Nem vítimas nem vilões

Nem vítimas nem vilões

Última atualização: 01 julho, 2017

Ainda vejo casais que passaram e passam uma vida inteira com o(a) mesmo(a) parceiro(a). Isso não é tão comum nos dias de hoje, mas ainda acontece. Começam a namorar na adolescência, casam, têm filhos e permanecem juntos na velhice por muitos anos. Tenho uma amiga cujo marido é o namorado dela de infância. O casamento ainda é bom e funciona. Ela costuma dizer: “Fomos crianças juntos, crescemos juntos, aprendemos juntos e estamos amadurecendo e envelhecendo juntos”.

Não há dúvida de que esse tipo de relação é uma raridade. Muitos outros, depois de algum tempo de casados, separam-se ou passam a vida se digladiando e se acostumam a viver mal ─ um tolera o outro, a dificuldade de um reforça a do outro… Em alguns casos, durante o namoro, tudo funcionava e dava certo; depois, não sei o que acontece, a coisa desanda. Uma pessoa próxima namorou durante quase oito anos, e, quando ela e o parceiro resolveram se casar, o relacionamento não durou dois anos. Acontece bem mais do que imaginamos.

Fico curiosa com os relacionamentos longos, principalmente nos tempos atuais, nos quais o imediatismo e a superficialidade ganham cada vez mais terreno e notoriedade. A maioria das pessoas não esquenta com nada nem se prende a ninguém, tudo é rápido, passageiro e descartável. Sem contar que a procura está maior que a oferta, o mercado está bastante concorrido. Quem tem uma pessoa interessante ao lado que a segure e a valorize, pois não está fácil encontrar alguém decente, resolvido e disposto a compartilhar a vida. A concorrência está acirrada e agressiva.

Vítimas de um amor que acabou

Também não podemos esquecer que há muitos relacionamentos de fachada, de vitrine, um grande número deles é apenas para inglês ver. Hoje, algumas pessoas ainda se mantêm em casamentos longos e falidos por conta do patrimônio, do medo de enfrentar a vida sozinhas, das dificuldades de cada um, dos filhos, das mordomias proporcionadas; com isso, fecham os olhos para outras coisas.

Quando o assunto é relacionamento amoroso, não há vítimas nem vilões. Falo de relacionamentos considerados normais (embora até isso varie de casal para casal, de pessoa para pessoa, porque o que eu considero normal, o outro pode não considerar), mas vamos falar daquelas relações cartesianas, conservadoras. Não há aquele que aproveita e o outro que é aproveitado. Todos aproveitam à sua maneira, e ambos são responsáveis pelo sucesso ou pelo insucesso da relação. Às vezes um usa e o outro se deixa usar, porque é conveniente. Há outros que passam a impressão de que são explorados, mas, na verdade, são os que mais tiram vantagem. Estes costumam posar de vítimas quando é conveniente, e têm sempre uma lista de cobranças à mão para usar na hora propícia. São os contadores oficiais da relação: quanto valeu a pena, quanto recebeu, quanto deixou para trás, quanto merece, quanto ainda pode conseguir…

O relacionamento é um contrato, um jogo. Nele, ninguém faz nada para o outro que não seja permitido ou desejado por este. Há sempre um ganho para ambos, mesmo que seja apenas o suprimento das carências e das dificuldades de cada um. Relacionamento é 50% de um e 50% de outro; quando há desequilíbrio nesse percentual, e é muito difícil não haver, com certeza um irá ceder mais do que o outro, e uma das partes irá se beneficiar mais. Aquela que mais ceder é a que mais se sentirá infeliz na relação ou que terá, futuramente, um maior poder de barganha sobre o outro na hora de contabilizar os ganhos decorrentes das “renúncias” que fez, algo que mais tarde pode ser de seu interesse. Em relacionamentos, dividem-se as coisas boas bem como as ruins, embora haja muita gente que queira somente o filé da relação. Não conheço uma pessoa que goste de ficar com o que não é bom!

Vejo com certa frequência esse movimento desigual. Na “dança amorosa”, ambos os polos se alternam o tempo todo. Claro, alguns tentam minimizar suas responsabilidades quando algo não dá certo ou não está sendo interessante. Passam a colocar o(a) parceiro (a) na condição de vilão (ã) e vice-versa, como se eles próprios não tivessem a menor interferência ou participação no assunto. Tudo o que aconteceu parece alheio à sua vontade. A pessoa se coloca na posição de mero espectador do próprio relacionamento, como se isso fosse possível. Não há como falar em culpa ou erro quando o assunto é amoroso. As duas partes envolvidas são responsáveis pela história que protagonizaram e que foi escrita, construída, por ambos. O final será dado por eles mesmos a partir do que cada um fez para o outro. Porém, temos sempre que lembrar que há muita gente que confunde amor com outras dificuldades pessoais, por exemplo: obsessão, fixação, dependência, insegurança…

Vítimas em um relacionamento que deu errado

Não podemos achar que o outro será nosso salvador, nosso redentor, e irá nos tirar das dificuldades, sanará todos os nossos problemas, nos carregará pela vida afora… Temos que nos bastar, pois sabemos que não adianta persistirmos em relações nas quais o descompasso da dança conjugal vive em eterno desequilíbrio, principalmente nas quais não há afinidades importantes nem objetivos comuns. Não devemos nos manter em quadros amorosos nos quais cada um está mais preocupado com seus próprios problemas e interesses do que com o relacionamento em si, nos quais sobraram somente as discussões, as cobranças, as obrigações e os deveres, nos quais o sentimento, o respeito e a cumplicidade já acabaram há muito tempo.

Alguns têm por hábito colocar no outro a culpa e a responsabilidade pela própria infelicidade, principalmente quando nada sobrou, não há mais nada em comum, nem respeito. A desarmonia é total. Tristes são esses relacionamentos em que, depois de alguns anos, o casal olha para trás e percebe que o saldo é negativo: nada restou além dos filhos, quando os tem, os quais uma hora também irão traçar os próprios caminhos. Difícil essa sensação de que a vida passou e muito tempo se perdeu devido às más escolhas e às decisões impensadas. Temos que ser cautelosos, quando possível, na escolha da parceria certa, se quisermos compartilhar o caminho da vida.

No entanto, até as pessoas se darem conta da situação triste em que se encontram, ficam nisso um tempão. Estão atoladas em problemas até o pescoço e, principalmente, em consequências que resultaram dessa história. Por isso precisamos ter a força de romper com o círculo vicioso que a maioria das relações tradicionais impõe e nos encontrar com nós mesmos para que futuramente busquemos relacionamentos mais saudáveis e felizes.


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