Carta do meu canto mais desconhecido
Existe 10% de mim que você nunca conhecerá. Você pode se esforçar o quanto quiser, mas nunca conseguirá decifrá-lo. De fato, há 5% de mim, pelo menos, que nunca conhecerei e olha que, sem querer parecer pretensioso, tenho mais anos comigo do que você.
O fato de você não conhecer essa parte não significa que ela seja ruim ou perversa, ou que careça de sentimentos ou empatia. Ela, simplesmente, nunca parecerá lógica ou racional, você nunca vai poder predizê-la.
Perdoe-me se às vezes rio quando você tenta me decifrar, mas tenho a sensação de que você é essa criança pequena que procura alcançar um pacote que está embrulhado na prateleira mais alta… Ou que tenta de todos os jeitos possíveis encaixar uma peça de quebra-cabeça e testa todas, quando a única que encaixa caiu embaixo da mesa.
Espere. Você crescerá e, mesmo que não seja suficientemente alto para alcançá-lo, você será suficientemente forte para poder lidar com a escada que lhe permitirá chegar. Ou talvez, você já não queira mais alcançar porque preferiu viver com a realidade que você é capaz de perceber ou que já não lhe inquieta.
Entendo. Você tem medo de que essa parte de mim lhe cause sofrimento. Com a vantagem que levo na hora de me conhecer, eu diria que não, e posso dizer que gostaria que você se arriscasse.
Não posso obrigá-lo, nem pedir, somente expressar o meu desejo, mas eu nem sei se isso é justo porque creio firmemente que eu levo a melhor se você o fizer.
A minha parte imprevisível pode feri-lo, mas também é uma das razões importantes pelas quais você está comigo.
Eu gosto de você, hoje e agora com essa parte imprevisível, porque palpita ao mesmo tempo que o meu coração. Está em sintonia com os sentimentos que formam parte desse 90% que você conhece.
O meu compromisso é ajudá-lo a viver com ela, algo no qual também não tenho sido suficientemente habilidosa… Mas o certo é que ninguém nasce sabendo, e como eu disse antes, você me parece primitivo quando faz um escândalo pelo pacote embrulhado.
Você tem muitas coisas a dizer sobre a minha vida, mas deixe-me ter a última palavra mesmo que você não esteja de acordo, deixe-me escolher com quem me relaciono e o jeito como o faço. Permita que você possa me amar como sou ou como serei, e não como uma sombra do que sou ou serei.
Não tente tentar me encaixar de todas as formas, porque não há uma forma para mim. Você terá que construí-la e, mesmo assim, sempre haverá lados que nunca se encaixarão.
Não se questione se sou normal ou não. Já lhe adianto que não sou, que não me encaixo no seu padrão de pessoa típica, do mesmo jeito que não me encaixo no padrão de pessoa típica de ninguém.
Não reclame como direito seu a necessidade de decifrar esses 10%, porque a única coisa que acontecerá é que ficarei silenciada e escondida, e você deixará de me procurar a cada dia.
Você deixará de me amar e eu ficarei profundamente triste.
Esses 5% são uma parte minúscula e pequenina, mesmo que você não saiba dimensioná-la porque só consegue ver a beirada.
Continue brincando pelo resto da casa. Não vale a pena que você perca um instante pelo que ambos desconhecemos.
Assim, de alguma forma, peço que você seja cúmplice comigo, da minha própria ignorância, para que juntos e sem pressa comecemos a nos fazer perguntas… E como fio de esperança, pense que a última coisa que caiu dessa prateleira que você não alcança é esta carta que lhe escreve uma pessoa apaixonada…