Neurociência social: o cérebro como um ícone da nossa cultura

Neurociência social: o cérebro como um ícone da nossa cultura
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

A neurociência está nos revelando inúmeros segredos do cérebro. Ficar apenas com a visão biológica dele seria limitar grande parte de sua essência e perder seu outro grande valor: o cultural. É por isso que áreas como a neurociência social concentram seu interesse nessas outras “sinapses”, aquelas incluídas entre os processos mentais e as nossas práticas sociais.

Algo defendido por uma grande número de neuropsicólogos é a necessidade de articular, no mesmo cenário teórico, a ciência do estudo do cérebro com aquelas outras áreas do conhecimento que compõem o nosso mundo atual.

De fato, é cada vez mais comum ouvir termos como “neuroeconomia“, “neuroeducação“, “neuromarketing” ou “neurolinguística“, etc.

“Cada geração nova tenta cultivar o que foi herdado por seus antecessores, portanto, cada jovem é obrigado a fazer muito melhor que seus pais para deixar um melhor legado a seus sucessores”.
-Emile Durkheim-

Abordar a partir de uma perspectiva multidisciplinar os desafios que, em princípio, seriam de uma única especialidade nos permitiria aumentar o nosso conhecimento de forma exponencial. 

Assim, áreas como a própria neurociência social estão surgindo atualmente como um recurso necessário para entender processos tão relevantes quanto nosso comportamento social, agressividade e violência, estresse e empatia.

Portanto, o objetivo não poderia ser mais ambicioso. Busca-se incorporar à teoria social, cultural, econômica e também à educativa todas as pesquisas relacionadas com a teoria da mente, o cérebro, os genes, etc.

Desta forma, podemos analisar muito melhor como todos os processos sociais que compõem uma dada sociedade são gerados e desenvolvidos.

Pessoas atravessando penhasco juntas

Neurociência social: a necessidade de entender a relação entre mente e cultura

Todos nós já ouvimos falar dos neurônios-espelho. Foi em 1996 que a equipe de Giacomo Rizzolatti, um conhecido neurologista da Universidade de Parma (Itália), descobriu um curioso grupo de neurônios que se ativavam somente quando as pessoas (e também os animais) observavam o comportamento ou as expressões emocionais de seus semelhantes.

Este foi um avanço no campo das ciências comportamentais e biologia, além da neurociência social. Os neurônios-espelho são aqueles fundamentos orgânicos que facilitam a compreensão do comportamento dos outros, o que nos permite imitar certas ações para aprender, além de nos ajudar na interação social. Eles são, por assim dizer, os tijolos da nossa cultura.

Esse fato é só um exemplo, uma amostra de como os nossos mecanismos neuronais, hormonais e celulares construíram o que entendemos como cultura e sociedade. Talvez por essa razão, os primeiros interessados nesse campo de estudo foram os antropólogos do início do século XX.

Assim, nomes como o de Robert Hertz, discípulo de Émile Durkheim, lançaram as bases dessa disciplina com ensaios como os relacionados às faculdades ambidestras dos maoris e seu desenvolvimento cerebral em relação à sua cultura.

A necessidade de criar uma ciência interdisciplinar

Seguindo esses primeiros trabalhos de antropólogos e sociólogos para entender o vínculo entre a psique e o desenvolvimento das culturas, os psicólogos Cacioppo e Berston quiseram ir mais além e criar a Society for Social Neuroscience, ou a Sociedade para a Neurociência Social.

Essa decisão foi, na verdade, um desafio para os psicólogos e neurologistas da época, porque muitos deles não entendiam como poderiam se aprofundar em algo que se estendesse além dos limites do crânio humano.

No entanto, a pressão por parte de inúmeros cientistas, sociólogos e biólogos acabou por dar forma a esta área de conhecimento, respondendo a uma necessidade básica e urgente. A cultura não pode ser entendida se não compreendermos primeiro as dinâmicas mentais que promovem os processos que compõem o nosso tecido sociológico.

Também podemos dizer o mesmo do inverso. Nossa cultura e todos os seus produtos, diretrizes e esquemas determinam quem somos, a maneira como processamos informações e até o que sentimos.

É uma influência bidirecional direta e poderosa. Assim, a neurociência social é um ramo da neurociência cognitiva que nos permite compreender o comportamento social e, por sua vez, compreender os mecanismos com os quais geramos novos valores, moldamos novos comportamentos e necessidades em um mundo que nunca para de mudar e de seguir em frente.

As descobertas sobre o cérebro humano

Campos de estudo da neurociência social

Toda expressão cultural e social é produto do nosso cérebro. Vamos pensar, por exemplo, em alguma música dos Beatles. Qualquer uma delas constitui a essência de um momento histórico, bem como uma amostra da nossa cultura musical.

Agora, se formos mais além, também podemos estudar como e de que maneira ela foi criada, que mecanismos neuronais dão forma à inventividade e à criatividade e como, por sua vez, essa música e essas letras são capazes de nos emocionar na atualidade.

Por outro lado, um aspecto essencial que é importante entender sobre a neurociência social é em relação aos seus campos de estudo. Nos referimos às áreas em que o neurobiológico se inter-relaciona com o social. São as seguintes:

  • Teoria da mente. Este conceito faz referência à nossa habilidade cognitiva de compreender e predizer os comportamentos dos outros. Da mesma forma, o ser humano também é capaz de predizer “estados mentais” em quem o rodeia para usar essa informação em seu próprio benefício.
  • Empatia e emoções. O estudo das emoções é um pilar fundamental para entender as nossas cognições sociais e os nossos comportamentos.
  • Autoconsciência. A autoconsciência em si não poderia acontecer e ser formada em cada um de nós se não nos relacionássemos com os outros. Nossas interações e os julgamentos que fazemos sobre elas constroem nosso senso de identidade, como explica um estudo realizado no Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia.
  • Atitudes e preconceitos. Estas dimensões têm uma relevância essencial em nossas vidas sociais e em nossa identidade.
  • Relações sociais e mundo social. Neste campo de estudo, precisamos da colaboração de todas essas áreas que definem qualquer sociedade: educação, economia, política, medicina, publicidade… São peças de um quebra-cabeça que edifica tudo o que somos e o que fazemos.
Neurociência social

Como vemos, poucas disciplinas podem fornecer uma luz tão reveladora a todos os aspectos microssociológicos que traçam a forma de um país, uma comunidade, um grupo social específico e uma nação inteira.

Por isso, é necessária uma abordagem interdisciplinar, onde todas as contribuições não são apenas positivas, como também necessárias. A neurociência social pode dar ótimas respostas às perguntas mais simples que talvez nos tenhamos feito em alguma ocasião.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.