Exercício de aceitação radical para administrar o sofrimento

Aceitar a realidade de um fato desafiador e adverso não faz com que seja menos doloroso. No entanto, lhe permite observar essa situação desde uma posição mais relaxada para tomar consciência desses aspectos sobre os quais você tem controle.
Exercício de aceitação radical para administrar o sofrimento
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 04 maio, 2023

“Isso não está acontecendo comigo.” Quantas vezes já dissemos a nós mesmos essa mesma frase quando, de repente, a adversidade aparece em nossas vidas? Sem dúvida muitas. Porque o cérebro ativa instantaneamente um mecanismo de negação feroz para tentar se manter à tona nesses momentos difíceis. Ele quer que continuemos, não importa o que aconteça.

Negar uma realidade desconfortável e estressante pode funcionar para nós por um tempo. É útil para quem, por enquanto, não quer assumir que aquele pai que antes dava conta de tudo, agora tem dias que fica desorientado e não conhece ninguém. É útil para quem diz a si mesmo que esse descaso por parte do parceiro é temporário e que, em alguns dias, será o mesmo de sempre.

Porém, às vezes, quando o que nunca desejamos acontece e é real, é inútil fingir que não existe. Porque a fatalidade aos poucos vai ficando mais evidente e chega uma hora que a gente tem que saber lidar com ela. O primeiro passo, o mais decisivo, é aceitar a presença dessa dimensão cinzenta e incômoda. Para isso, existem técnicas que podem nos ajudar.

“A aceitação é a única saída do inferno.”

-Marsha M. Linehan-

menina pensando em exercício de aceitação radical
Toda existência tem suas partes cinzentas, aceitá-las nos permitirá seguir em frente para desfrutar de momentos mais brilhantes no futuro.

Aceitar a adversidade para regular melhor as emoções

Marsha Linehan é uma renomada psicóloga que introduziu a terapia comportamental dialética no cenário clínico. Embora inicialmente tenha desenvolvido esse modelo especificamente para pacientes com transtorno de personalidade limítrofe (TPL), mais tarde descobriu que era válido e eficaz no tratamento de muitos outros transtornos psicológicos.

Em seu livro Manual de treinamento de habilidades DBT, nos ensina que muitas vezes as pessoas passam por mais de um inferno ao longo de suas vidas. Segundo ela, a única forma de sair desse espaço é passar por um período de miséria contínua. Se não aceitarmos essa realidade e esse tempo em que tudo dói e arde, o que acontecerá é que afundaremos muito mais fundo nesse inferno.

A aceitação radical é a ferramenta que nos permite compreender melhor o que nos acontece, assumindo realidades adversas, bem como as emoções difíceis que delas surgem. A Dra. Linehan nos forneceu este recurso para um propósito muito específico.

Essa é uma estratégia ideal para facilitar a redução do sofrimento desnecessário e aumentar a capacidade do paciente de navegar pelos momentos difíceis, concentrando-se nas dimensões que estão sob seu controle.

Por exemplo, em um trabalho de pesquisa da Universidade de Heidelberg, ficou evidente como a aceitação radical melhora o gerenciamento de estados emocionais ligados a traumas devido a abusos na infância. Vergonha, medo, culpa, angústia e repulsa foram significativamente reduzidos.

Se uma pessoa não assume suas dificuldades, seus desafios, suas adversidades ou seus traumas, desenvolverá uma grande vulnerabilidade emocional, tomará más decisões e terá a sensação de que não pode controlar nada do que lhe acontece.

Mulher com luz em mente, simbolizando pessoas altamente focadas
Quando aceitamos as coisas como elas são, podemos tomar decisões mais ponderadas e lógicas.

Como aplicar o exercício de aceitação radical

Aprender algum exercício de aceitação radical pode ser tão útil quanto enriquecedor. Além disso, aos poucos conseguiremos dar forma ao que conhecemos como “mente sábia”. Ou seja, poderemos desenvolver uma abordagem mental mais reflexiva, capaz de filtrar a realidade da calma e não da catastrofização. Só assim passamos melhor pelas dificuldades do dia a dia, com ações mais ponderadas.

Vamos descobrir agora como realizar esse recurso tão saudável.

1. Contra o que você está lutando?

Contra o que você resiste? Muitos de nós desenvolvemos uma resistência complexa a eventos difíceis que são difíceis de aceitar. Não querer ver o que dói, frustra ou contradiz, não o faz desaparecer, apenas o intensifica. Desgosto, doença, perda, decepção, a dor não curada de ontem ainda estará presente, mesmo que lutemos para não vê-la.

Portanto, o primeiro passo para realizar o exercício da aceitação radical é assumir o que te perturba e reduz o seu bem-estar.

2. Assuma que a realidade é desagradável, você não pode mudá-la

Não temos poder contra o destino. Não podemos fazer com que aquela coisa desagradável que nos aconteceu seja apagada de nossa mente. Ninguém tem capacidade para que os relacionamentos ou o curso da vida estejam sempre a seu favor. As partes desagradáveis de nossa existência não podem ser mudadas, elas são o que são.

A aceitação nos orienta a integrar o momento atual como ele é; sem julgamentos de valor, sem cair na angústia que bloqueia ou no medo que vê tudo como catastrófico.

3. Encontre seus próprios recursos de aceitação emocional

O exercício de aceitação radical não fará com que a dor desapareça, mas a tornará administrável. Isso permitirá que você pense melhor, decida com mais eficácia e se concentre no que realmente importa. No entanto, para isso, você deve encontrar as técnicas diárias de regulação e aceitação emocional que melhor se adaptam às suas necessidades e características.

Estes são alguns exemplos:

  • Técnicas de relaxamento e respiração.
  • Atenção plena ou mindfulness.
  • Dar forma a um diálogo interno mais compassivo.
  • Apoio social do nosso entorno.
  • Exercício físico.
  • A arte como mecanismo de catarse emocional.

4. Faça uma lista do que você faria se aquele evento adverso não existisse

O que você gostaria de fazer hoje se não tivesse sido diagnosticado com essa doença? Como seria sua vida se você já tivesse aceitado que seu parceiro não te ama? Que projeto você realizaria se já tivesse assumido seu passado traumático?

Faça uma lista, anote tudo o que você gostaria de fazer se as adversidades não estivessem presentes em sua vida, e então dê o passo: execute-as.

5. Reconheça que a vida, apesar de tudo, merece ser vivida

Acredite ou não, ninguém tem uma vida idílica. Não acredite no que vê nas redes sociais, não pense que os outros são sempre melhores que você. Porque a existência é definida pelo claro-escuro, por momentos de luz e momentos de escuridão e, apesar disso, viver sempre valerá a pena.

O sofrimento, mesmo que o domine agora, é temporário. Chegará um momento em que a tristeza e a angústia presentes pesarão muito menos e você se levantará do abismo. Para isso, você deve aceitar o que agora o perturba e apaga sua alegria, porque, apesar dessas nuvens negras, este mundo continua guardando bons momentos para você.

Basta confiar e tratar com profissionais especializados o que você precisa para se curar.

Não disfarce seu sofrimento, tente aceitá-lo

Se você tem deixado uma voz interna lhe dizer que “agora você não tem tempo para pensar no que dói, negue-o, não existe, isso não aconteceu”, pare. Você não irá muito longe colocando esses óculos escuros. É verdade que vivemos numa época em que imperam o gozo e o filtro que camufla a realidade.

Porém, disfarçar o sofrimento nos torna uma sociedade doente que não sabe o que fazer com a dor do dia a dia. Esse exercício de aceitação radical nos permitirá nos fortalecer em uma competição mais saudável: o autocuidado.


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  • Görg N, Priebe K, Böhnke JR, Steil R, Dyer AS, Kleindienst N. Trauma-related emotions and radical acceptance in dialectical behavior therapy for posttraumatic stress disorder after childhood sexual abuse. Borderline Personal Disord Emot Dysregul. 2017 Jul 13;4:15. doi: 10.1186/s40479-017-0065-5. PMID: 28717512; PMCID: PMC5508787.
  • Linehan, MM (2014). Folletos y hojas de trabajo de capacitación de habilidades DBT . Prensa Guilford.
  • Linehan, MM (2014). Manual de entrenamiento de habilidades DBT . Prensa Guilford.

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