Por que erramos ao utilizar a expressão "amor platônico"?

Por que erramos ao utilizar a expressão "amor platônico"?
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 24 agosto, 2020

Todos nós já ouvimos ou usamos a expressão “amor platônico” para nos referirmos a uma pessoa inatingível por quem sentimos uma atração romântica, mas o que realmente sabemos sobre o amor segundo Platão?

O que este sentimento de amor não correspondido com o qual alguém fantasia tem a ver com o famoso filósofo?Ele falava desse termo da forma como o usamos hoje em dia?

A resposta é não. Platão nunca disse que seu conceito de amor fazia referência a uma pessoa inatingível. O que aconteceu é que criamos uma variação do conceito de amor platônico. Embora a evolução do termo seja compreensível de certa forma, é importante saber diferenciar o amor platônico moderno do amor segundo Platão. Vamos nos aprofundar.

O conceito de amor em O Banquete, de Platão

‘O Banquete’, um dos diálogos mais apreciados do filósofo grego, tanto pelo seu conteúdo filosófico quanto literário, abrange o tema do amor – como sempre pela boca de Sócrates. Neste trabalho, há um banquete em que cada um dos presentes faz um discurso sobre o amor. Estes vão desde o mais superficial até a profundidade do discurso final de Sócrates, que é o que realmente representa o pensamento de Platão.

Estátua de Platão

Fedro, o primeiro a falar, diz que Eros – deus grego do amor – é o mais antigo dos deuses e a força inspiradora para realizar grandes feitos, afirmando que o amor é o que nos dá a coragem para sermos pessoas melhores.

Pausanias, mais profundo, fala de dois tipos de amor: o amor corporal e o amor celestial. Um mais físico e superficial, e outro mais relacionado com a perfeição moral.

Aristófanes conta uma concepção mitológica sobre o homem. Ele diz que no princípio havia três tipos de seres: machos, fêmeas e andróginos. Estes últimos conspiraram contra os deuses e, como punição, Zeus os dividiu em dois. Desde então, os seres humanos buscam sua outra metade – daí o mito da metade da laranja. Alguns se inclinam para a homossexualidade e outros para a heterossexualidade, dependendo de seu estado primitivo, em busca daquela metade da qual foram separados.

Finalmente, Sócrates fala do amor como a força para a contemplação da beleza mais pura e ideal.

O amor segundo Platão

Como mencionamos anteriormente, o personagem de Sócrates nas obras de Platão representa seu próprio pensamento. Portanto, sabemos que a contribuição de Sócrates em O Banquete é a concepção de amor que Platão possui.

Platão, como em toda a sua filosofia, diferencia entre o mundo das ideias e o mundo terreno. No mundo das ideias se encontra o conhecimento mais puro, enquanto no mundo terreno há um conhecimento imperfeito, que imita o mundo perfeito das ideias.

O mesmo acontece com o amor segundo Platão. O amor platônico está longe de ser puramente físico e está direcionado para a busca do belo. O amor pelo belo em si se entende como o conceito supremo de amor, o qual encontraríamos no mundo das ideias. Conhecer a beleza em todo o seu esplendor é o objetivo do amor. Portanto, a beleza como conceito mais puro e abstrato é o significado que Platão dá ao amor. Um amor de contemplação e admiração.

O amor platônico

Platão falava do amor pela sabedoria como o mais perfeito e puro conceito de amor. Portanto, o amor platônico não corresponde a uma idealização de uma pessoa, mas sim a alcançar a sabedoria, um tipo de beleza espiritual.

Corações representando amor platônico

É compreensível imaginar que, com o passar do tempo, o conceito de “amor platônico” possa ter chegado a esta definição de “ideal” e “inatingível”. Para Platão, o caminho que deve ser tomado para alcançar o belo, e assim poder falar do amor em todo o seu esplendor, é um árduo caminho através do conhecimento.

Esse caminho parte do amor da beleza corporal como um ideal estético, passando pela beleza das almas até o amor pelos conhecimentos, para poder alcançar o conhecimento do belo em si. Platão diz:

“Beleza que existe eternamente, e nem nasce nem morre, nem diminui nem cresce; beleza que não é bela por um aspecto e feia por outro, nem agora bela e depois não, nem bela aqui e feia em outro lugar, nem bela para esses e feia para aqueles. Nem poderá tampouco esta beleza ser representada como se representa, por exemplo, uma face ou mãos, ou outra coisa pertencente ao corpo, nem como um discurso ou como uma ciência, mas existe eternamente por si mesma e consigo mesma. A contemplação da beleza em si”.
-Platão-

Por último, como curiosidade, a primeira vez em que a expressão “amor platônico” foi usada foi no século XV, quando Marsilio Ficino se referiu ao amor pela inteligência e pela beleza do caráter de uma pessoa. Mais tarde, se tornou popular após a publicação da obra Platonic Lovers, do poeta e dramaturgo inglês William Davenant, que compartilhava a concepção de amor de Platão.


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