O apanhador no campo de centeio: um livro amaldiçoado

O apanhador no campo de centeio: um livro amaldiçoado
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 10 outubro, 2024

O Apanhador no Campo de Centeio é uma das obras mais lidas e conhecidas da literatura americana do século XX. JD Salinger, o autor, conseguiu capturar neste romance a essência da adolescência. Embora a crítica não tenha recebido bem o trabalho a princípio, o público o admirou e, com o tempo, tornou-se a obra literária que melhor reflete a adolescência. Sua linguagem direta e popular é um belo retrato da realidade, embora também tenha gerado alguma controvérsia na época de sua publicação, em 1951.

Apesar das mudanças experimentadas pela sociedade, apesar dos avanços tecnológicos e das diferenças óbvias entre os adolescentes de “ontem” e “hoje”, O Apanhador no Campo de Centeio é um romance que soube envelhecer muito bem e que, ainda hoje, segue refletindo o grande percentual de adolescentes que não conseguem se adaptar ou se encaixar no sistema, que vivem esta etapa entre a infância e a idade adulta como um tempo de sobrevivência, rebelião e lutas internas.

A trama? É bem simples: um jovem adolescente chamado Holden Caulfield conta suas experiências em primeira pessoa. Holden é um péssimo estudante e foi expulso de várias escolas. Sua situação parece não melhorar, porque acabaram de notificá-lo de que ele será expulso de sua escola atual. Holden decide não contar a verdade a seus pais, nem mesmo quer encontrá-los, então, ele foge no meio da noite e retorna para sua cidade, Nova York. Lá, fica em um hotel de classe muito baixa e começa sua aventura.

O apanhador no campo de centeio nos mostra a jornada de Holden, a de qualquer adolescente desencantado com o mundo (e orgulhoso de estar assim), que parece odiar tudo e todos. Um romance que ficou marcado na história como livro favorito de psicopatas, desajustados, pessoas com problemas mentais e também do público adolescente (e não tão adolescente). A que se deve seu sucesso? Por que O apanhador no campo de centeio é um romance tão controverso?

“Tudo que você tem que fazer é dizer algo que ninguém entende e eles vão fazer praticamente qualquer coisa que você queira.”
– O apanhador no campo de centeio –

O apanhador no campo de centeio, um reflexo da adolescência

O trabalho de Salinger fez muitos de nós nos vermos refletidos no personagem de Holden Caulfield. Isso não ocorre quando lemos a obra como adultos, mas sim na adolescência. Qual é a chave? O segredo está em desenhar um personagem facilmente relacionável, um personagem muito próximo da realidade, um jovem rebelde que flerta com a misantropia.

Para muitos, a adolescência não será mais que um período de transição para a idade adulta, outra fase da vida que passa sem dor ou glória; um momento para se concentrar nos estudos, começar a pensar em um futuro e assumir novos desafios e responsabilidades.

No entanto, para outros, é um estágio muito mais complexo e obscuro. As novas pressões e responsabilidades, tanto pessoais quanto acadêmicas, podem ser um grande obstáculo; começar a compreender o mundo e assumir as conseqüências de nossas ações dificulta essa etapa da vida. O álcool, as drogas, a experimentação, sexo precoce, conhecer o mundo… tudo isso pode estar muito presente na adolescência.

Pessoa com chapéu vermelho em bar

Na adolescência ficamos fixados em música, cinema, mídia… tentamos encontrar nosso reflexo, sentir que, no fundo, pertencemos a um lugar, temos uma razão nesta vida. Holden odeia tudo o que vive, odeia todas as pessoas, odeia a escola, odeia o sistema, a sociedade, o mundo… As únicas pessoas com quem se importa são seus irmãos, nem mesmo seus pais parecem ser importantes.

Um dos aspectos mais marcantes deste trabalho é a maneira como é narrado, em primeira pessoa, usando um vocabulário que imediatamente associamos aos mais jovens. Holden usa palavras banais, grosseiras e do seu tempo.

Essa expressividade e naturalidade que vemos em sua linguagem são, precisamente, os culpados da identificação de que falamos anteriormente. Mesmo as descrições físicas são muito próximas da realidade, vemos alusões a “unhas roídas” ou acne, características muito típicas da adolescência.

Outro dos pontos mais interessantes do romance é a falta de ação; é verdade que Holden foge e tem alguns desentendimentos, mas nada realmente notável acontece. A ação é estática, assim como a adolescência. Holden simplesmente se limita a narrar seus pensamentos e criticar tudo o que pode, reflete sobre seu papel, sobre o que não gosta e sobre o desconforto que o mundo lhe causa. O apanhador no campo de centeio supõe a mitificação da adolescência, um ir e vir da inocência infantil ao panorama sem sentido que é a vida após o término desta etapa.

O próprio Holden se define como um guardião no campo de centeio, é o que ele quer ser. Ele quer ser responsável por ajudar as crianças que correm sozinhas para o abismo, ele quer ser aquele que as protege da queda, desse duro golpe que é o fim da infância e a retomada da consciência da realidade.

“Adorável, essa é uma palavra que eu não suporto. Soa tão falsa que eu sinto vontade de vomitar toda vez que a ouço.”
– O apanhador no campo de centeio –

Holden Caulfield, a confissão de alguns criminosos

Como é possível que um livro que reflete a adolescência se torne o favorito de vários criminosos? Talvez esse sentimento de não pertencer a um lugar e estes toques de misantropia que Holden transmite sejam algumas das causas que levaram alguns assassinos a terem visto em “O Apanhador no Campo de Centeio” uma espécie de bíblia.

É comum que, em certos momentos da vida, vejamos em Holden uma espécie de reflexo de nós, que vejamos nesta obra um espelho no qual podemos olhar para nós mesmos e nos sentirmos compreendidos ou menos sozinhos.

A lista de crimes cometidos sob a sombra desta obra é relativamente grande, embora a maioria tenha caído no esquecimento por serem crimes menores ou cometidos contra pessoas anônimas. Sem dúvida, o caso mais lembrado por todos é o assassinato de John Lennon.

John Lennon

John Lennon foi morto por Mark David Chapman, um admirador que viu Lennon como uma daquelas crianças que Holden descreveu como correndo para o abismo. Chapman acreditava que, ao assassiná-lo, ele o salvaria das perturbações do mundo e que, assim, sua inocência sobreviveria. Depois de cometer o assassinato, Chapman leu O apanhador no campo de centeio até a polícia chegar; no livro ele escreveu “minha confissão” e assinou como Holden Caulfield.

Robert John Bardo e John Hinkley são outros nomes que ressoam quando falamos da obra. O primeiro assassinou a jovem atriz Rebecca Schaeffer carregando uma cópia do livro; Hinkley, por sua vez, tentou assassinar Ronald Reagan carregando outra cópia do livro.

A popularidade da obra juntamente com o mistério que a rodeia tornaram imenso o legado de O apanhador no campo de centeio. Lendas urbanas e músicas criaram o eco deste livro “amaldiçoado”. O apanhador no campo de centeio é uma leitura obrigatória, que fala sem tabus e pode ser muito interessante na adolescência.

“A vida é um jogo e você tem que viver de acordo com as regras do jogo.”
-O apanhador no campo de centeio-


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