Chorar em público: por que não normalizamos de uma vez por todas?
Chorar em público, diante de conhecidos ou de completos desconhecidos. Quando foi a última vez que isso te aconteceu? O mais provável é que você ainda tenha essa memória muito viva porque esta não é uma situação agradável. Geralmente, expressar as nossas emoções mais profundas diante dos olhos dos outros é uma experiência desconfortável que muitas vezes nos envergonha.
O mais interessante, entretanto, é que existem grupos nos quais isso parece ser permitido. Muitas vezes, vemos atletas chorando de alegria, frustração ou tristeza sem que os olhos do público os julguem ou critiquem por isso. Porém, se alguém começar a chorar no meio de uma reunião de trabalho, provavelmente será rotulado como “fraco”. Além disso, também se presumirá que a pessoa está lidando com algum problema de saúde mental.
No entanto, quem chora nem sempre está passando por uma depressão ou transtorno de ansiedade. Chorar é humano, é necessário e é catártico. É um ato natural, assim como comer, dormir e respirar. Apesar disso, continuamos a insistir que devemos reservar essas expressões para a esfera privada. O “Chora na cama, que é lugar quente” ainda está muito presente em nossa sociedade.
O estigma de chorar em público
O choro é um ato exócrino, ou seja, é um processo fisiológico durante o qual se elimina uma série de substâncias do nosso corpo. A mesma coisa acontece quando expiramos ou transpiramos. É, portanto, um ato básico para a nossa homeostase e bem-estar humano. Apesar disso, por mais natural que seja, vemos com desconforto aquele que deixa as lágrimas caírem como pedras rolando pelo seu rosto.
Porém, apesar das convenções sociais não escritas que nos dizem que esse tipo de manifestação deve ocorrer na esfera privada, há um aspecto interessante. Um que às vezes ignoramos. O ato de chorar também tem uma resposta evolutiva, que é a de despertar a empatia e o comportamento pró-social. Devemos cuidar daqueles que precisam de ajuda ou conforto.
Talvez no passado esse ato tenha sido cumprido. No presente, ver alguém chorar gera desconforto porque nem todo mundo sabe como agir – ou quer agir. Atualmente, vivemos em um mundo individualista onde cada um tem que resolver os seus próprios problemas. Quando estamos a sós, podemos nos deixar tomar por nossas tristezas e provações, mas, diante dos outros, devemos mostrar resolução, contenção e segurança.
Geralmente, aqueles que choram publicamente são vistos como menos capazes e resolutivos. Além disso, persiste a crença de que aqueles que expressam os seus sentimentos precisam ser tranquilizados.
Segure as suas lágrimas para parecer competente (ainda mais se você for homem)
É assim mesmo: chorar em público é um estigma, ainda mais se você for homem. Uma pesquisa da Universidade de Tilburg evidencia este fato. Por um lado, reafirmou-se o impulso que muitas vezes sentimos de querer ajudar quem chora. No entanto, este também é um sentimento ambivalente.
O ato de chorar em público faz com que vejamos essa pessoa como incompetente. Vamos percebê-la como mais calorosa e emotiva, mas, se precisarmos realizar uma tarefa importante, é muito possível que vamos desconsiderá-la. Além disso, esta situação é especialmente pronunciada no sexo masculino.
Os homens que às vezes choram publicamente são vistos como ineficazes e ineficientes em suas responsabilidades profissionais.
Chorar em público continua a ser interpretado de forma equivocada
Quando uma pessoa explode em lágrimas diante dos olhos dos outros, quase sempre ocorre a mesma reação. Aparece o “calma” e não falta o recorrente “não precisa chorar”. É como se aquele que expressa as suas emoções estivesse fora de si. Como se houvesse um erro em sua programação interna e ele precisasse ser reiniciado. Assim como ocorre com o computador com o qual trabalhamos todos os dias.
A pessoa que chora não precisa se acalmar; ela precisa desabafar as suas emoções. Mais uma vez, somos instados a nos conter, a nos acalmar, a ser levados para um local onde possamos nos recuperar às escondidas. As lágrimas são interpretadas como um perigo, como um indicador de que se perdeu o equilíbrio, a calma e a razão, e que é preciso recuperar a estabilidade.
Tudo isso faz com que, quando nos “desfazemos” diante dos olhos de todos, acabemos arrependidos. Ou ainda pior, podemos até mesmo acabar pensando que há algo errado conosco por não sabermos nos conter. E não, isso não é apropriado.
Chorar não é um ato de fraqueza ou uma reação da qual devemos nos arrepender. O erro não está em nós, mas sim naqueles que continuam a interpretar o choro como uma expressão de instabilidade que define quem não sabe lidar com seus problemas.
Vamos atualizar as nossas crenças sobre o choro emocional
A grande maioria das pessoas é empática e ver alguém chorando nos deixa desconfortáveis. Isso ocorre porque queremos que todos estejam bem, que aqueles que estão ao nosso redor estejam felizes, tranquilos, em harmonia.
No entanto, nossas narrativas sociais nos inocularam com ideias muito enviesadas sobre o choro. Ideias que devemos desconstruir.
As lágrimas são um lubrificante social
As lágrimas são um poderoso lubrificante social que convida à comunicação em grupo. Essa é a chave que devemos ter em mente. Quando vemos alguém que não aguenta determinada situação e começa a chorar, devemos evitar dizer para se acalmar. Vamos ficar em silêncio se a única palavra que vier à nossa mente for “calma”.
O mais adequado, catártico e útil é facilitar a comunicação e a expressão emocional. Deixar a pessoa expressar o que sente e o que está acontecendo com ela sempre será mais apropriado. Nossa obrigação não é, de forma alguma, resolver os problemas dos outros. No entanto, iniciar um diálogo empático, sem fazer julgamentos, sempre será a estratégia mais humana, simples e benéfica.
Chorar não nos torna fracos, mas sim autênticos
As pessoas passam metade de suas vidas mascarando o sofrimento. Saímos de casa com a nossa máscara e, quando alguém nos pergunta como estamos, dizemos que estamos ótimos. Não importa que a nossa vida esteja desmoronando, o importante é aparentar normalidade e uma falsa felicidade.
No entanto, existem aqueles que não conseguem e nem sabem mentir e que, quando não aguentam mais, choram. Esse não é um ato de fraqueza, mas sim de autenticidade. Podemos sentir vergonha, de fato, e até mesmo medo de sermos julgados. No entanto, se todos normalizássemos o ato de chorar em público, entenderíamos o quanto isso é humano e o quanto pode ser benéfico.
Talvez fôssemos mais altruístas uns com os outros, e até mesmo entenderíamos que todos nós lidamos com os mesmos problemas, dissabores e preocupações. Afinal, forte não é aquele que aguenta mais; forte é aquele que aceita o que sente, que se expressa e busca mecanismos para resolver a sua dor.
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