Como descansar sem culpa

Como descansamos? O que nos permitimos fazer em nosso tempo livre? E aquele sentimento de culpa que surge quando sentimos que estamos perdendo nosso tempo? Neste artigo, vamos responder a essas e outras perguntas interessantes.
Como descansar sem culpa
Andres Camilo Espinosa Poveda

Escrito e verificado por o psicólogo Andres Camilo Espinosa Poveda.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Pode parecer estranho sentir-se culpado por descansar, mas é mais comum do que parece. Talvez você conheça a sensação.

O final de semana acabou e você passou o tempo todo em casa, assistindo suas séries favoritas com sua família ou amigos. Ao planejar a semana de trabalho você pensa que não avançou nenhum trabalho ou que não fez as tarefas de manutenção da casa que havia planejado, e um sentimento de culpa o inunda. Então, você promete a si mesmo que não vai acontecer de novo… Já aconteceu com você?

Embora possa parecer que esses sentimentos de culpa fazem parte de uma atitude de perseverança e motivação para ser melhor, a verdade é que eles fazem mais mal do que bem. Eles geram um desconforto que ironicamente diminui nossa produtividade.

Descansar sem culpa não é apenas bom para a saúde, mas é um direito que todos temos. Nesta ocasião vamos desmantelar algumas ideias falsas que nos impedem de exercer esse direito.

De onde vem a culpa?

A culpa é uma emoção socialmente construída, cujo funcionamento depende da cultura e dos valores internalizados. Isso significa que o que nos faz sentir culpados é, em grande parte, o que nosso ambiente social nos diz que deveria nos fazer sentir culpados.

Podemos dizer que a culpa surge quando algum comportamento contradiz uma norma que internalizamos. Não basta que a norma exista ou que tenhamos consciência dela; tem que ser uma regra que foi construída em nosso sistema de crenças.

As normas que quebramos e que geram culpa podem ser determinadas pela religião, lei, tradição, entre outras. A culpa pelo descanso também pode ser influenciada pelo modelo econômico em que vivemos.

Mulher pensando
O sucesso e a produtividade são valorizados hoje em dia, por isso é fácil se sentir culpado nos dias de folga ou liivres.

O problema da produtividade

Em nossa cultura, conceitos como competição, produtividade, sucesso são destacados, e são definidos sob uma perspectiva econômica. Assim, normalmente entendemos como atividades produtivas aquelas que podem ser traduzidas em lucros, sejam diretos ou indiretos, e o sucesso é medido em termos de renda. É uma abordagem bastante estreita, sabemos, e a própria cultura denuncia esse fato, mas ainda acontece.

Em contrapartida, outros conceitos, como tempo livre, lazer ou descanso, são valorizados negativamente. Você pode ter tempo livre, é claro, mas parece que necessariamente precisa preenchê-lo com algo produtivo. E é claro que você pode transgredir essa construção, mas ao fazer isso pode ter a sensação de que não é mais competitivo, que está perdendo oportunidades que os outros vão aproveitar.

Você consegue identificar alguma dessas ideias? Às vezes, estão tão internalizadas que não percebemos que as temos, mas elas estão presentes na publicidade, nas conversas cotidianas, nas pessoas que admiramos como modelos e na cultura em geral.

Se não é lucro, é crescimento pessoal

Podemos não nos pressionar para sermos produtivos do ponto de vista financeiro, mas sim da ideia de crescimento pessoal. Tudo bem, não precisamos estar gerando dinheiro o tempo todo, mas temos que investir nossa energia em atividades que produzam um suposto autodesenvolvimento. Isso parece ótimo, mas vamos ver como isso adiciona pressões inadequadas.

Consideramos aceitável passar o tempo livre em hobbies que de alguma forma produzem valor, ainda que intangíveis. O exercício, por exemplo, é visto como uma coisa boa, mas apenas se produzir resultados visíveis. Se a atividade física não se traduz em um corpo mais atlético e é feita apenas por diversão, então é inútil. “Por que você continua indo à academia se não está funcionando?” Fazer isso apenas por diversão não é válido.

Algo semelhante acontece com a leitura. Quando uma pessoa lê habitualmente isso é considerado algo positivo, mas aí entra em jogo o tipo de leitura. Romances de ficção ou poesia nem sempre são vistos como temas produtivos, pois não geram valor fácil de mensurar. Em vez disso, livros temáticos de autoajuda são frequentemente preferidos transmitem uma mensagem que é “útil” para o crescimento pessoal.

Ler algo só porque é divertido, relaxante ou emocionante às vezes é interpretado como perda de tempo, ignorando ironicamente os benefícios sociais e emocionais que a ficção pode trazer.

Queremos medir tudo e mostrar tudo

Você vê qual é o problema? Nossa cultura sufoca por causa de sua obsessão em mostrar resultados, em mostrar que o que fazemos com nossas vidas tem um efeito mensurável, até mesmo presumido.

Se temos tempo livre, devemos investi-lo em algo, não importa muito no que, desde que possamos mostrá-lo aos outros. Pode ser em ganhar dinheiro, isso é fácil de gabar. Mas também pode ser em parecer mais culto, ou em parecer atlético, ou em ter uma família de aparência feliz, ou em ter uma casa muito limpa….

A lista é muito diversificada. E todas essas coisas estão bem; se você as quer, vá atrás delas sem hesitação. O problema é achar que a alternativa está errada, e buscar ser produtivo apenas para cumprir uma expectativa social.

Se você faz atividade física, o melhor é que seja uma que você goste; se você lê, o que quer que leia, é bom que goste. Se você começar um negócio, você se sairá melhor se pensar em colocar seu coração nele, além de dinheiro.

E se você não quiser fazer nada disso, tudo bem também. O descanso é realmente muito produtivo: traz bem-estar, ajuda o corpo a funcionar adequadamente e melhora o humor. Claro, você não pode tirar fotos dessas coisas para a mídia social, nem pode se vangloriar na frente de seus colegas de trabalho. Mas essas coisas são suas, são para você, e isso as torna perfeitamente válidas.

mulher descansando
O descanso melhora a saúde física e mental.

Remover a culpa

Lembre-se de que a culpa surge quando sentimos que transgredimos uma norma ou violamos um princípio. Para descansar sem culpa, precisamos entender que não há problema em não ser produtivo o tempo todo.

Reconhecer que investir tempo em nós mesmos é bom e necessário, e que não precisamos atender às expectativas de outras pessoas. Se temos algum dever, é o de buscar nosso bem-estar.


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