O desafio de trabalhar com uma pessoa acostumada a usar a violência
Todos nós já conhecemos uma pessoa arisca, rude e que se relaciona com o mundo com os punhos cerrados. Violenta em formas e maneiras, e que distribui ameaças para um lado e para o outro. É possível identificá-la facilmente porque parece que, junto com ela, vem uma tempestade. Assim, as nuvens constantes no seu céu são um presságio da violência.
Essa pessoa não evita conflitos porque enxerga neles a oportunidade de conseguir o que quer, seja isso dinheiro, estar acima do outro ou qualquer outra coisa. Quando quer ficar acima do outro, é a sua insegurança que fala mais alto, pedindo provas constantes de seu valor. Estas são questões que geram uma ansiedade que a consome por dentro e que ela só sabe acalmar dessa forma.
Hitman Anders and the Meaning of It All
Em Hitman Anders and the Meaning of It All (O assassino de aluguel Anders e o significado de tudo, em tradução livre), Jonas Jonasson escreve sobre a história de um assassino de aluguel um pouco peculiar. Em uma passagem do livro, revela-se o que acontece “nos bastidores” entre as pessoas acostumadas a esse tipo de padrão de comportamento. O referido recorte literário diz o seguinte (em tradução livre):
“[…] O que não sabiam era que o Assassino Anders vinha experimentando uma sensação crescente de que a vida não tinha sentido. Isso era algo novo para ele. Ele sempre argumentava com os outros através dos punhos, mas não era fácil falar consigo mesmo dessa forma. Por isso, ele se refugiou no álcool, cada dia mais cedo e com maior afinco […]”
Se há algo que se destaca no estilo do escritor nórdico é o fato de esconder, por trás do humor ácido que usa para descrever o destino de seus personagens, personalidades naturais e coerentes. Para aqueles que ficaram curiosos, incentivamos que se divirtam com a leitura completa, mas, para este artigo, vamos parar por aqui.
Anders é um homem do tipo que descrevemos na introdução, rude e violento. Acostumado a brigar com o mundo. Neste caso, ele não age desta forma para estar acima de ninguém, mas sim porque esta é a sua profissão. O problema surge quando ele precisa falar com ele mesmo, pois, uma vez que não conhece outra forma, ele utiliza a mesma forma violenta. Assim, por um paradoxo da vida, ele se torna a primeira vítima de sua incapacidade de se relacionar.
Há pessoas que, sem serem assassinas, também compartilham desse problema do personagem de Jonas. São pessoas não só incapazes de dar amor, como também incapazes de dar amor a si mesmas. Sentem uma enorme falta dele, mas não aprenderam a conviver com as emoções e sentimentos. Assim, veem tanto as suas próprias emoções quanto as dos outros como uma ameaça que devem afastar o mais rápido possível. E, para isso, usam a única linguagem que conhecem: a violência.
Não precisa necessariamente ser violência física. De fato, na maioria dos casos, não é. Estamos falando da violência verbal, que está presente não só nos diálogos com os outros, como também nos seus diálogos internos. Portanto, a melhor forma de ajuda que podemos oferecer para essas pessoas são os instrumentos que afastam a violência da sua forma de se expressar.
Como trabalhar com pessoas que se relacionam usando a violência?
Em primeiro lugar, como especialistas, motivadores e reforçadores da mudança, temos que acreditar que essa mudança é possível. Em segundo lugar, é necessária a cumplicidade dentro do processo com essa pessoa que tem um comportamento violento. Nunca seremos capazes de mudar alguém que não quer que isso aconteça. De fato, se tentarmos manipulá-la e ela perceber, o que podemos conseguir é o efeito contrário, de tal forma que a pessoa se feche no seu modo de agir para defender a sua independência.
Assim, nesse tipo de processo, há muitas vezes uma fase anterior na qual o foco do especialista não é a mudança, mas sim a pessoa perceber a necessidade dessa transformação. Por outro lado, uma vez que isso for percebido, é igualmente importante – antes de intervir – que a pessoa queira a nossa ajuda e nos conceda o papel de figura de autoridade na gestão dessa mudança.
Em segundo lugar, é preciso ter a cons ciência de algo que fazem de forma automática: usar a violência. Agem dessa forma há tanto tempo que nem percebem que isso está incorporado no seu comportamento, assim como todos nós podemos usar as nossas típicas muletas. Além disso, é importante que a pessoa perceba que está sendo violenta no momento em que está agindo dessa forma e não mais tarde, ao perceber que as consequências são desastrosas.
Se aqueles ao redor da pessoa violenta forem favoráveis à mudança, é bom também trabalharmos com eles para que nos ajudem a reconhecer e reforçar as conquistas. Temos que explicar, por exemplo, que passar da ameaça ou chantagem para o pedido é um grande passo e que assumir um é diferente do outro.
Por outro lado, se houver alguém no seu entorno que for contra a mudança e que reforça o comportamento violento, é melhor que a pessoa que quer mudar se afaste desse ambiente. Mais tarde, quando a mudança estiver estabelecida, embora ainda exista o risco de recaída, a pessoa conseguirá ver a distância entre o antes e o depois e decidir qual caminho quer seguir.
Outro ponto importante da intervenção é incidir sobre as consequências naturais do comportamento. Muitas pessoas percebem que usaram a violência quando veem o dano refletido no outro. Assim, a ausência desse dano e até mesmo a presença de emoções positivas no outro são uma das principais referências reais que podemos dar à pessoa que está neste processo, como resultado da transformação que está vivenciando.
Por fim, queremos dizer que existem pessoas violentas que encontram prazer na sua forma de agir, no sofrimento alheio e até mesmo no próprio. Este artigo não diz respeito a elas, uma vez que nesses casos as formas de trabalhar serão muito diferentes. Neste artigo, falamos sobre aquelas pessoas que, sendo violentas, não deixam de sofrer internamente por causa do seu modo de se comportar e de se relacionar consigo mesmas.
Se você gostou deste artigo e tem um interesse especial neste tema, deixamos a seguir um artigo que fizemos há algum tempo sobre a violência no contexto familiar.
Foto cortesia de Marion Peck