O transtorno de personalidade limítrofe (TPL) e os traumas: como se relacionam?
O transtorno de personalidade limítrofe (TPL) e os traumas se relacionam de forma significativa. É importante destacar este detalhe por causa de um aspecto tristemente óbvio. Estamos diante de uma condição psicológica vilipendiada e até mesmo estigmatizada. Do ponto de vista terapêutico, sabemos que se tratam de pacientes complicados. Mas, no plano social, a visão negativa sobre a condição geralmente é desproporcional.
Assim, esquecemos o sofrimento com o qual estes homens e, sobretudo, mulheres – já que a incidência é maior neste recorte populacional – precisam lidar. Os diagnósticos demoram a chegar e o atendimento clínico nem sempre é o mais adequado. Atualmente, entretanto, vislumbram-se mudanças. Estamos assistindo a uma tentativa de reformular e dar muito mais visibilidade a esta realidade clínica.
Para começar, muitos duvidam que estejamos realmente diante de um transtorno de personalidade. Além disso, o próprio “rótulo” estigmatiza os pacientes de forma significativa. Eles o percebem como um defeito em sua personalidade e, como consequência, os sentimentos de autodesprezo e inutilidade aumentam ainda mais. De fato, muitos especialistas são da opinião de que devemos ver esta condição como uma resposta complexa ao trauma. Vamos analisar o assunto.
Conviver e lidar com pacientes com TPL geralmente é complexo. No entanto, por meio de uma abordagem terapêutica adequada, podemos conseguir reduzir os seus sintomas e fazer com que tenham um maior controle sobre as suas emoções e impulsos.
Como são as pessoas com transtorno de personalidade limítrofe (TPL)?
Grande parte dos pacientes atendidos em emergências psiquiátricas apresenta o transtorno de personalidade limítrofe. Muitos chegam por causa de tentativas de suicídio ou comportamentos autolesivos. São pessoas que padecem, que sofrem, que mostram uma sensibilidade emocional quase gritante, o que as leva a comportamentos impulsivos e autodestrutivos.
Ter uma filha com TPL, por exemplo, é conviver com alguém que se odeia, que busca o nosso carinho, mas, ao mesmo tempo, dirige-nos palavras carregadas de desprezo. Além disso, em muitos casos, também apresentam problemas no seu comportamento alimentar. Por outro lado, ter um parceiro com essa condição é amar alguém que já tentou o suicídio mais de uma vez.
A vida é realmente muito dura tanto para quem apresenta esse transtorno quanto para aqueles ao seu redor. Portanto, é importante não nos deixarmos levar apenas pelo estigma ou pela ideia de que estas são pessoas problemáticas. É aconselhável vê-las como são, ou seja, como pacientes com uma realidade emocional muito específica.
Quais características as definem?
Para detectar a presença do TPL (transtorno de personalidade limítrofe) devemos nos referir ao DSM 5 ou Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Nele, relata-se que basta que alguém apresente 5 das 9 características para ser rotulado com esta condição mental:
- Medo do abandono
- Padrão de relações interpessoais instáveis.
- Alteração de identidade.
- Impulsividade em pelo menos duas áreas que são potencialmente autodestrutivas: sexo, dinheiro, compulsão alimentar, direção imprudente e abuso de substâncias.
- Tentativas de suicídio ou comportamento autolesivo.
- Instabilidade afetiva.
- Problemas para controlar a raiva.
- Sentimentos crônicos de vazio.
- Ideação paranoide transitória associada ao estresse ou sintomas dissociativos.
Uma pesquisa da Universidade de Ciências Aplicadas da Noruega Ocidental, na Noruega, indica que, embora a incidência geral seja de 1-2% da população, há um aspecto que negligenciamos. Quando uma pessoa recebe o diagnóstico, ela o vivencia de forma problemática, reconhece o estigma que isso acarreta e, em muitos casos, evita receber ajuda especializada.
Nos últimos 20 anos, progredimos no tratamento do TPL. Programas de tratamento especializado, tais como a terapia comportamental dialética (DBT) e o tratamento baseado em mentalização (MBT), são muito eficazes.
A necessidade de uma reformulação: o transtorno de personalidade limítrofe (TPL) e os traumas
Já apontamos no início. Nos últimos anos, estão surgindo muitas vozes que propõem uma mudança na terminologia do transtorno de personalidade limítrofe. Em vez de TPL, deveríamos chamá-lo de transtorno do espectro do trauma. Seria uma variante do transtorno de estresse pós-traumático crônico ou complexo. Vamos saber os motivos.
Abuso sexual, uma condição comum
A Dra. Mary Zanarini revisou a literatura empírica sobre esta condição. Ela conseguiu perceber que o transtorno de personalidade limítrofe (TPL) e os traumas se relacionam. De fato, em um estudo de 2000, ela apontou que o abuso sexual está presente entre 40 e 70% dos casos. Mais especificamente, podem aparecer as seguintes circunstâncias:
- Negligência de um cuidador.
- Abuso sexual por um cuidador.
- Ser testemunha de violência sexual durante a infância.
- Ter sofrido estupro já na idade adulta.
Etiopatogenia do transtorno de personalidade limítrofe (TPL) e os traumas
Em outra pesquisa mais recente, evidenciou-se a presença dos traumas nessa condição mental mais uma vez. Além disso, o aspecto genético e biológico também foi aprofundado. Colocou-se em discussão o fato de que pode haver uma interação entre genes (polimorfismos FKBP5 e variantes CRHR2) e o ambiente (abusos, negligência emocional, etc.).
Maior vulnerabilidade aos efeitos psicológicos do estresse
Nem todas as pessoas reagem da mesma forma a uma situação traumática. Embora seja verdade que sofrer algum tipo de abuso durante a infância possa alterar completamente o desenvolvimento psicossocial de uma pessoa, há quem apresente consequências mentais mais graves.
Dessa forma, estipula-se que o transtorno de personalidade limítrofe (TPL) e os traumas se relacionam porque existem pessoas com maior vulnerabilidade aos efeitos psicológicos do estresse. Isso se traduz em um complexo sistema de consequências emocionais, tais como raiva, impulsividade, sintomas dissociativos…
Isso, sem dúvida, coincide com estudos anteriores, como os realizados por Johnson, Cohen, Brown et al. (1999) que já demonstraram esse mesmo fato décadas atrás. Os pacientes que tinham sofrido abuso ou negligência durante a infância quadruplicaram a incidência de algum transtorno de personalidade.
De acordo com estudos, o TPL apresenta uma taxa de suicídio de 10 a 50 vezes maior do que a taxa na população geral.
A necessidade de uma mudança
O simples fato de que 75% das pessoas com TPL (transtorno de personalidade limítrofe) tentem o suicídio já é um problema mais do que evidente para levarmos essa condição mais a sério. Independentemente de serem problemáticas, manipuladoras e definidas por uma óbvia desregulação emocional, basicamente estamos diante de pessoas que sofrem o indizível.
Por trás do rótulo está um ser humano que precisa de uma abordagem terapêutica mais adequada e, sobretudo, de uma sociedade mais empática. Talvez removendo o termo “transtorno de personalidade” e substituindo-o pelo transtorno do espectro do trauma, o paciente se sinta menos estigmatizado e mais motivado a iniciar o tratamento psicológico.
Seria um bom começo.
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