Comunicação paradoxal: 6 chaves para entendê-la

Comunicação paradoxal: 6 chaves para entendê-la
Sara Clemente

Escrito e verificado por psicóloga e jornalista Sara Clemente.

Última atualização: 05 janeiro, 2023

Por que, às vezes, as pessoas dizem “sim” quando estão pensando em um “não” ressonante?Por que preferimos ficar calados e não dizer nada, se na realidade temos muito claro o que queremos? Quais mecanismos estão subjacentes a estas situações? A comunicação paradoxal é a responsável.

Dia após dia estamos imersos em um grande número de relações. Por isso, o objetivo da comunicação humana é chegar ao entendimento com os demais. É tão difícil conseguir isso?

Sim, mas não, e tudo ao contrário

A relação que mantemos com os outros é muito determinada pela forma como nos comunicamos. Os subentendidos, as suposições, as falácias ou as ambiguidades não se tornam boas amigas da clareza comunicativa.

Especificamente, a comunicação paradoxal é uma contradição resultado de uma dedução correta a partir de premissas consistentes. Ainda que possa parecer um quebra-cabeça, com este exemplo de conversa entre mãe e filha você vai entender melhor:

  • Meu bem, me ajude a pôr a mesa.
  • Mãe, pensei que talvez seja melhor eu não ficar para o almoço de família hoje. Prefiro ir com minha amiga ao cinema, ok?
  • Bom, você quem sabe…
Mãe e filha com dificuldades de comunicação

Ainda que, com certeza, a vontade da mãe fosse que sua filha ficasse para o almoço, suas palavras deixaram a decisão nas mãos da jovem. A mãe pensa uma coisa, diz o contrário, e sua filha deve inferir que ela gostaria que ela ficasse. Surgirá nela a dúvida entre ceder à intenção oculta de sua mãe ou ficar atenta ao conteúdo. O que quer que ela faça influenciará sua mãe, causando uma mudança na relação naquele momento. Este é um exemplo de comunicação paradoxal.

Para que a resposta da mãe fosse consistente com o que ela quer, ela deveria ter se expressado dessa forma:

  • “Não. É melhor você ficar aqui, almoçar conosco, e outro dia você vai com sua amiga ao cinema”.

Há muitos outros casos como esse que vão surgindo em nosso dia a dia. É evidente que não importa apenas o conteúdo da mensagem que queremos transmitir, mas sim a intenção que se esconde por trás dessa mensagem.

O paradoxo se caracteriza pela ambiguidade

A comunicação paradoxal se baseia na diversidade de formas como podemos interpretar uma mesma mensagem. Duvidamos das intenções da outra pessoa e optamos por interpretar o que ela nos diz da forma que mais nos convém.

A questão é que esta explicação que construímos não necessariamente vai coincidir com a que o outro quer nos transmitir. Ou sim. Aí surgem a incerteza, a confusão e o desentendimento.

Quanto mais específicos formos no que queremos transmitir, menos espaço deixaremos para a ambiguidade e maior qualidade comunicativa teremos com os demais.

A lógica do desentendimento de Watzlawich

Paul Watzlawick foi um teórico e psicólogo austríaco que se transformou em uma referência no campo da psicoterapia. Suas pesquisas explicaram porque às vezes é tão difícil alcançar uma metacomunicação e tão fácil fazer o contrário: se desentender. Para compreender isso, é bom conhecer seus 5 axiomas da comunicação humana:

  • É impossível não se comunicar: a comunicação acontece sempre, porque no mínimo transmite a mensagem de que não queremos nos comunicar. O silêncio também é comunicação.
  • Toda comunicação tem um nível de conteúdo (o quê) e um nível de relação (como).
  • A natureza de uma relação depende da gradação que os participantes fazem das sequências comunicacionais entre eles: o processo comunicativo é um sistema de retroalimentação, gerado por um emissor e um receptor.
  • A comunicação humana implica duas modalidades: nível digital e nível analógico. Iremos nos aprofundar em ambas a seguir.
  • Os intercâmbios comunicacionais podem ser tanto simétricos quanto complementares: dependendo de se há ou não igualdade no relacionamento.

A comunicação humana implica duas modalidades

Para Watzlawick, há dois tipos de linguagem para expressar um mesmo conteúdo: o nível analógico e o digital.

  • Nível digital: o que é dito. Refere-se ao conteúdo próprio da mensagem, o compreensível, direto e que não precisa ser traduzido. Quando se diz “preciso de mais carinho”, “estou muito feliz”, “quero que me valorize”. Aí não cabem interpretações. O significado e o significante coincidem.
  • Nível analógico: o que se quer dizer realmente. Qual é a intenção ou o fundo que essas palavras escondem. Implica um nível maior de inferência.

No exemplo anterior, a mãe estaria transmitindo a mensagem a sua filha nestes dois tipos de linguagem:

  • Nível digital: “Você decide se fica para almoçar ou vai ao cinema”.
  • Nível analógico: “Fique aqui, porque você precisa fazer o que sua mãe está dizendo”.

A teoria do duplo vínculo

Da mesma maneira que estes dois níveis podem coincidir, eles também podem se contradizer. A linguagem e as palavras não têm, por si só, um duplo sentido, somos nós que lhes atribuímos isso.

Autores como Bateson, Jackson, Haley e Wakland continuaram se aprofundando neste fenômeno e falaram da existência de um vínculo duplo: o paradoxo feito da contradição. Estudaram este tipo de comunicação paradoxal em pacientes diagnosticados com esquizofrenia.

Com os resultados de sua pesquisa, explicaram como o contexto familiar e a comunicação influenciam o surgimento e manutenção deste tipo de patologia. Definiram o vínculo duplo como uma relação doentia que tem as seguintes propriedades e características:

  • Acontece quando há uma situação de muita intensidade ou carga emocional.
  • Existe uma comunicação paradoxal: são emitidas, ao mesmo tempo, duas mensagens contraditórias. Na maioria das vezes uma de forma verbal e outra de forma não verbal. É fruto de um grau de inconsistência entre os dois níveis anteriores (analógico e digital).
  • Existe uma relação de poder entre quem emite a mensagem e quem a recebe. A pessoa que emite a mensagem impede o outro de decifrar e falar da contradição. Ainda, não lhe deixa margem para agir. Faça o que for, ele está preso na armadilha.

Bateson ilustrava o duplo vínculo com um exemplo muito revelador. Usava o caso de uma família onde o irmão mais velho estava provocando constantemente o irmão mais novo, que além de tudo era uma criança muito tímida.

A provocação chega a tal ponto que o pequeno grita de frustração e impotência ao se sentir desprezado. As consequências são que o irmão para de incomodá-lo, mas os pais o castigam por ter gritado.

Nessa situação, a criança está recebendo duas mensagens totalmente contraditórias. Por um lado, deve expressar seus sentimentos para ser aceito (não ser objeto de provocação). Por outro, não deve fazer isso para ser igualmente aceito (se ele grita, as consequências o prejudicam). Com qual delas ele fica?

Os autores concluíram que o duplo vínculo é uma forma disfuncional e desequilibrada da comunicação, que desorienta e confunde as pessoas. O sujeito não sabe a que se ater e isso leva a uma série de possíveis transtornos e dificuldades no relacionamento dele com os demais e consigo mesmo.

Pai dando uma bronca em sua filha

Como podemos observar, estamos rodeados de comunicação paradoxal e de duplos vínculos. 

A comunicação paradoxal como motivo de conflito em um relacionamento

Quando surgem conflitos em uma relação amorosa, costuma-se procurar o problema na falta de comunicação mútua. Assim como no contexto familiar, também transmitimos mensagens contraditórias sobre como nos sentimos ou o que queremos ao nosso parceiro.

  • Mulher: Hoje tive um dia de trabalho extenuante. Além disso, as crianças ficaram brincando na sala e olha como deixaram tudo!
  • Marido (pensa): E o que você quer? Acabei de chegar em casa e também estou muito cansado. Não está me pedindo para limpar toda a sala, certo?
  • Marido (diz): Você vai limpar, não?

A forma como o marido responde a sua esposa é reveladora. Não somente supõe que ela está pedindo indiretamente que arrume a sala, mas também não percebe que sua resposta está totalmente fora de contexto e beira a grosseria.

O mais conveniente seria que ele lhe perguntasse: “Você quer que eu arrume? Quer que eu te ajude? Do que você precisa?”. No entanto, decide, fruto de suas crenças e suposições arraigadas, que a intenção dela é de não arrumar a sala.

Casal discutindo

Isso reflete que ambos não estão transmitindo suas intenções com clareza suficiente. Além disso, a comunicação paradoxal não costuma ser algo pontual, e tem um efeito de bola de neve. Costuma ir se arrastando de conversa em conversa e pode chegar a se tornar crônica no relacionamento.

Nas entrevistas conjuntas que são feitas com o terapeuta, pode-se observar como um casal gesticula energicamente e emite críticas agressivas, ao mesmo tempo em que disfarça sua hostilidade com uma linguagem que parece carinhosa ou vice-versa.

Identificar o paradoxo ajuda, em alguns casos, a ler o outro, a saber o que ele pensa ainda que esteja calado. Porém, em outras ocasiões onde não há tanta disposição ao entendimento, pode gerar consequências muito prejudiciais para o relacionamento. Insistimos que para podermos nos comunicar de uma forma adequada, a primeira coisa que temos que fazer é entender a nós mesmos.

“No dia em que você parar de fazer suposições, vai se comunicar com habilidade e clareza, livre de veneno emocional.”
-Miguel Ángel Ruiz –

Bibliografia

  • Watzlawick, P., Bavelas, B. y Jackson, D. (2008). Teoría de la comunicación humana. Nueva York: Herder.
  • Cejalvo, J. (2009). La personalidad desde la perspectiva sistémica. En J. A. Ríos, Personalidad, madurez humana y contexto familiar. Madrid: CCS.
  • Mucchielli, A. Psicología de la Comunicación; Paidós Comunicación, págs. 115-117.

Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.