Adeus a Quino, o inesquecível pai da Mafalda

A despedida de Quino deixou o mundo um pouco mais triste. Porém, o legado daquela menina argentina rebelde e de franja grossa é um despertar de consciência. Ela sempre será lembrada por nos dar lições valiosas sobre a vida e a liberdade.
Adeus a Quino, o inesquecível pai da Mafalda
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

Quando Quino criou Mafalda, em 1964, os outros cartunistas recomendaram que ele não se concentrasse apenas em uma personagem. Poderia ser um trabalho escravo e limitaria seu potencial artístico. Porém, aquela garota irreverente conquistou o mundo e seu pai demorou mais alguns anos para se despedir dela.

Como costuma acontecer nos casos em que um personagem adquire um significado cultural tão poderoso, é quase impossível separar o criador da sua criatura. O mesmo aconteceu, por exemplo, com Arthur Conan Doyle, pai de Sherlock Holmes. Joaquín Salvador Lavado Tejón, conhecido pelo pseudônimo de Quino, também nunca conseguiu se livrar de Mafalda.

Assim, apesar de tê-la deixado para sempre em 1973, após ter desenhado cerca de 1928 tirinhas contando suas aventuras e dando vazão às suas ideias sobre os poderosos e os oprimidos, a sombra da sua criaturinha o perseguiu para sempre. Porque, quase sem saber, este argentino de excepcional olhar crítico dera ao mundo uma das figuras culturais mais transcendentes

Caneca com Mafalda desenhada

Adeus a Quino, um cartunista e humorista gráfico inesquecível

Joaquín Salvador Lavado, conhecido como Quino, nos surpreendeu no dia 30 de setembro de 2020 com seu falecimento aos 88 anos. O mundo do humor gráfico, da cultura e da crítica social ficou mais órfão após a sua morte.

Apesar disso, como sempre acontece com quem consegue entrar na memória coletiva de várias gerações, nunca se morre por completo. No final do dia, a verdadeira morte vem com o esquecimento, e tanto o próprio Quino quanto sua filha rebelde continuarão a viver entre nós de infinitas maneiras.

Mafalda será como Peter Pan, uma criatura que nunca vai crescer, que vai continuar sendo uma criança para nos dar lições de sabedoria, liberdade e reflexão para sempre. Porque apesar da sua última história em quadrinhos ter aparecido no início dos anos 70, seu humor ainda é raivosamente atual.

Quem foi Joaquín Salvador Lavado Tejón (Quino)?

Joaquín Salvador Lavado nasceu em Guaymallén, Argentina, em 1932. Seus pais eram espanhóis e decidiram chamá-lo de Quino desde muito jovem para diferenciá-lo do seu tio, o ilustrador Joaquín. Aliás, foi ele quem o fez desejar a mesma carreira profissional.

Ele estudou na Escola de Belas Artes de Mendoza. Com pouco mais de 17 anos, já tinha perdido os pais, e foi então que decidiu abandonar os estudos e tentar a sorte no que mais gostava: as histórias em quadrinhos.

A partir de 1954 ele passou a colaborar em diversas revistas, e inclusive em diversos veículos de publicidade, como cartunista. Porém, foi a partir de 1963 que sua vida deu uma guinada. Isso ocorreu depois de ser contratado pela Agens Publicidad para divulgar a marca de eletrodomésticos Mansfield. Ele foi convidado a criar uma história em quadrinhos Peanuts, com um garoto como protagonista, cujo nome começava com “M”.

Porém, eles não gostaram da proposta que Quino lhes apresentou. Quem gostou foi Joaquín Delgado, diretor da revista Primera Plana. Quino, simpatizante do movimento feminista, decidiu que a protagonista dessas tiras deveria ser uma menina.

Mas aquela garota que ele criou em sua mente era um pouco peculiar. Ela era uma garotinha imprudente e contestadora que morava com os pais em um apartamento em Buenos Aires. Não era rica nem pobre, era fascinada por livros, tinha um rádio para ouvir os Beatles e as notícias e, além disso, tinha um globo da Terra…

Que lições Quino nos deixou através de Mafalda?

Quino usou a figura de uma menina argentina como qualquer outra da época para lhe dar voz e pensamento de adulto. De alguma forma, seguiu a mesma linha das tiras Peanuts com Charlie Brown e Snoopy. Possivelmente, ele mesmo nunca previu o sucesso que aquela criatura original nascida em 1964 lhe traria.

Mafalda se tornou a garota mais popular da América Latina, e não demorou muito para colher o mesmo sucesso na Europa. A razão disso se explica pelo fato de que a voz crítica desta personagem, aparentemente tão arraigada na cultura argentina, falava de fatos que, na verdade, eram universais e também atemporais.

Não importa de onde somos ou em que época estamos, as palavras da Mafalda sempre ressoam, sempre nos fazem sorrir e pensar.

Estes são apenas alguns exemplos.

Acontece que, se você não tem pressa em mudar o mundo, então é o mundo que muda você”

Com essa ideia, Quino nos faz refletir sobre algo que nunca para de acontecer. Não importa a hora, não importa o momento. Sempre se sonha em empreender, em criar algo novo, em transformar a sociedade e deixar para trás modelos antigos. Porém, no final das contas, chega um momento em que nos deixamos levar pelo fluxo e acabamos caindo nos mesmos modelos desatualizados, quase sem perceber…

Como sempre, o urgente nunca deixa tempo para o importante”

Frase inesquecível da Mafalda. Não importa que a personagem de Quino já tenha mais de 50 anos… Seu raciocínio é aplicável agora mais do que nunca. Somos aquela sociedade doente e apressada, alinhada pelo imediatismo que não dá mais espaço nem tem tempo para o que é realmente importante…

Mafalda pensativa

Comece o dia com um sorriso e verá como é divertido sair por aí destonando de todo mundo”

Malfalda era contestadora, engenhosa, rebelde, defensora da liberdade e, acima de tudo, extraordinária. Esta foi, sem dúvida, uma das suas mensagens mais míticas… Num mundo de rostos sérios, numa cena social marcada por perpétuas inquietações e meditações, e se desafiarmos a todos com um grande sorriso?

Para concluir, Quino talvez tenha nos deixado em suas tiras um arquétipo social de inconformismo que todos devemos integrar em nós mesmos. Adquirir uma visão crítica das coisas é uma forma excepcional de reavaliar a nossa realidade, de transformá-la e torná-la melhor… Hoje nos despedimos de um dos cartunistas mais queridos da nossa cultura, mas a verdade é que o seu trabalho e a sua menina talentosa sempre estarão conosco.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.