Cannabis e transtornos mentais: uma roleta russa

O consumo recreativo de cannabis foi visibilizado e normalizado nas últimas décadas, como qualquer outra substância. É extremamente importante conhecê-la muito bem e conhecer-nos a nós mesmos.
Cannabis e transtornos mentais: uma roleta russa
Alicia Yagüe Fernández

Escrito e verificado por a psicóloga Alicia Yagüe Fernández.

Última atualização: 14 janeiro, 2024

A cannabis não é apenas a droga ilegal mais consumida do mundo, mas também é uma das drogas mais envolvidas em desinformação. Seus usuários acreditam em muitos mitos, ou não acreditam em muitos fatos sobre seus efeitos na mente e no corpo. A média de idade em que se inicia o uso da droga é entre 14 e 15 anos, ou seja, desde muito cedo.

As últimas pesquisas científicas divulgadas já demonstraram que seu consumo regular provoca mudanças estruturais no tecido cerebral. Produz, entre outros aspectos, alterações importantes que conduzem à deterioração da memória, atenção, percepção, coordenação e concentração.

Essas mudanças cerebrais se traduzem em um piora do rendimento pessoal, social e profissional, com efeitos emocionais e físicos. Muitas pessoas consomem a substância porque ela é um facilitador do relaxamento, de socialização e fuga, ou apenas experimentam para divertir-se.O outro lado da moeda, no entanto, é que essa substância pode ser a porta de entrada para importantes alterações mentais, como a psicose e a ansiedade.

Cannabis: remédio ou droga?

A cannabis sativa é uma planta que contém mais de 400 componentes químicos, entre os quais 60 são canabinoides conhecidos. Os três canabinoides mais importantes são THC, CBD e CBN. O delta-9-tetrahidrocannabinol (THC)  é o psicoativo principal da maconha e pode ser retirado principalmente dos brotos florescidos, e em menor quantidade das folhas da planta.

Atualmente, com as técnicas de cultivo e a seleção genética, já é possível obter plantas com maior concentração de THC, passando de 2 a 5% para 20% em plantas modificadas.

Homem desolado

Os efeitos psicoativos começam poucos minutos após o consumo da droga, e duram de 1 a 2 horas, ainda que o THC permaneça no organismo durante muito tempo. É possível detectar seu consumo até um mês depois em consumidores crônicos.

Alguns efeitos secundários são a diminuição da memória de curto prazo, secura na boca, vermelhidão nos olhos, alterações da percepção, alteração da capacidade motora e aumento do apetite, além de outros efeitos. Uma pessoa que consome maconha pode ainda desenvolver um vício e, como consequência, experimentar diferentes estados físicos e mentais.

Intoxicação

Os efeitos agudos da maconha são muito variáveis e dependem da dose, da concentração de THC, da proporção entre THC e CBD, da forma de administração da droga e de outros fatores como da personalidade, das expectativas do sujeito e do contexto em que a droga é consumida.

O consumo de maconha geralmente tem dois lados. Pode produzir uma fase inicial de estimulação – com euforia e bem-estar – e posteriormente uma fase em que predomina a sedação – com relaxamento e sonolência. Em alguns sujeitos, especialmente em consumidores esporádicos ou de doses elevadas, pode aparecer ansiedade, disforia, sintomas de paranoia e de pânico.

Dependência

A dependência se caracteriza por um desejo intenso de consumir a droga, uma perda de controle sobre esse consumo (por exemplo, tentar consumir menos e não ser capaz), precisar da substância para realizar alguma atividade (como por exemplo dormir), ou ter uma série de comportamentos danosos destinados a obter a substância e consumi-la (como priorizar o uso em detrimento de outras atividades necessárias). A pessoa começa a se sentir ansiosa se não fuma, com mudanças do estado de humor e do sono. Se algum desses elementos está presente, já estamos falando de casos de dependência.

Abstinência

Quando o consumo é muito intenso e/ou prolongado, especialmente em consumidores regulares, a sintomatologia que aparece diante da tentativa de parar o consumo envolve irritabilidade, raiva ou agressividade, nervosismo ou ansiedade, dificuldades para dormir, perda de peso ou de apetite, preocupações, estados de humor deprimidos, dor abdominal, espasmos, tremores, sudorese, febre, calafrios e dores de cabeça. Essa sintomatologia é descrita em mais de 50% dos consumidores intensos e em 15% dos consumidores regulares.

A loteria da vulnerabilidade genética

É comum pensar que as consequências mencionadas são casos isolados. “Isso não vai acontecer comigo, eu me sinto bem”, mas quando estamos falando do consumo de substâncias psicoativas, há um papel muito importante da vulnerabilidade genética. Há pessoas que têm um risco maior de desenvolver vícios e doenças mentais devido a sua carga genética.

Mulher nervosa

Algumas pessoas são mais propensas a ter certos transtornos mentais devido a seu sistema nervoso e neuronal, componentes genéticos, experiências de vida e tipos de personalidade. Nesse contexto, existem transtornos psicóticos que podem permanecer “dormentes” e ser ativados diante do consumo de certas drogas.

Ninguém pode nos dizer como vai ser nossa reação diante da próxima dose da maconha. Consumir drogas é uma decisão de cada um e assumir as suas possíveis consequências também. Podemos colocar uma venda em nossos olhos, mas a realidade que se sobrepõe à nossa vontade de não ver é que cada dia mais o consumo de drogas altera nossos estados mentais, emocionais e físicos.

“Simplesmente me convenci de que, por algum misterioso motivo, eu era invulnerável, eu não me viciaria. Mas o vício não negocia, e pouco a pouco eu fui afundando dentro de mim mesmo.”
-Eric Clapton-

As chamadas “bad trips”

É comum encontrar páginas da internet, artigos e associações que defendem o consumo da cannabis por suas “funções terapêuticas” ou seus “efeitos benéficos para a saúde”. Entre esses efeitos está sua efetividade para aliviar a dor e sua capacidade relaxante.

Existem muitos movimentos sociais a favor da legalização e normalização da substância, mas devemos ter em mente que o consumo da planta em qualquer de suas formas não é desejável porque ainda causa efeitos negativos. Os supostos efeitos positivos, em comparação com suas consequência patológicas, não justificam seu consumo.

O fato de que a planta possua um princípio ativo com possíveis resultados benéficos e que a pesquisa clínica em farmacologia a veja como uma opção terapêutica para alguns pacientes – isolando esse princípio ativo e controlando sua dose de concentração – não quer dizer que o consumo da maconha seja benéfico por si mesmo.

Os efeitos de uma intoxicação patológica, o que é conhecido como “bad trip”, podem levar a sintomas de ansiedade, despersonalização ou irrealidade, pânico intenso, sensação de morte, sintomas de paranoia, alterações motoras, sensação de paralisia, alterações sensoperceptivas como ilusões ou alucinações visuais transitórias.

Algumas das manifestações clínicas associadas ao consumo da maconha são as seguintes:

  • Ansiedade: é comum a aparição da sintomatologia ansiosa e/ou transtorno do pânico após o consumo.
  • Depressão: ocorre um aumento do risco de desenvolver transtornos depressivos e ideações suicidas.
  • Transtorno bipolar: pode favorecer a aparição de sintomas psicóticos, induzir fases maníacas e aumentar o número de recaídas.
  • Síndrome amotivacional: perda de energia, apatia, cansaço e déficits cognitivos.
  • Deterioração cognitiva: lentidão e perda de capacidade de reação, percepção, memória, resolução de problemas, concentração, atenção, etc.
  • Psicose: há estudos que demonstram que consumir maconha multiplica por dois a possibilidade de sofrer um surto psicótico. Podem ser produzidos também sintomas psicóticos de curta duração, mas também pode causar o desenvolvimento de psicose prolongada e crônica. Já foi observado que o consumo de cannabis é muito prevalente entre os sujeitos com transtornos mentais graves, como a esquizofrenia.
  • Flashback por cannabis: reviver experiências ocorridas durante a intoxicação mesmo sem ter consumido a droga.
  • Delirium: é uma reação transitória que se caracteriza por delírios, tremores, agitação, medo, sono profundo, alucinações, etc. É pouco frequente mas está relacionado ao consumo de altas doses.
  • Efeitos sobre o sono: o THC induz ao sono e altera o padrão de sono e vigília.
  • Efeitos sobre o comportamento alimentar: em consumos esporádicos o apetite aumenta, mas em consumo continuado pode produzir uma diminuição do apetite, além do consumo da maconha favorecer o acúmulo de gordura.
Homem angustiado

O que nos espera depois do consumo de drogas é algo que ninguém pode saber com certeza. Os transtornos mentais surgem sem nenhum aviso, e há viagens que vêm sem o bilhete de volta. As drogas são um grande risco de entrar em um ciclo de destruição. Começa quando você não dá valor a si mesmo, e termina quando você leva todas as pessoas em volta de você para o abismo.

“Todo vício surge de uma negativa inconsciente de enfrentar a dor e sair dela.”
-Eckhart Tolle-


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.