O "eu estético": uma fonte de bem-estar psicológico
O nosso interesse pela arte pode promover bem-estar psicológico? A resposta é sim. Todos nós devemos desenvolver um “eu estético” capaz de apreciar não apenas a beleza da música, pintura, literatura ou escultura. Fazer parte dessas manifestações como criadores ativos influencia em uma infinidade de processos cognitivos e emocionais capazes de nos transformar como pessoas.
O escritor Graham Greene costumava dizer que escrever é um tipo de terapia. Além disso, ele se perguntava o que as pessoas que não escrevem, não compõem ou pintam faziam para lidar com a melancolia, o pânico ou a loucura cotidiana, o que é um questionamento muito interessante. Além disso, algo que também sabemos da psicologia é que a estética (que está relacionada à expressão artística) constrói a nossa personalidade.
Somos aquilo que amamos, o tipo de música que ouvimos e cada livro que lemos. Nunca é demais continuar explorando novos tipos de arte, gêneros literários e nos deixar seduzir pelas belas obras arquitetônicas do mundo. A verdade é que a cada manifestação artística podemos continuar a nos descobrir como seres humanos.
“A arte deve confortar o perturbado e perturbar o confortável”.
-Banksy-
O que é o “eu estético”?
A psicologia, como qualquer ciência do comportamento, concebe a formação da identidade como uma conjunção de múltiplas variáveis. As mais comuns são a nossa relação com o meio social, educação, avaliação interna das nossas experiências, autorregulação das emoções, contexto sociocultural, etc.
Parte da identidade que construímos e da maneira como nos relacionamos com os outros tem a ver com as nossas preferências estéticas (artísticas) pessoais. Isso é fácil de entender. Muitas das amizades e relacionamentos que construímos são criadas compartilhando preferências comuns: filmes, séries, livros, música…
O eu é uma construção psicológica poliédrica: ele tem muitas faces e uma delas é o eu estético, que está relacionado ao universo artístico. A nossa relação com esses “artefatos” culturais da sociedade são espelhos nos quais somos refletidos; de certa forma, são prismas a partir dos quais podemos ver e compreender a vida.
O eu estético é tão importante quanto o eu moral ou ideológico
A Universidade Humboldt de Berlim conduziu um estudo revelador em 2020 em colaboração com a Universidade da Pensilvânia e o Instituto Max-Planck de Matemática nas Ciências. Nele somos informados de que a estética é tão relevante quanto as questões morais, ideologias políticas, orientação religiosa e até mesmo gostos alimentares.
Em outras palavras, o eu estético e a nossa conexão com o universo artístico faz parte de quem somos e de como nos sentimos. Isso direciona o nosso comportamento e relacionamentos e define a visão que temos de nós mesmos. Não podemos negar as evidências. A maioria de nós investe tempo, emoções e recursos para participar de experiências estéticas.
Vamos a shows, galerias de arte, cinema, teatro, conferências dos nossos diretores preferidos e até organizamos fã-clubes em torno de figuras ou movimentos artísticos pelos quais somos apaixonados. Como afirma David Lynch, a arte não muda nada, a arte muda você.
O eu estético também integra um sistema de valores e orienta os nossos objetivos e experiências de vida de várias maneiras. Muitos de nós não seríamos a mesma pessoa se não tivéssemos lido certos livros, ouvido certas músicas ou assistido certos filmes ou séries.
Emoções estéticas: as sensações transmitidas pela admiração da beleza da arte
Como afirmava o compositor Arnold Schoenberg, a emoção estética transcende o tangível, o contingente e o relativo. Ela vai além do estável e do conhecido e entra no domínio do segredo, do mistério e do absoluto. Em outras palavras, se há algo que define o ser humano é a capacidade de experimentar uma resposta emocional diante da beleza da arte em qualquer uma de suas formas.
Desse modo o eu estético também se expressa e se constrói por meio do impacto emocional que a música, a poesia, a literatura, as histórias trazidas por um filme ou série de televisão despertam em nós. Rafael Bisquerra, doutor em Ciências da Educação e uma referência na área das emoções, destaca que poucas sensações são mais agradáveis e edificantes para o nosso bem-estar psicológico.
“Somente por meio da arte podemos emergir de nós mesmos e saber o que os outros veem”.
-Marcel Proust-
O artístico, motor do bem-estar psicológico
O desenvolvimento de um eu estético aumenta o bem-estar psicológico. Poucas vocações são tão gratificantes quanto fazer da arte uma tela sobre a qual despejar pensamentos ou uma página em branco sobre a qual transcrever sentimentos e necessidades. A arte nos liberta, nos acompanha e nos cura em muitos casos.
Lembremos, por exemplo, do modelo teórico de bem-estar proposto por Martin Seligman (PERMA) em que destacava a arte como um campo de felicidade e equilíbrio mental. A música, a fotografia, as artes visuais e o cinema são recursos indiscutíveis para a prevenção e promoção da saúde e do bem-estar psicológico.
No entanto, como apontamos no início, não basta ser uma testemunha passiva dessas expressões. O eu estético também é um eu ativo e criativo que ousa moldar a própria arte de diversas maneiras. É importante não hesitar e procurar o nosso canal, ferramenta e instrumento para que possamos nos explorar e expressar.
Como dizia Edvard Munch: “a arte nasce da alegria e da dor, principalmente da dor. Ela cresce a partir de vidas humanas…”.
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