Federico García Lorca: a biografia do poeta silenciado
Se Federico García Lorca não tivesse sido fuzilado, teríamos celebrado seu 121º aniversário recentemente (supondo que ele também tivesse uma vida mais longa que o normal). Sua morte é uma das mais comentadas na consciência nacional espanhola, se tornando uma lembrança do que significou a Guerra Civil, um episódio difícil de esquecer.
Lorca é apenas uma das diversas vítimas da guerra; vítimas com nomes não tão familiares, mas cujos desejos de viver foram injustamente arrebatados pela crueldade do fascismo.
A figura de García Lorca se torna assim ainda mais relevante, já que ele não é apenas um dos melhores escritores nascidos na Espanha, mas também uma das inúmeras vítimas deixadas pela Guerra Civil.
No presente estudamos Lorca com admiração e entusiasmo, mas seu trágico final nos deixa um gosto amargo. A obra deste escritor que é tão aclamada atualmente não teve a mesma recepção durante a vida dele, e só depois da morte ele alcançou o reconhecimento unânime. Não podemos nos esquecer de que algumas das suas obras mais reconhecidas foram publicadas postumamente.
Neste artigo nos propusemos a prestar uma pequena homenagem a esse escritor, relembrar o seu trabalho e celebrar a sua vida, sem deixar de lado o destino cruel que ele sofreu, e hoje nos ajuda a lembrar o que devemos evitar.
Federico García Lorca: vida
Federico García Lorca nasceu em 5 de junho de 1898 em Fuente Vaqueros, na província de Granada, em uma família com situação econômica estável. Ele não desenvolveu um grande interesse pelos estudos, mas mas sim pela escrita. Ele estudou o ensino médio em Almería, cidade na qual ele demonstrou a sua grande habilidade para a música; ele foi um homem interdisciplinar.
Posteriormente ele começou a estudar Filosofia, Letras e Direito na Universidade de Granada, mas a sua permanência em Andaluzia não duraria muito tempo.
Em 1919 ele decidiu se mudar para Madrid e se instalar na Residência de Estudantes , local por onde passaram muitos dos grandes intelectuais da época e onde ele cultivaria amizade com outras figuras fundamentais para a cultura espanhola da época, como Luis Buñuel, Salvador Dalí ou Juan Ramón Jiménez.
Ao longo de sua vida, ele sempre manteve um vínculo estreito com a sua terra e, principalmente, com a família. Esse carinho com a tradição também se refletirá em sua obra. Em 1920, a primeira peça de Lorca estreou no Teatro Eslava em Madrid, com o nome O maleficio da mariposa. Trata-se de uma peça com animais cujo tema pode ser classificado como ‘brega’, embora já comece a aparecer o amor característico de Lorca, no qual tudo é fatídico.
A peça se tornou um grande sucesso, e na década seguinte o dramaturgo conquistou certo prestígio através de algumas estreias teatrais. Nesse sentido, obras como A sapateira prodigiosa, Bodas de Sangue e Yerma se destacam. No final de 1932, ele fez uma viagem à Argentina com a qual obteve reconhecimento na América Latina.
Federico García Lorca é o dramaturgo espanhol mais representado, e sua produção adquire proporções gigantescas que, para além do teatro, inundam a poesia. A complexidade do estudo de Lorca contrasta com a difusão limitada que sua obra teve durante a vida do escritor.
A morte de Lorca
Em 18 de agosto de 1936, Federico García Lorca foi assassinado entre Víznar e Alfacar (Granada). De fato o dramaturgo poderia ter escapado da morte se tivesse se exilado na América Latina, mas em vez disso preferiu se refugiar com a família na Huerta de San Vicente, residência familiar na província de Granada.
A Guerra Civil acabava de estourar, e o cunhado de Lorca, Manuel Fernández Montesinos, era o prefeito socialista de Granada na época, sendo fuzilado pouco antes do assassinato de Federico.
O dramaturgo nunca se posicionou realmente em relação à política, mas era um homem do mundo e, além disso, homossexual. Sua homossexualidade e uma suposta infiltração com os russos o levariam à morte, apesar de ele ter exaltado a Espanha e suas raízes em mais de uma ocasião.
Lorca era amigo de Luis Rosales, um poeta falangista, e decidiu se refugiar na casa da família. No entanto, em 16 de agosto de 1936 ele foi preso.
A partir desse momento, uma série de inconsistências rodeia a morte de Lorca, pois não se sabe ao certo o que realmente aconteceu ao poeta. Mas sabemos do envolvimento de Ramón Ruiz Alonso. Dizia-se que Lorca havia colaborado com o socialista Fernando de los Ríos, com os russos e, além disso, sua homossexualidade foram motivos para o assassinato.
Juan Luis Trescastro, advogado fiel à falange, parece ter envolvimento na execução; fala-se inclusive que ele disse: “acabei de dar dois tiros na bunda de García Lorca, por ele ser bicha“. A sua morte e restos mortais até hoje estão cercados de mistério, mas não há dúvida de que a Espanha daquela época e o crescente e dominante regime de Franco acabaram com a vida de Lorca, um dos melhores escritores que já existiram.
Embora alguns relatórios policiais da época pareçam lançar um pouco de luz sobre os acontecimentos em torno do assassinato de García Lorca, a verdade é que o dramaturgo não foi a única vítima de uma guerra injusta.
Federico García Lorca e a Geração de 27
Quando abordamos um estudo geracional da literatura espanhola, é importante esclarecer o que exatamente entendemos por ‘geração’. Segundo alguns estudiosos como Petersen ou Dámaso Alonso, existem certas particularidades em comum entre os autores desta geração:
- Idade similar.
- Homogeneidade na educação.
- Relações pessoais intensas entre os membros.
- Existência de uma referência ou modelo.
- Linguagem geracional.
- Ruptura com a geração anterior.
Dámaso Alonso tenta definir o que aconteceu na poesia espanhola entre os anos 20 e 30. A abordagem dele é uma tentativa de definir por aproximação o que este grupo de poetas poderia significar. Ele menciona poetas como: Jorge Guillén, Pedro Salinas, Gerardo Diego, Federico García Lorca, Rafael Alberti, Vicente Aleixandre, etc.
Dámaso Alonso insiste em um ato na formação do grupo para defender a denominação do mesmo: o Centenário da morte de Luis de Góngora, que envolveu um encontro no Ateneo de Sevilla. Esses participantes começaram a colaborar em revistas desde cedo, de forma que trabalharam em La Pluma, España, etc.
No início da década de 1920 as vidas desses literatos começam a se cruzar, culminando em uma série de trabalhos conjuntos. Por sua vez, a Residência de Estudantes se tornou um dos núcleos que reunia os intelectuais do momento.
García Lorca conviveu na Residência de Estudantes com outros artistas, participou de grandes momentos literários da sua geração e, sem dúvida, é um dos nomes que mais repercutem quando falamos da Geração de 27.
Produção literária
Os manuscritos se acumularam em gavetas e demoraram muito para serem publicados. Uma de suas obras mais conhecidas, Poema do Cante Jondo, foi escrita no final de 1921 e publicada apenas dez anos depois.
Durante os últimos anos da década de 20, Lorca publicou Canções, uma obra que, para muitos admiradores, é uma das coleções fundamentais da poesia do autor. Nos últimos anos de sua vida, a produção de Lorca é imensa, mas poucas obras veem a luz, algumas são: Canto a Ignacio Sánchez Mejías e Poemas Galegos.
Observamos uma grande variedade de registros e uma forte conexão com o mundo da música; Lorca escreve letras, mas o faz a partir de uma posição investigadora. Ele rompe as barreiras mais tradicionais e introduz elementos de outras culturas, como a árabe. Desse modo, nos deparamos com uma produção rica e inovadora.
Lorca extrai de suas raízes andaluzas o Poema do Cante Jondo, livro no qual encontramos a Pequena balada dos três rios. Nele o escritor atravessa a geografia andaluza mas não cai no descritivo, optando em vez disso pela sugestão e valendo-se do que aprendeu do flamenco.
As cidades andaluzas aparecem: Sevilha de forma majestosa, Granada através de rios menores. Além da geografia, são abordadas questões como o amor impossível, sendo feita uma aproximação com o popular, sem deixar de lado o exercício culto de sua poesia.
Essa conexão com as raízes levou Lorca a trabalhar por muito tempo na redação de um livro de romance em que a cultura cigana tinha uma presença especial. Assim, começa a ser escrita As Baladas Ciganas, obra que não deixou de ser criticada e que muitos contemporâneos chamaram de costumista.
O poeta se impregnava de elementos culturais, mas estava familiarizado com a poesia de Góngora e, por fim, o resultado é uma coleção de 18 romances que combinam seu conhecimento da poesia culta com a popular.
Os ciganos se tornam os protagonistas da obra, o lírico toma conta do romance e, ao mesmo tempo, na narrativa encontramos uma história, diálogos entre personagens e até interpelações que vão além do poema. Lorca reúne frases populares e as transforma em linguagem teatral, investiga a alma e as profundezas de uma cultura considerada marginal.
Lorca foi o poeta assassinado pelo regime de Franco, o poeta que ascendeu à crença de ser a “primeira pessoa importante assassinada”. Uma mancha negra na história da Espanha, mas sem dúvida uma figura que nos lembra o horror do passado e a magia da literatura.
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- Colecchia, F.: García Lorca. A selectively annotated bibliography of criticism (Nueva York-Londres, 1979).
- Gil, Ildefonso-Manuel (ed.): Federico García Lorca (Madrid, 1973).