escrito e verificado por a psicóloga Elena Sanz.

Última atualização: 27 abril, 2024

Quantas vezes você sente que não teve um momento para descansar no final do dia? O dia termina e, apesar de estar em constante movimento, você sente que não foi suficiente, que não conseguiu fazer tudo.

A autoexigência está sempre presente em sua mente. Você acha que deveria ser melhor, que deveria se esforçar mais, que não se esforça o suficiente. Isso aconteceu com você? Isso porque vivemos imersos na sociedade do desempenho.

Esse é um conceito proposto por Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano especialista em estudos culturais. Sendo uma das principais figuras da filosofia contemporânea, ele expõe e critica como hoje somos escravos de nosso próprio ego e vítimas de auto-exploração. Em sua obra, A sociedade do cansaço, ele aborda os fatores culturais que dão origem a esse mal tão típico de nossa época. E hoje, queremos falar com você sobre isso.

garota estressada
Atualmente, a autoexigência nos impede de nos divertir porque estamos mais focados em produzir do que em descansar.

O que é a sociedade do desempenho?

Esse é o termo usado para descrever a maneira como vivemos nas sociedades modernas. Numa época em que não há mais pressões externas que nos escravizam e aparentemente estamos livres para alcançar a autorrealização.

Não somos mais oprimidos por forças externas a nós, não somos limitados ou explorados no trabalho. Experimentamos grandes avanços científicos e técnicos e ganhamos direitos. E, no entanto, essa suposta liberdade é apenas uma ilusão, porque agora somos nós mesmos que nos estabelecemos padrões inatingíveis que nos frustram e nos esgotam.

Não é uma situação particular, mas um fenômeno coletivo. De forma sutil e quase imperceptível, a sociedade, a mídia, as empresas, a forma como o meio ambiente e a cultura são construídos nos levam a exigir cada vez mais de nós mesmos, a desistir, a progredir e a correr incansavelmente atrás desse ideal que, embora autoimposto, sufoca e esgota nossos recursos.

Para entender melhor como funciona essa sociedade do desempenho, podemos observar diversos fatores e dinâmicas que a alimentam:

Positivismo tóxica

Nos últimos tempos, a positividade está na moda e nem sempre é bem compreendida. Claro que uma atitude otimista é uma força que favorece a saúde e o bem-estar, mas não podemos cair no erro de nos tornarmos vítimas desse conceito.

Insistem-nos que tudo é possível, que tudo está nas nossas mãos, que somos capazes (e devemos) sentir-nos sempre bem e alcançar os nossos objetivos. E isso pode ser desgastante.

Comparação com outros

Da mesma forma, estamos em uma comparação constante alimentada em grande parte pelas redes sociais. Vivemos olhando para os outros em vez de olhar para o nosso próprio progresso. E, muitas vezes, essas vidas que tomamos como modelo são falsas ou apenas parcialmente mostradas.

Assim, enquanto esses outros aparentam ser a perfeição, a produtividade e o sucesso que tanto exigimos de nós mesmos e que não alcançamos, nos sentimos extremamente inferiores e frustrados. Nós nos punimos mentalmente por não corresponder a esses resultados.

A aparente liberdade

A base de tudo o que foi dito acima é a ideia subjacente de que somos livres e que cabe a nós buscar a realização pessoal. Nos disseram que podemos ser o que quisermos, que não há nada fora do nosso alcance. E, pela mesma razão, estabelecemos padrões irrealistas para nós mesmos e nos esforçamos até a exaustão para alcançá-los.

Se não forem cumpridos, e como aparentemente somos os únicos envolvidos e responsáveis pelo nosso bem-estar, sentimo-nos totalmente fracassados. E é que sim, aparentemente podemos exercer total autonomia, não há ninguém de fora para nos pressionar, mas nos tornamos nossos juízes e capatazes mais duros, punindo-nos com reprovações e automutilações.

Produtividade como sinônimo de valor pessoal

Essa sociedade de desempenho também é alimentada e sustentada pela crença de que “fazer mais” é sempre melhor. A maioria de nós mantém as agendas repletas de atividades e cada segundo do dia é dedicado a trabalhar em direção a uma meta, seja profissional ou pessoal.

Descanso, silêncio, tédio e reflexão não têm lugar em nossa rotina e até nos sentimos culpados por nos mantermos ociosos. De alguma forma, sentimos que ser produtivo é o que nos torna valiosos e, portanto, não podemos parar.

Consumismo

Por fim, o consumismo nos é apresentado como a via de escape dessa rotina exaustiva e como o prêmio pela nossa produtividade. Mas gera um círculo vicioso que não nos permite avançar, pois tudo o que é gerado é desperdiçado e nos encontramos de volta ao ponto de partida: ter que desistir, trabalhar e produzir mais para poder sustentar esse estilo de vida pouco saudável.

Mulher fazendo compras em uma loja online
O consumismo se instalou como via de fuga, mas ao mesmo tempo é uma armadilha que nos prende à dinâmica da produtividade.

Descansar para sair da sociedade do desempenho

Embora tenhamos normalizado esse modo de vida, a verdade é que é muito prejudicial para nós. Estresse constante, nervosismo e hiperatividade nos esgotam, geram ansiedade e depressão e nos levam a um estado de burnout e de falta de motivação.

Nossa saúde se deteriora, nosso humor piora e os relacionamentos também sofrem. E é que estamos tão focados em nós mesmos, em fazer, em progredir, em competir, que acabamos sofrendo de isolamento.

Mas o que podemos fazer sobre isso? Bem, a chave pode ser encontrada em começar a valorizar e priorizar o descanso e nos desapegar desses padrões de desempenho autoimpostos. Para fazer isso, podemos fazer pequenas alterações, como:

  • Permitir-nos sentir o amplo leque existente de emoções humanas, sem rejeitar ou negar aquelas que nos incomodam. Pare de recorrer a “fazer para não sentir”.
  • Reduzir a autoexigência e estabelecer metas e padrões realistas para nós mesmos que não nos sufoquem.
  • Comparar-nos com nossas versões anteriores e olhar para o progresso individual em vez de nos compararmos com os outros.
  • Desacelerar e aprenda a viver no presente, desfrutando calmamente de cada atividade e de cada pessoa. Praticar mindfulness como um estilo de vida.
  • Priorizar o silêncio e o descanso na rotina diária. Pare de perceber esses espaços como algo negativo e, ao contrário, entenda que o tédio e a reflexão são necessários para que a criatividade e o bem-estar floresçam.
  • Aprender a apreciar o processo e não o resultado. Isso significa ser flexível e gentil consigo mesmo, aceitando contratempos e frustrações como uma parte natural da jornada e não nos punir ou desanimar por eles.

Em suma, a sociedade do desempenho que nos foi imposta esgota-nos física, mental e espiritualmente, sendo importante tomar consciência e desligar-nos desse ritmo frenético. Não valemos pelo que produzimos ou pelo quanto rendemos, e temos o direito de descansar, curtir e nos conectar com os outros. A vida não deve ser uma corrida implacável para o sucesso, mas um caminho agradável para trilhar em nosso próprio ritmo.


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