O fenômeno do kindling: o que não mata te deixa mais fraco
O fenômeno de sensibilização do kindling descrito por Teasdale explica por que algumas pessoas ficam mais fracas após vários episódios depressivos. Curiosamente, essa explicação contradiz um dos mitos da sabedoria popular que diz que “o que não mata, fortalece”.
Esse efeito explica que, ao nos depararmos com novos estressores, estamos sempre condicionados pela experiência interna e pela experiência externa anterior. Por exemplo, após várias falhas no trabalho, cada vez que tentarmos fazer uma tarefa bem e falharmos, nos sentiremos mais frustrados e menos motivados do que na primeira vez.
Esse “nó de informação negativa relacionado ao trabalho” será facilmente ativado por qualquer nova experiência de trabalho. Nesse âmbito, existem muitas semelhanças e diferenças em cada pessoa.
Todos nós temos nós de informações negativas que são ativados por estressores e informações diferentes. Teasdale tenta explicar com o fenômeno do kindling como esses nós negativos são ativados nos seres humanos.
Teoria da hipótese diferencial da depressão de Teasdale
O fenômeno de sensibilização do kindling é enquadrado dentro de uma teoria mais ampla: a hipótese de ativação diferencial da depressão de Teasdale. Essa teoria foi proposta como uma explicação para a vulnerabilidade cognitiva à depressão.
Influenciado por Beck e Bower, Teasdale postula que cada emoção é representada na memória por um nó específico. Esse nó está conectado a cognições ou traços associados. No caso da depressão, as cognições são negativas. Quando um nó é ativado, a emoção correspondente é experimentada e a ativação se propaga através das conexões do nó.
O autor argumenta que os fatores que determinam se a depressão inicial se torna mais persistente são o grau de ativação e o conteúdo dos padrões desses nódulos. Isso levou à especificação de dois conceitos-chave: kindling e sensibilização.
Modelo de diátese-estresse
A teoria de Teasdale é um modelo de vulnerabilidade ao estresse no qual se presume que o tipo de evento que causa a depressão clínica em alguns indivíduos é capaz de produzir um humor leve ou disfórico em outros.
O aparecimento dos sintomas depressivos decorre da ativação do nó depressivo após a ocorrência de um evento estressante. Essa ativação se espalha para os nós ou construtos cognitivos associados (negativos). Se essa atividade cognitiva reativar os nós depressivos por meio de um mecanismo cíclico, estabelece-se um círculo vicioso que faz com que a depressão inicial se intensifique e permaneça.
Ao contrário da teoria de Beck, Teasdale não acredita que a correspondência entre o tipo de evento (tipo de estressor) e o tipo de nó ou construto cognitivo seja um requisito necessário. Para ele, à medida que aumenta a experiência pessoal de episódios de depressão maior, estressores ambientais de menor magnitude são necessários para provocar recaídas.
Pesquisas sobre modelos cognitivos de depressão costumam negligenciar as relações entre diferentes níveis de variáveis cognitivas e de personalidade, interação pessoal e fatores de eventos. No entanto, a teoria de Teasdale é um exemplo perfeito de uma explicação de como a pessoa recebe uma experiência, mas ao mesmo tempo a constrói.
Kindling e sensibilização: a dor é desencadeada com mais facilidade e se espalha mais rápido
A hipótese clássica de ativação diferencial (Teasdale, 1988) foi revisada por Segal, Williams, Teasdale e Gemar em 1996. Eles propuseram uma elaboração posterior dessa hipótese, sugerindo a aplicação dos conceitos de kindling e sensibilização.
- O fenômeno kindling pressupõe que a reativação contínua de estruturas cognitivas negativas faz com que as redes associativas entre construtos típicos da depressão sejam fortalecidas. Assim, uma ampla gama de estímulos pode favorecer a ativação da rede apenas com a ativação de um elemento.
- O efeito de sensibilização é explicado por uma diminuição no limiar de ativação de construtos típicos da depressão provocada pela ativação repetida dessas estruturas.
Esses aspectos agregam dificuldades à já problemática definição de estressor no modelo de vulnerabilidade-estresse. De acordo com essa teoria, a importância do estressor diminuiria à medida que a consciência cognitiva de uma pessoa aumentasse. Portanto, um estímulo mínimo poderia causar uma ativação da rede depressogênica em uma pessoa, sem ter que representar um grande estressor.
Depressão: o que você viveu e como você interpreta o que encontra
A vulnerabilidade à recaída depressiva é determinada pelo aumento do risco de padrões de informação negativos serem ativados em estados depressivos. Os estudos de sensibilização e kindling explicam a razão para esse risco aumentado de ativação de padrões de pensamento negativo.
Por um lado, o aparecimento de um episódio depressivo facilita a sua familiaridade na cognição, para que possa recorrer ao já conhecido processamento negativo diante de um novo estressor. Essa dependência dos nós negativos pela sua força e acessibilidade seria o fenômeno de kindling.
Por sua vez, essa dependência facilita que sua ativação futura seja alcançada a partir de sinais cada vez menos intensos, ou seja, facilita a sensibilização. O limiar de dor necessário é reduzido.
Esse modelo sugere que os processos relacionados à recidiva/recorrência e ao início do episódio podem não ser isomórficos. Este é precisamente o motivo de pesquisas e intervenções psicológicas destinadas a otimizar estratégias de prevenção de recaídas.
Deve ser esclarecido que a forma de processamento negativo supõe uma tendência, mas não uma permanência e imutabilidade. Certas experiências podem acentuá-lo ou atenuá-lo, apesar da sua relativa resistência à mudança.
Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.
- Beck, A.T. (1983). Cognitive therapy of depression: New perspectives. En P. Clayton (Ed.), Treatment of depression: Old controversies and new approaches. New York: Raven Press.
- Butler, A.C., Chapman, J.E., Forman, E.M. y Beck, A.T. (2006). The empirical status of cognitive-behavioral therapy: A review of meta-analyses. Clinical Psychology Review, 26:17-31
- Lewinsohn, P. M., Joiner, T. E., Jr., y Rohde, P. (2001). Evaluation of cognitive diathesis-stress models in predicting major depressive disorder in adolescents. Journal of Abnormal Psychology, 110, 203–215.
- Teasdale, J.D. (1988). Cognitive vulnerability to persistent depression. Cognition and Emotion, 2, 247-274.
- Teasdale, J.D., & Green, H. A. C. (2004). Ruminative self-focus and autobiographical memory. Personality and Individual Differences, 36, 1933–1943.