Bullying na escola: a ferida emocional para a vítima e sua família
O texto que você vai ler agora é a expressão do sofrimento de uma família e de uma criança vítima de bullying na escola. O texto expressa como a angústia consome os dias da vítima e quais são as consequências mais imediatas desse doloroso sofrimento:
“Não sabemos o que acontece com ele. Ele tem dores de estômago e de cabeça constantes, não tem um sono de qualidade como antes, acorda todas as noites angustiado e vem para a nossa cama, fica excessivamente preocupado com algumas coisas sobre as quais nem pensava antes.
Ele tem mudanças bruscas no humor, um segundo está tranquilo e no segundo seguinte fica com muita raiva e começa a chorar descontroladamente. Às vezes se mostra rebelde até quando falamos para ele parar de roer as unhas ou de arrancar seu cabelo, comportamentos que até então nunca tínhamos visto nele.
Alguma coisa o está angustiando, mas não sabemos o que é porque ele não fala conosco. Suspeitamos que está acontecendo alguma coisa no colégio, talvez esteja sofrendo muita pressão, ou talvez alguma criança esteja causando problemas. Seguimos perguntando sobre como ele está, perguntamos também para seu professor, para seus irmãos, para os pais dos seus amigos… mas ninguém sabe de nada nem traz nenhuma informação.
Em alguns momentos, ele fica bastante carente e, ainda que sempre tenha sido uma criança muito carinhosa, a dependência que ele está desenvolvendo está começando a nos preocupar. Ele pede nossa atenção de modo exagerado em alguns momentos do dia, e como não sabemos o porquê disso tudo estar acontecendo, aproveitamos o momento para tentar identificar a origem e falar com ele sobre o que está se passando na vida dele.
Às vezes ele se fecha completamente e diz que não quer conversar, que tem vergonha. Mas outras vezes ele nos diz que não quer ir para a escola, que algo ruim está acontecendo lá. Finalmente ele nos contou que há um grupo de crianças que está implicando com ele, que o xingam, que brincam entre si falando sobre ele e que, inclusive, já chegaram a bater nele.
Nosso mundo desmoronou. Finalmente colocamos um nome na origem de sua dor, toda sua angústia e seu mal-estar. O nome é bullying escolar.
Imediatamente demos o primeiro passo: falar com o colégio. Isso tinha que ser resolvido. Essas crianças têm que sofrer alguma consequência. Nosso filho não pode continuar passando pelo que tem passado. Nem o nosso nem o filho de mais ninguém.
É hora de organizar as ideias para pensar no que podemos fazer, como podemos agir. É difícil quando isso acontece com você e você tem que se segurar para não dizer coisas para as crianças e as famílias das crianças que estão perturbando seu filho. Sabemos, no entanto, que o melhor é evitar que a criança tome parte dos conflitos ou enfrentamentos diretos.
Por isso, agora mesmo, aguardamos e tentamos controlar nossas emoções descontroladas. Esses sentimentos que brotam não nos deixam pensam com muita clareza, mas dando tempo ao tempo e nos afastando um pouco da situação fica mais fácil pensar na melhor forma de agir.
O importante nesse primeiro momento é criar um ambiente seguro para o nosso filho. Já estamos trabalhando nisso, estamos fazendo tudo o que podemos fazer nesse sentido. O colégio também começará a tomar atitudes. Professores e amigos estarão atentos a cada movimento e cada gesto que os agressores façam contra nosso filho.
Mas isso não é tudo. A ferida emocional que esse bullying na escola gerou em nosso filho continua e continuará lá. Mesmo que agora já estejamos ajudando, ele continua com medo e a angústia ainda está lá, assim como a rejeição de ir à escola. O que mais podemos fazer?”
Como ajudar uma criança a lidar com a ferida emocional do bullying na escola
Ajudar uma criança vítima de bullying a lidar com sua ferida emocional gerada pela situação de maus-tratos não é uma tarefa fácil para as famílias. Como tornar essa tarefa menos árdua?
- Estabelecer um espaço seguro e um ambiente de confiança: é essencial oferecer a segurança de que as pessoas a sua volta vão garantir que nada mais aconteça, que as pessoas a sua volta estão do seu lado e que os agressores sofrerão as consequências de seus comportamentos. No entanto, mesmo que isso pareça difícil deve-se evitar a superproteção, pois o excesso de cuidado pode gerar um caso de dependência que, a longo prazo, traz muitas consequências negativas.
NOTA: a criança pode persistir em sua rejeição de ir ao colégio mesmo quando o controle necessário para evitar o bullying já tiver sido estabelecido pela escola. É importante que expliquemos a ela que o ambiente já é seguro, que é bom ir para o colégio e que retornar às aulas ajudará a se sentir melhor, um pouquinho mais cada dia. Podemos facilitar esse processo de reintrodução – no caso de ter ocorrido uma pausa na frequência escolar – expondo a criança pouco a pouco ao ambiente da escola: reuniões com os amigos, passeios perto do colégio ou inclusive reintrodução por poucas horas nos casos de maior gravidade, até que a criança entenda que não há perigo e possa frequentar o turno completo sem angústia.
- Falar com a criança claramente sobre seu sofrimento: o mal-estar deve ter nome, e pode ser que a criança não saiba verbalizar o que está sentindo e dar nome à ansiedade, tristeza, raiva ou um conjunto de emoções negativas. A consciência emocional é o primeiro passo para que as crianças elaborem o que está acontecendo ou o que aconteceu com elas. Usaremos termos adequados para sua idade e seu nível de desenvolvimento para ajudar a avançar na compreensão do caso. Tudo isso é feito sem pressão e sem fazer com que eles se sintam responsáveis pela presença dos sintomas.
- Ensinar técnicas de relaxamento e outros recursos de alívio emocional: é essencial que a criança desenvolva recursos que permitam que ela alivie a tensão. O relaxamento ajudará a acalmar o estresse fisiológico próprio da ansiedade e das emoções que invadem sem pedir licença. Isso permitirá que a criança ordene sua mente e leve seu pensamento para imagens reconfortantes e positivas.
- Preencher o dia da criança com experiências positivas que permitam balancear o sofrimento gerado pela situações complicadas que viveu. Esses momentos são muito poderosos e permitem que a criança atraia para a sua mente pensamentos, imagens e lembranças confortáveis quando necessário, permitindo substituir aqueles que geram mal-estar para ela.
- Estabelecer um plano de ação para lidar com possíveis situações conflituosas no futuro: podemos falar com eles sobre como agir se estivermos no meio de alguma situação em que ficamos ameaçados ou presos. Temos que ter cuidado para usar a terminologia correta, para não julgar suas ações passadas, presentes ou futuras.
- Reforçar suas habilidades sociais: é preciso ir treinando as habilidades de gerir conflitos nas crianças, criando uma base forte para o seu comportamento. O estilo de comunicação assertivo é o melhor para resolver situações de conflito, sejam essas de bullying na escola ou não, de forma que ajuda as crianças a não se curvar nas relações com os outros e a saber tomar decisões favoráveis a si, afirmando seu espaço.
- Falar da importância de pedir ajuda: pedir ajuda não faz de ninguém fraco ou menos capaz social e pessoalmente. É muito importante transmitir essa mensagem para as crianças, sejam elas ou não vítimas de bullying na escola ou em qualquer outro lugar.
- Reforçar de modo constante e repetitivamente sua autoestima: temos que entender que as vítimas de bullying na escola são meninos e meninas que têm sua identidade questionada e atacada, seu pequeno “eu”. Por isso é muito importante reforçar no dia a dia a concepção que eles têm de si mesmos, sem cair em elogios exagerados mas identificando os pontos positivos do dia a dia enquanto caminhamos ao seu lado.
As crianças e suas famílias vítimas de bullying escolar sofrem muito. É essencial que as pessoas que rodeiam essas famílias mostrem compreensão e empatia com a grande dor que é gerada nessas situações. É igualmente imprescindível educar as crianças com valores de respeito, de tolerância e ao mesmo tempo de intolerância com a violência e a crueldade. A melhor maneira para fazer isso é falar abertamente sobre o tema desde pequenos, com uma linguagem apropriada para sua compreensão, e dar o exemplo a partir da prática do discurso anti bullying dentro do núcleo familiar.