Fernando Pessoa, a biografia de um escritor múltiplo

Fernando Pessoa foi, talvez, um dos escritores mais importantes da literatura portuguesa, e um autor muito influente na modernidade. Foi um dos que introduziram o movimento de vanguarda em seu país e nos proporcionou a criação dos heterônimos, a identidade literária que marcou a sua obra.
Fernando Pessoa, a biografia de um escritor múltiplo
María Alejandra Castro Arbeláez

Escrito e verificado por a psicóloga María Alejandra Castro Arbeláez.

Última atualização: 27 janeiro, 2023

Os escritores criam a história por meio de palavras. Cada texto nos leva a lugares únicos, a momentos inesperados e a sensações muitas vezes indescritíveis. Hoje vamos falar sobre a biografia de Fernando Pessoa, que não ficou muito atrás nesta tarefa. Com os seus textos, ele nos levou a conhecer o múltiplo na escrita.

Este escritor foi um dos pioneiros da vanguarda, e sua obra teve grande repercussão na escrita. Na verdade, marcou um antes e um depois, além de abrir caminho para explorar novas formas.

Pessoa retratou aspectos inerentes à humanidade em seus poemas e textos. No entanto, ele fazia isso a partir de vários olhares, chegando até a parecer uma pessoa diferente em cada forma de escrita. Incrível, não é mesmo?

“Coloque tudo que você é no mínimo que você fizer”.
-Fernando Pessoa-

Uma breve biografia de Fernando Pessoa

Fernando Antonio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, em Portugal, no dia 13 de junho de 1888 às 15:20 da tarde, no quarto andar da casa número 4 da Plaza San Carlos; era o dia de San Antonio de Lisboa.

A partir dos 5 anos, a paixão pela leitura começou a despertar nele. Ele foi fortemente influenciado por sua mãe, que gostava de escrever textos, e por seu pai, que era redator de um jornal. Também foi influenciado por sua tia paterna María Xavier, que era uma poetisa.

Nessa mesma idade, sofreu uma grande perda: seu pai morreu de tuberculose. Apenas um ano depois, o mesmo aconteceria com seu irmão Jorge. No entanto, o próprio Pessoa diz não ter sentido muito essas perdas.

Fernando Pessoa

Durante alguns anos da sua infância, viveu com a sua avó paterna Dionísia, que sofria de um transtorno mental e, como consequência, foi internada em vários manicômios portugueses, como o de Rihalfoles. No entanto, não se sabe exatamente qual foi o seu diagnóstico. Em 1985, a mãe de Pessoa casou-se novamente com o cônsul português em Durban. Por esta razão, a família mudou-se para a África do Sul, onde Pessoa permaneceu pelo resto da sua infância.

Mais tarde, voltaram a Portugal e Pessoa decidiu ficar com a avó. Inscreveu-se em vários cursos relacionados a letras, embora os fosse abandonando. Seis anos depois, Dionísia faleceu e, a partir daí, Pessoa resolveu instalar uma tipografia na casa que herdou.

Nesse momento, começou a escrever, a criticar e a traduzir para várias revistas. Em 1912, lançou-se pela primeira vez como escritor. Ele fez isso na revista Orpheu, que respondia à vanguarda internacional e na qual colaboravam vários escritores ligados a Pessoa, como Sá Carneiro, Guilherme Santa Rita, Almada Negreiros e Álvaro de Campos. Além disso, após a segunda edição da revista, foi publicado um dos poemas mais escandalosos de Álvaro de Campos: La oda a Walt Whitman.

Em 1915, Sá Carneiro, amigo íntimo de Pessoa, se suicidou. Este episódio e o acidente vascular cerebral de Maria Madalena foram, para Pessoa, alguns dos piores momentos da sua vida. Pessoa tinha planos de continuar com a revista e lançar o próximo número, mas, infelizmente, não chegou a fazer isso.

Um ano depois, o poeta decidiu se estabelecer como astrólogo. Embora possa parecer estranho, na verdade era comum que muitos escritores publicassem em jornais e que, por vezes, se envolvessem em atividades como a astrologia. Quatro anos depois, apaixonou-se por Ofelia Quiroz, uma trabalhadora de comércio a quem escreveu alguns poemas e cartas.

Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935, aos 47 anos de idade, em consequência de uma cirrose hepática. Alguns de seus heterônimos foram colocados em seu túmulo como um sinal da sua pluralidade.

Os heterônimos

O que entendemos por heterônimos? Segundo o dicionário da Real Academia Espanhola: “identidade literária fictícia, criada por um autor, que lhe atribui uma biografia e personalidade particulares”. Esta criação ligada a Pessoa surge como uma necessidade de ser plural. Graças à exploração de outros mundos e sensações, podemos saber o que há neles.

Não se trata de um personagem fictício ou um pseudônimo, não é um personagem, nem o autor se escondendo sob outra assinatura. Ao ler textos de heterônimos diferentes, é possível perceber diferenças tanto nas características de personalidade de cada um quanto na forma de escrita e movimento literário pelo qual são marcados.

A criação dos heterônimos de Pessoa teve um reflexo em sua vida e obra. Os mais conhecidos são:

  • Alberto Caeiro Da Silva: também chamado de tuberculoso anti-humanista e místico;
  • Álvaro de Campos: que se caracterizava por escrever uma poesia tumultuada e tinha crises nervosas;
  • Alberto Mora: ele tinha paranóia, era considerado um filósofo do paganismo;
  • Ricardo Reis: cientista neoclássico de personalidade disciplinada e meticulosa.

Fernando Pessoa não criou apenas heterônimos, mas também semi-heterônimos, como Bernardo Soares. Por que “semi”? Pois foi o que afirmou o poeta em uma carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, afirmando: “É o resultado da mutilação da minha personalidade ao afastar a razão e a afetividade”.

A criação de heterônimos ocorreu cedo. Aos cinco anos de idade ele criou Caballero du Pas, personagem a quem ditava cartas dirigidas a si mesmo. A crítica não quis considerar du Pas um heterônimo porque o saber literário de Pessoa nessa altura era escasso e, certamente, ele não possuía a elaboração e formação dos heterônimos posteriores. No entanto, sugere-se que possa ser considerado um proto-heterônimo. O próprio Pessoa sugeriu que sua infância foi marcada por uma tendência para a mistificação e mentiras artísticas.

Pessoa não foi o único autor a usar heterônimos; podemos vê-los em autores consagrados como Miguel Unamuno e Antonio Machado. Mas como eles surgem? Os pesquisadores Pérez e Adam, em um artigo para a Revista Iberomania, sugerem que esse tipo de criação é fruto de um movimento do Ocidente no final do século XIX. Como resultado desse movimento surgiu o que conhecemos como crise de identidade do sujeito, algo que vimos corporificado em inúmeras obras construídas por autores imaginários.

Como curiosidade, podemos destacar as grandes coincidências entre aspectos da biografia de Fernando Pessoa e as características dos heterônimos que ele criou. Por exemplo, Alberto Cairo da Silva tinha tuberculose como o seu pai; María José tinha uma deficiência semelhante ao derrame de sua mãe; Rafael Baldaya, por sua vez, era astrólogo; e, por fim, Bernardo Soares, como Pessoa destacou, era igual a ele, mas sem a parte afetiva.

Livro com páginas voando

Como era Fernando Pessoa?

Não se fala da biografia de Fernando Pessoa apenas pela sua incomparável criação literária, mas também por conta da sua personalidade. Na verdade, há quem considere que ela estava intimamente relacionada com a escrita. Vejamos alguns aspectos da personalidade do português:

  • Busca pela estabilidade: Isso é sugerido por García e Angosto em seu artigo para A Revista de la Asociación Española de Neuropsiquiatría. Eles propõem que, para Pessoa, escrever era um meio pelo qual tentava encontrar a paz. Ou seja, uma maneira de se manter estável psicologicamente.
  • Obsessão: pela profunda compulsão por escrever.
  • Traços de psicose: consequências dos transes e despersonalizações citadas por Pessoa. Ele dizia que tinha visões e episódios de iluminação. Também vemos estes traços nos automatismos motores que outras pessoas testemunharam sobre o artista.
  • Ciclotimia: esta teoria surge por conta da instabilidade psicológica que foi evidenciada em seus escritos, pelo estado de humor prejudicado que ele dizia ter e pela compulsão por escrever.
  • Fobia: Pessoa tinha um medo profundo e irracional de tempestades, especialmente de raios.

O próprio Pessoa desenvolveu uma teoria sobre a sua personalidade. Declarou a si mesmo histérico-neurastênico, provavelmente devido à influência do contexto. Acredita-se que ele tenha sido influenciado por suas leituras de Freud e Charcot. Cabe ressaltar que essas construções sofreram grandes mudanças ao longo da história, e existe a hipótese de que Pessoa não tenha acompanhado essas mudanças e tentado adaptar esses conceitos à sua personalidade.

Em seus anos acadêmicos, foi descrito como “um menino tímido e gentil, de natureza doce, extremamente inteligente, que se importava em falar e escrever em inglês da forma mais acadêmica possível, e que possuía um extraordinário bom senso para a sua idade”.

O escritor mexicano Octavio Paz o descreve com as seguintes características:

  • Reservado e familiar;
  • Cosmopolita que pregava o nacionalismo;
  • Pesquisador solene de coisas fúteis;
  • Humorista que nunca sorri e faz nosso sangue gelar;
  • Inventor de outros poetas e destruidor de si mesmo;
  • Autor de paradoxos claros como a água e, como ela, vertiginosos.

Definitivamente, Pessoa se destacou não só pelas suas criações, mas pela sua personalidade enigmática. Sempre será um desafio descobri-lo por trás de seus escritos.

Na realidade, o que sabemos de Pessoa é o que os outros falam dele e o que se vê nos seus textos. A verdade e o que a maioria das hipóteses concorda é a sua necessidade de escrever para viver.

“Minha alma é uma orquestra oculta,

Não sei que instrumentos tange e range,

cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim.

Só me conheço como sinfonia”.

-Fernando Pessoa, Livro do Desassossego –

As obras de Fernando Pessoa

A primeira coisa a destacar quando se fala da biografia de Fernando Pessoa e, especificamente, da sua obra, é que ele deixou 27.543 páginas manuscritas e 70 autores diferentes que assinaram suas obras (heterônimos e pseudônimos). Além disso, em vida publicou apenas um livro, os outros foram obras póstumas. Vejamos algumas obras do escritor português:

  • Mensagem: a única obra que Pessoa viu publicada se chama Mensagem. É uma interpretação simbólica da história portuguesa dividida em três partes, agrupadas em 44 poemas, embora Pessoa sugerisse que se tratava de um único poema.
  • Livro do Desassossego: uma das obras mais marcantes do autor. Aborda temas que dizem respeito a questões metafísicas e à parte mais profunda do ser humano: vida e morte; o real e o irreal, etc. Segundo García e Angosto, é um “verdadeiro diário de seus diálogos internos”.
  • O Banqueiro Anarquista: é um livro que, em princípio, nasceu como revista literária. Nesta obra, Pessoa mostra seu culto ao paradoxo como ginástica crítica, aborda a realidade de forma racional e mostra aspectos da sociologia e da política.
  • Poemas de Álvaro de Campos: neste livro floresce o sentido íntimo do mundo e das suas coisas, do místico e do sentimento de forma avassaladora.
  • Odes de Ricardo Reis: aqui Pessoa explora a existência em paz e a desesperança na vagueza poética; resgata o estóico e epicurista.

Ainda existem obras inéditas e a produção de Pessoa é mais extensa do que podemos imaginar. Entre os papéis encontrados, há diversas cartas que ele deixou como legado e que serviram para diversos profissionais decifrarem aspectos de sua personalidade e se aproximarem, na medida do possível, de sua forte relação com a escrita.

Definitivamente, falar da biografia de Fernando Pessoa é fazer referência a um autor incomparável, a um escritor que se tornou múltiplo através da criação literária, o porta-bandeira dos heterônimos, um dos mais destacados autores portugueses e vanguardistas. Para saber mais sobre ele, podemos encontrá-lo em suas obras, pois, como afirma Octavio Paz, grande seguidor do poeta, “os poetas não têm biografia; o seu trabalho é a sua biografia”.


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  • Crespo, A. (1988/2007). La vida plural de Fernando Pessoa. Barcelona, España: Seix Barral.
  • García, M.X & Angosto, T. (1999) “Los heterónimos de Fernando Pessoa y la búsqueda de la estabilidad”. Revista de la Asociación Española de Neuropsiquiatría, (69), 133-148.
  • Paz, O. (1965). Fernando Pessoa: el desconocido de sí mismo. Dirección general de prublicaciones y fomento editorial: Ciudad de México, 4-7.
  • Perez, A & Adam, A. (2007). Las fronteras de la lengua. Acerca del problema de los heterónimos de Fernando Pessoa a la luz de los principios poetológicos de Octavio Paz. doi: 101515/iber.2007.924
  • Pessoa, F. (1986). Libro del desasosiego de Bernardo Soares. En A. Crespo. Barcelona, España: Seix Barral.

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