A psicologia cognitiva das religiões

A psicologia cognitiva das religiões nos diz que tipo de memória fomenta a religião. Você quer saber qual é?
A psicologia cognitiva das religiões
Roberto Muelas Lobato

Escrito e verificado por o psicólogo Roberto Muelas Lobato.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Como podemos entender as religiões? Ainda que elas venham sendo estudadas mais a partir do ponto de vista da sociologia e da antropologia, a psicologia também tem algo a dizer e adicionar. Dessa forma, a psicologia cognitiva das religiões nos dá algumas pistas sobre o motivo de acreditarmos em certos conceitos.

Ainda que muitos autores já tenham discutido os vazios que a religião preenche ou, o que é na verdade a mesma coisa, as funções que ela cumpre, nada do que foi dito até hoje parece ser útil e aplicável para compreender todas as religiões.

Em outras palavras, as pessoas não escolhem uma religião para satisfazer uma necessidade, mas as religiões satisfazem diferentes necessidades das pessoas em diferentes contextos.

Por outro lado, vista a partir da psicologia cognitiva, a adoção de uma religião vai depender mais de processos básicos. Mais especificamente, da memória.

A forma como as religiões são transmitidas e praticadas vai determinar a maneira de recordá-las e, em última instância, vai incidir também na aceitação do que elas pregam.

Livros religiosos

Os dois tipos de religiosidade

Em geral, todas as religiões acreditam em deuses, espíritos ou fantasmas. Todos esses podem ser classificados como seres sobrenaturais.

Esses seres têm características que vão além do humano, como é o caso da imortalidade ou da capacidade de ver o que se passa em outros lugares do mundo. Também costuma-se atribuir a esses seres a capacidade de mudar e influenciar o destino dos humanos.

“A religião não é mais do que um reflexo do fantástico, na cabeça dos homens, dos poderes externos que dominam sua existência cotidiana. Um reflexo no qual as forças terrenas tomam formas extraterrenas”.
-Fiedrich Engels-

Dessa forma, esses seres sobrenaturais não estão presos às limitações dos humanos. O que é mais estranho: esses seres são aceitos quando estão no contexto de uma doutrina religiosa, mas não se não estiverem nesse contexto. Por exemplo, muita gente que acredita em um deus diria que os fantasmas e as fadas não são reais.

Para entender como somos capazes de aceitar essas crenças e entender a psicologia cognitiva das religiões, recorremos a uma teoria que fala sobre os dois tipos de religiosidade.

Segunda essa teoria desenvolvida por Harvey Whitehouse, existem dois modos de religiosidade. São o tipo relacionado à doutrina e o tipo imagista. Dessa forma, as diferentes religiões se classificariam em um ou outro tipo.

No modo doutrinal os significados dos rituais são aprendidos, não há muita coesão social, existem líderes, propaga-se de forma rápida e pode chegar a ter um alcance universal. Por outro lado, no tipo imagista os significados dos rituais não são gerados, a coesão é intensa, a liderança passiva, a difusão lenta e o alcance étnico.

Tipo relacionado à doutrina

O tipo de religiosidade relacionado à doutrina requer que haja uma comunicação constante. Além disso, devem existir rituais que se dão repetidamente. Por exemplo, para o cristianismo temos que ir à missa ao menos uma vez na semana.

Ainda que tanta repetição corra o risco de gerar tédio, fomenta também a memória implícita. Essa memória é a mesma que nos permite andar de bicicleta. Nós aprendemos, sem saber explicar como, a fazer coisas de forma automática.

“Entendo por religião não um conjunto de rituais ou costumes, mas sim o que está na origem de todas as religiões, o que nos coloca cara a cara com o criado”.
-Mahatma Gandhi-

Por outro lado, esse tipo de memória reduz a reflexão e a inovação. Cria pessoas menos críticas que aceitam os postulados de uma religião com a justificativa de que “sempre foi assim”.

Ainda assim, nem todo o conhecimento é implícito. O conhecimento da doutrina também é ensinado: seguindo o exemplo anterior, ele pode ser ensinado na catequese.

Dessa forma, esse tipo de religiosidade inclui líderes que são aqueles que vão transmitir o conhecimento, e também conta com estruturas hierárquicas de poder. Essas estruturas, junto com a falta de reflexão individual e inovação, aumentam a aceitação das interpretações da religião.

Céu com nuvens e raios solares

Tipo imagista

O tipo imagista, diferentemente do tipo doutrinal, mantém rituais com uma frequência muito menor. Por exemplo, os rituais de iniciação que são realizados uma vez na vida.

Esse tipo de ritual está associado com emoções fortes, sejam elas negativas ou positivas, e que geram uma forte coesão. Por isso, não costumam formar grandes comunidades, já que são receosos com quem não se envolve nos ditos rituais.

Esse modo de religiosidade desperta a memória episódica. Esse tipo de memória faz com que lembremos muito bem de certos episódios que vivemos, chegando a recordar até mesmo todos os detalhes.

Além disso, esse tipo de memória dá lugar à reflexão espontânea que se caracteriza pela transformação da informação. Por exemplo, mediante o uso de analogias e metáforas. Dessa forma, as interpretações que surgem são diferentes, e por isso não costumam existir líderes.

Voltando ao início, a psicologia cognitiva das religiões pode explicar a crença em seres sobrenaturais. Segundo o modo doutrinal, a falta de crítica junto com a memória explícita e implícita podem levar a aceitar sua existência. Segundo o modo imagista, a imaginação que se desprende da memória episódica pode levar à mesma conclusão.


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  • Whitehouse, H. (2000). Arguments and icons: Divergent modes of religiosity. Oxford: Oxford University Press.

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