O que é e como a dissociação é tratada no trauma?


Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater
A dissociação no trauma é um conceito que levanta muitas questões e alguns equívocos. A primeira coisa a entender é que não é uma resposta de fraqueza ou um mecanismo patológico. Estamos diante de uma reação psicológica adaptativa que ajuda a lidar com um evento doloroso.
A mente humana recorre à dissociação para se separar da experiência adversa e assim silenciar a dor emocional. O problema é que esse sofisticado recurso de sobrevivência tem um custo psicológico. A memória e a própria identidade podem ser fragmentadas. É uma realidade mental complexa que vamos explicar a você neste artigo.
A detecção precoce da presença de um transtorno dissociativo evita que a pessoa desenvolva comportamentos graves, como automutilação ou tentativa de suicídio.
O que é dissociação no trauma?
A dissociação no trauma é um mecanismo de defesa neuropsicológico que busca nos separar das experiências externas e internas para diminuir a dor. Isso embaça a memória e nos distancia de certos pensamentos e emoções. Se as pessoas mantivessem em mente a memória de um evento dramático o tempo todo, a vida seria avassaladora.
Investigações como as realizadas na Universidade de Maryland indicam algo relevante a esse respeito. Atualmente, o impacto desta dimensão ainda é negligenciado. Precisamos de uma maior consciência dos processos dissociativos, porque eles se correlacionam significativamente com o comportamento autodestrutivo e suicida.
É verdade que essa resposta busca nos proteger do sofrimento, mas, a longo prazo, essa mente fragmentada traz imensas consequências em todos os níveis. Nós o analisamos.
Sintomas ligados à dissociação
A dissociação no trauma atua mobilizando diferentes áreas neurológicas, para regular a impressão da memória dolorosa e o consequente sofrimento. A amígdala cerebral ativa a produção de cortisol e, a partir daqui, centros como o córtex pré-frontal param de funcionar normalmente. O hipocampo, centro da nossa memória emocional, também fica desregulado.
Isso se traduz em dormência emocional, falhas de memória e uma capacidade reduzida de reflexão e raciocínio.
Da Universidade de Leiden, na Holanda, eles destacam que esse mecanismo é um processo muito complexo presente em condições como transtorno de estresse pós-traumático, transtorno dissociativo de identidade e transtorno de personalidade borderline (TPB). Ajuda saber como seus sintomas progridem:
- Ansiedade.
- Pensamentos suicidas.
- Isolamento das emoções.
- Tem dúvidas sobre sua própria identidade.
- Sensação persistente de ansiedade.
- Distúrbios do sono, como pesadelos.
- Anedonia ou incapacidade de sentir prazer.
- Comportamentos autodestrutivos, como automutilação.
- Períodos em que a pessoa não consegue se lembrar.
- Desconexão de si mesmo e do mundo ao nosso redor.
- Mover-se para lugares sem saber como chegou lá.
- Ter flashbacks, ou seja, breves lembranças de eventos traumáticos.
- Sensação de que muitos estímulos e experiências que os cercam não são reais.
Esse tipo de dissociação se enquadra em um espectro: há pessoas que apresentam apenas distúrbios leves, enquanto outras apresentam uma qualidade de vida muito disfuncional e dolorosa.
Tipos de dissociação no trauma
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-V, a dissociação do trauma pode se manifestar de três maneiras:
- Amnésia dissociativa. Após uma ou várias experiências traumáticas, a pessoa desenvolve lacunas em sua memória e esquece certos fragmentos anteriores ou posteriores à própria experiência adversa.
- O transtorno de despersonalização/desrealização causa a sensação de estar fora do próprio corpo. Além disso, com o que acontece ou o envolve não é real.
- Transtorno dissociativo de identidade. Essa condição costumava ser chamada de “distúrbio de personalidade múltipla”. Neste caso, temos pacientes que alternam diferentes identidades em resposta ao trauma. O Journal of Mental Science expõe que esta condição é uma forma grave de estresse pós-traumático e uma realidade complexa para diagnosticar e tratar.
Qual é a origem da dissociação traumática?
A dissociação no trauma geralmente aparece após a sobreposição de vários eventos traumáticos. Ou seja, nem sempre surge após um evento específico, como sofrer a perda de um ente querido. Pessoas que sofreram abusos desde a infância, por exemplo, correm maior risco de desenvolver esse mecanismo psicológico de defesa.
Da Universidade de Turim, na Itália, eles se referem a esse mesmo fato. Múltiplas experiências traumáticas colocam em risco o funcionamento mental e o consequente aparecimento de dissociações. Vamos ver, no entanto, quais eventos podem desencadear essas duras realidades.
- Viver em cenários de guerra.
- Crescendo em famílias disfuncionais.
- Maus-tratos/ abuso ao longo de vários anos.
- Viver em ambientes sociais desfavorecidos ou adversos.
- Testemunhar eventos violentos sustentados ao longo do tempo.
- Trabalhando por anos em ambientes ameaçadores e altamente estressantes.
A dissociação pode nos dar a sensação de que estamos enlouquecendo e que tudo está fora de nosso controle. Agora, o primeiro passo é entender que essa reação é um mecanismo normal do cérebro diante do sofrimento e que pode ser tratada.
Como a dissociação é tratada no trauma?
Ao lidar com a dissociação no trauma, sempre partimos das necessidades e da realidade particular de cada paciente. Como apontam em um artigo no Indian Journal of Psychiatry, um diagnóstico adequado deve começar, descartando outras causas, possíveis comorbidades e fatores predisponentes traumáticos e de personalidade .
Vamos nos aprofundar nas estratégias para enfrentar essa realidade e nos modelos terapêuticos úteis.
Eixos básicos para abordar a dissociação traumática
- Promover um autoconceito saudável.
- Mude padrões de pensamento nocivos.
- Desenvolva habilidades de enfrentamento saudáveis.
- Promover a capacidade de autorregulação física e emocional.
- Reduzir a superativação constante do sistema nervoso central.
- Incentive a pessoa a traçar novos objetivos e significados vitais.
- Facilitar uma conexão com as sensações físicas do corpo como forma de lidar com a dor emocional.
- Guia para aceitar a dor emocional associada à dissociação e gradualmente integrar a própria identidade.
- O objetivo do tratamento da dissociação é tornar mais fácil para a pessoa processar gradualmente a experiência traumática.
- É importante notar que não há necessidade urgente de recuperar memórias traumáticas. É mais relevante tratar emoções, pensamentos disfuncionais e gerar comportamentos mais saudáveis.
Terapias apropriadas para tratar a dissociação
Uma das abordagens terapêuticas mais utilizadas para a dissociação é a terapia EMDR ou dessensibilização e reprocessamento dos movimentos oculares. O Permanente Journal destaca que é um dos tratamentos eficazes em todos os processos traumáticos. Outras técnicas terapêuticas como as seguintes também são muito úteis:
- Terapia de Processamento Cognitivo (CPT), um modelo conveniente para lidar com casos de abuso e maus-tratos sexuais.
- Os psicotrópicos são uma alternativa valorizada por médicos e psiquiatras, para dar continuidade ao tratamento contra a dissociação emocional.
- Terapia cognitivo-comportamental focada no trauma. Graças a técnicas como reestruturação cognitiva, regulação emocional e exposição a estímulos aversivos, o paciente integra experiências dolorosas.
- Terapias somáticas, que sugerem que a dissociação deixa uma marca profunda desse sofrimento na esfera física. Abordar as sensações e o desconforto somático reduz gradativamente a dor emocional.
Recomendação final
A dissociação é um mecanismo útil da mente, mas a longo prazo prejudica a qualidade de vida. É verdade que há memórias, experiências e imagens que é melhor não devolver à nossa consciência. No entanto, é necessário processar a experiência traumática para integrá-la à nossa identidade com menor carga de sofrimento.
Esse é o propósito da terapia psicológica. Portanto, não hesite em pedir ajuda especializada se precisar.
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