Kitty Genovese: a mulher que ninguém ajudou

Kitty Genovese: a mulher que ninguém ajudou

Última atualização: 02 junho, 2017

Kitty Genovese tinha 28 anos de idade. Quando voltava do trabalho, um homem se aproximou dela e a esfaqueou várias vezes nas costas. Depois, ele a agrediu sexualmente e lhe roubou 49 dólares. De acordo com o New York Times, era madrugada do dia 13 de Março de 1964 e 38 vizinhos ouviram os seus gritos por meia hora… mas ninguém fez nada.

No entanto, o tom truculento dos fatos vai muito além, porque a cena é cheia de detalhes e recantos onde adentramos no lado mais escuro do ser humano. Dizem que um homem chegou a abrir a janela tentando assustar o agressor gritando: “Deixe essa garota em paz”. Nesse momento o agressor, Winston Moseley, se afastou dela por alguns minutos e Kitty conseguiu se levantar gravemente ferida e entrou na portaria de um edifício.

“O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, mas por aquelas que permitem a violência”.
-Albert Einstein-

Ninguém a ajudou. Quem viu tudo isso pensou que talvez não tivesse acontecido nada, não era tão grave. No entanto, Moseley a encontrou novamente para agredi-la mais uma vez e acabar com a sua vida. Dias depois, toda a sociedade nova-iorquina prendeu a respiração quando o New York Times publicou uma série de longos artigos, onde descrevia de forma precisa e sem anestesia essa apatia, esse silêncio e desumanidade que, como um ser sem alma, corroíam aquela cidade adormecida.

O simbolismo narrativo dessas publicações eram uma autópsia psicológica de uma sociedade que foge das suas responsabilidades, que decide não agir, desviar o olhar e se refugiar na privacidade dos seus mundos pessoais, ignorando qualquer grito, qualquer pedido de ajuda.

O caso de Kitty Genovese mudou muitas ideologias, e trouxe novas formulações no campo da psicologia. Vamos refletir sobre isso.

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Kitty Genovese e o reflexo de uma sociedade

Winston Moseley era afro-americano, maquinista de profissão, era casado e tinha 3 filhos. Quando foi preso após um assalto, não demorou muito para confessar o assassinato de Kitty Genovese e de outros dois jovens. Os psiquiatras disseram que ele sofria de necrofilia. Ele morreu na prisão com 81 anos depois de protagonizar ataques violentos dentro das prisões e instituições psiquiátricas.

O agressor de Kitty cumpriu a sua pena, enquanto ela ficou para sempre no imaginário coletivo como a garota que ninguém ajudou, como a mulher que morreu diante de 38 testemunhas que foram incapazes de reagir. Isto foi explicado dessa forma pelos meios de comunicação, e foi publicado no famoso livro “Trinta e oito testemunhas: o caso Kitty Genovese”, de AM Rosenthal, editor do New York Times naquela época.

No entanto, de acordo com um estudo publicado na revista American Psychologist em 2007, a história do assassinato de Kitty Genovese foi um pouco exagerada pela mídia. Na verdade, no documentário “The Witness” (2015), podemos ver a luta do irmão de Kitty tentando descobrir o que realmente aconteceu e se deparando com algo tão simples quanto sombrio: ninguém conseguia realmente ver o que estava acontecendo, e aqueles que chamaram a polícia foram ignorados porque nenhum deles conseguia explicar claramente o que estava acontecendo.

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O efeito Genovese ou a “Teoria da Difusão da Responsabilidade”

De qualquer forma, esse fato serviu para que os psicólogos sociais formulassem a “Teoria da Difusão da Responsabilidade”. Na realidade, não importa se as testemunhas viram ou não viram a agressão a Kitty Genovese, se eles chamaram ou não a polícia. Também não importa se foram 12, 20 ou 38 pessoas, conforme o relato do New York Times. O problema é que ninguém atendeu seus gritos, durante 30 minutos ninguém parou ou se aproximou do local onde ela estava sendo agredida.

Os psicólogos John Darley e Bibb Latané explicaram este comportamento através da teoria da “difusão da responsabilidade”. Nesta teoria, está implícito que quanto mais pessoas presentes, maior a chance de que deixem de agir, na expectativa de um compartilhamento de responsabilidade, ou seja, não vou fazer nada, pois alguém certamente fará. Quando alguém precisa de ajuda, os observadores assumem a ideia de que uma outra pessoa ajudará, de que alguém “fará algo”. No entanto, o resultado deste pensamento individual é que todos os observadores se abstêm de intervir, e a responsabilidade será completamente diluída entre o grupo.

Quando a responsabilidade é diluída no grupo, ninguém assume nada. Isso é algo que podemos observar quando pedimos algo. É melhor dizer: “Pedro, por favor acenda a luz” do que “Por favor, alguém acenda a luz”. No primeiro caso, chamamos uma pessoa específica e evitamos essa difusão de responsabilidade.

Finalmente, note que na difusão de responsabilidade, referindo-se aos casos de ajuda ou assistência, outros fatores moduladores estão envolvidos:

  • Se a pessoa se identifica mais ou menos com a vítima. Uma maior identificação produz menos difusão de responsabilidade.
  • Se a intervenção pode envolver um custo pessoal, como no caso de Kitty ser agredido também, as chances de difusão de responsabilidade aumentam.
  • Se a pessoa pensa que está em uma melhor ou pior posição do que o restante do grupo para ajudar. Por exemplo, um especialista em defesa pessoal se sentirá “mais obrigado” a agir em uma situação de risco do que alguém que não sabe como se defender. As pessoas que estão mais próximas se sentem mais obrigadas a agir do que aquelas que estão longe.
  • Se a pessoa acredita que a situação é grave ou não. Diante de uma situação grave a difusão de responsabilidade é menor, como também é menor quando o pedido de ajuda se prolonga por muito tempo ou aumenta de intensidade.

A importância de não tratar a violência como algo normal

O triste caso de Kitty Genovese teve um impacto notável sobre a nossa sociedade. Por exemplo, ajudou a criar a famosa linha 911 de emergência nos Estados Unidos. Inspirou canções, filmes e séries de TV, e até mesmo personagens como o “Watchmen”, de Alan Moore.

“Se você quer a paz, não vai consegui-la através da violência”.
– John Lennon –

Kitty foi aquela voz que gritava em uma madrugada de março de 1964. Um lamento perdido na noite que, como um eco, se repete dia após dia na nossa realidade de muitas formas diferentes. Talvez porque, como seres humanos, normalizamos a violência. Há poucos dias, e como um mero exemplo, um grupo de torcedores do time Belgrano de Córdoba empurrou um jovem de 22 anos de uma das arquibancadas do estádio.

Depois de cair de uma altura de 5 metros, o rapaz ficou caído no chão, teve um traumatismo grave e morreu algumas horas depois, enquanto o restante dos torcedores subiam e desciam as arquibancadas, como se nada estivesse acontecendo, como se aquela vida fosse apenas uma parte da mobília do estádio. Até que finalmente chegou a polícia.

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Talvez a exposição contínua aos atos agressivos (seja em alguns eventos esportivos, televisão, Internet, etc.), nos torne mais tolerantes, mais passivos e menos reacionários diante da violência, mas o que está claro é que isto não é lógico, justificável ou muito menos humano.

Devemos deixar de ser meras testemunhas, de agirmos como um cubo de açúcar que se dissolve na massa para fazer o mesmo que os outros, ou seja, nada. É preciso ter iniciativa, sejamos agentes ativos no sentido mais íntegro da convivência, respeito e acima de tudo, ter uma preocupação genuína pelo próximo.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.