Por que as pessoas inteligentes às vezes fingem que não o são?
Você é daqueles que já foi obrigado a eliminar estudos e experiências do currículo para conseguir um emprego? Às vezes vemos nossas habilidades e valor mais como um problema do que uma vantagem. Sobretudo quando temos consciência de que existem ambientes na nossa sociedade em que se prefere a mediocridade ao talento excepcional.
Muitas vezes vemos isso em certas figuras que, apesar de sua inaptidão, alcançam cargos de alta gerência. Por trás dessas realidades estão, por exemplo, antilíderes, figuras que preferem trabalhadores leais a pessoas de grande valor. Porque o que muitas organizações querem é que nada mude, que a autoridade não seja contestada e que novas ideias não surjam.
Em certos casos, prefere-se a estupidez funcional do que a mente inovadora, aquela que com sua flexibilidade, resolução e perspectiva crítica, reformula estruturas e traz progresso. Grande parte dessa realidade pode explicar por que as pessoas mais brilhantes ficam desapontadas e às vezes optam por camuflar seu potencial.
Somos seres sociais e muitas vezes o que mais precisamos é nos adaptar, arrumar um emprego, não ser o “esquisitão” que ninguém entende e que às vezes incomoda. No entanto, perante essa estratégia, só nos podemos colocar uma questão… Pode ser feliz a pessoa que se vê obrigada a baixar o seu valor para integrar-se?
Pessoas altamente inteligentes são muito reflexivas, críticas e buscam a verdade. Isso muitas vezes faz com que se sintam desencantadas com um ambiente que nem sempre reconhece quem possui mais valor.
Razões pelas quais as pessoas inteligentes fingem que não o são
Vivemos em um mundo em que os mais ignorantes são percebidos como os mais talentosos (efeito Dunning-Kruger) e os mais preparados subestimam seu valor (síndrome do impostor). Isso, que pode nos parecer o mais irônico, na verdade contém uma terrível tragédia. As pessoas mais brilhantes e competentes são desperdiçadas em um sistema que se sustenta, mas que não avança.
A esse contexto acrescenta-se a realidade já mencionada: muitas vezes, pessoas inteligentes fingem que não o são por pura sobrevivência social. Aqueles com QI mais alto tendem a ter mais problemas de adaptação e isso significa perder muitos benefícios sociais. Um exemplo disso é não conseguir uma carreira profissional ou mesmo não ter uma boa rede de amigos ou até mesmo um parceiro.
Vamos nos aprofundar um pouco mais nos fatores que explicam por que alguém brilhante diminui as suas habilidades.
As crianças mais inteligentes são rotuladas na escola como “sabeichonas” e “sabe-tudo”. Muitas vezes podem até sofrer bullying e se sentirem rejeitadas por seu talento. Isso pode fazer com que elas, em algum momento, optem por diminuir suas habilidades para se adaptar e não chamar a atenção.
Excesso de qualificação é um problema para conseguir um emprego
As pessoas mais inteligentes às vezes fingem que não o são porque se sentem como peixes grandes em aquários pequenos. Há tão poucas ofertas de emprego para funcionários altamente qualificados que não há outra opção a não ser diminuir as expectativas e enxugar o currículo.
A superqualificação é vista como uma ameaça em muitos ambientes de trabalho. Isso se deve, antes de tudo, porque não são criadas vagas suficientes para esses perfis. Em segundo lugar, porque nem sempre é possível/se quer retribuir-lhes como merecem. Há também outro fator interessante.
A University of Western Australia realizou um estudo no qual destacou que muitos gerentes assumem que, quando uma pessoa é superqualificada para um cargo, ela tende a ficar entediada. Aos poucos, essa percepção de que suas habilidades estão acima de suas tarefas faz com que elas acabem se desvinculando de suas responsabilidades e o ostracismo apareça.
Existem muitos preconceitos em torno de pessoas brilhantes e talentosas. Isso explica porque muitas vezes, para sobreviver e conseguir um emprego simples, optam por baixar a expectativa e enxugar o currículo.
A eterna busca para se encaixar socialmente
A Universidade de Cingapura mostrou em um estudo que, embora a grande maioria se sinta feliz em compartilhar o tempo com os amigos, as pessoas mais inteligentes gostam mais da solidão. No entanto, isso não significa que sejam figuras antissociais e que não precisem de uma conexão com outras pessoas. Porque, como seres humanos, todos nós precisamos disso.
Por esse motivo, para construir uma rede básica de amizades, muitas vezes são forçados a se diluir, a criar um “personagem” menos profundo e brilhante com o qual se conectar com outras pessoas por meio de conversas mais triviais.
Quando as pessoas fingem ser algo que não são, fazem-no por mera sobrevivência, porque perceberam que isso facilita o seu dia-a-dia e até a sua adaptação.
A necessidade de não chamar a atenção
As pessoas inteligentes às vezes fingem que não o são para evitar o sofrimento. Isso pode nos parecer impressionante, mas é um fato que vemos com frequência. A criança com elevadas capacidades intelectuais sofre frequentemente situações de bullying. Muitos passaram parte da vida acadêmica arrastando os mais variados apelidos e alguns insultos.
Crescer como aquele patinho esquisito ou sabichão que estava sempre sozinho no pátio da escola deixa uma marca. E mais de um trauma. Algo assim às vezes faz com que, ao atingirem a idade adulta, optem por reprimir sua personalidade, seu carisma, seu talento e seu conhecimento. Tudo isso como mecanismo básico para evitar a rejeição e a dor sofrida na infância.
Que efeito tem camuflar o que se é?
Se há uma característica que define as pessoas altamente inteligentes, é a sua capacidade de resolver problemas. Dessa forma, ao saberem que o talento e a mente brilhante são vistos como ameaças, é comum que esses homens e mulheres queiram resolver esse desafio de forma decisiva. E o resultado é cortar potenciais, fingir conversas sem transcendência, deixar-se levar pela inércia dos contextos.
Que efeito essa estratégia tem? O resultado não pode ser mais negativo. Se optarmos por retirar estudos e valores do nosso currículo para conseguir um emprego, acabaremos desmotivados e frustrados. Se decidirmos fingir uma certa ingenuidade para não incomodar alguém de quem gostamos, parecer arrogantes ou demonstrar que somos mais espertos do que ele/a, viveremos na contradição e na infelicidade.
Aparentar o que não se é, esconder o valor que se tem e criar um personagem para se adaptar, vai diluir nosso ser autêntico. Viver em uma eterna distorção de nosso próprio ser nos leva à depressão, a nos confundirmos em uma sociedade que nos quer o mesmo. Ser diferente, único e excepcional é um valor que há que saber aceitar, aproveitar e valorizar.
Sempre haverá pessoas que apreciam e procuram os mais brilhantes; não apaguemos nossa luz interior para viver na escuridão com os outros. Vamos confiar em nós mesmos.
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