Psicologia transcultural: o que é e por que é tão importante?

A prática clínica no campo psicológico tende a ser nutrida por diferentes escolas e objetos de estudo; a psicologia transcultural tem mostrado ser um acréscimo valioso nesse sentido.
Psicologia transcultural: o que é e por que é tão importante?
María Vélez

Escrito e verificado por a psicóloga María Vélez.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

A psicologia transcultural estuda as diferenças e semelhanças do funcionamento psicológico entre grupos de diferentes etnoculturas. É uma área psicossocial que se concentra em analisar como o pertencimento a uma ou outra cultura nos influencia.

Esta disciplina também estuda as relações entre fatores psicológicos, socioculturais, biológicos e ecológicos intra e interculturalmente. Assim, os principais objetivos da psicologia transcultural são os seguintes:

  • Verificar modelos psicológicos e teorias em diferentes culturas.
  • Descobrir variações culturais e psicológicas que podem ou não estar presentes em nossa própria experiência cultural.
  • Integrar descobertas comuns para construir uma psicologia mais universal.

Além disso, para compreender a psicologia transcultural, dois aspectos fundamentais devem ser levados em consideração. Por um lado, que os processos psicológicos básicos (atenção, memória, motivação, aprendizagem, etc.) são comuns a toda a humanidade. E, por outro lado, a cultura é a fonte da variedade comportamental que molda as características pessoais.

“Todas as culturas, de uma forma ou de outra, refletem as necessidades humanas comuns.”
-Bronislaw Malinowskii-

Diferenças entre psicologia transcultural e cultural

A psicologia cultural estuda como as tradições e práticas sociais transformam e regulam o funcionamento psicológico. Em contraste, a psicologia transcultural considera que, devido às experiências culturais, existem diferenças previsíveis e significativas entre os diferentes grupos etnoculturais.

Por assim dizer, o primeiro realiza um estudo endogrupo, enquanto o segundo o realiza numa base intergrupal.

Homem falando com um amigo

Por que essa disciplina é importante?

De acordo com dados recentes, existem 258 milhões de migrantes no mundo, 150,3 dos quais migram por motivos de trabalho e 68,5 à força, devido a conflitos ou violações dos direitos humanos.

A psicologia nasceu e se desenvolveu tendo como referência a perspectiva da cultura ocidental. Isso levou, em casos de estudos de culturas com padrões diferentes dos ocidentais, a interpretações ou perspectivas errôneas nas investigações.

Um exemplo disso é que, por volta da Primeira Guerra Mundial, foi afirmado que as pessoas afro-americanas eram menos inteligentes.

Um dos fatores que torna a psicologia transcultural um componente relevante do conhecimento humano é, em vista disso, a possibilidade de relativizar e normalizar padrões psicossociais diferentes dos nossos, quando tais diferenças se devem ao simples fato de serem etnoculturas distintas.

Implicações das descobertas da psicologia transcultural

Hoje, temos um conhecimento relativamente amplo de como a cultura de uma pessoa a afeta a nível individual e sobre os processos de adaptação de um indivíduo como um mecanismo natural.

Portanto, diante do mundo migrante em que vivemos, e a partir de uma perspectiva humanística e integrativa, devemos levar em consideração alguns aspectos transculturais na prática clínica. Por exemplo:

Sobre o paciente

Entre as características do paciente, para uma avaliação ou intervenção psicológica, é necessário considerar:

Etnia

Etnia refere-se a um grupo de nacionalidade, religião ou história comum. As distinções entre os diferentes grupos étnicos nos ajudam a entender como as pessoas vivem certas experiências de maneira diferente. Por exemplo: pessoas de etnia cigana não vivenciam a morte da mesma forma que uma pessoa de etnia germânica.

Idioma

A linguagem afeta desde a possibilidade de compreensão interpessoal, por meio da interpretação de diferentes significados, até a adaptação de testes de avaliação. Portanto, para trabalhar com pessoas com um idioma diferente, é importante dominar esse outro idioma ou recorrer a um intérprete.

Aculturação

A aculturação é o processo pelo qual a pessoa se adapta ou se integra a uma nova cultura. Nesse processo, é fundamental levar em consideração por que o sujeito abandonou sua cultura, seus sentimentos em relação à nova cultura, e também se a mudança foi voluntária ou forçada.

Experiência cultural

Levar em consideração o que é etnia em cada cultura nos fornece informações valiosas sobre como a pessoa pode estar vivenciando aquela cultura. Por exemplo, um hispânico em Miami não terá a mesma experiência que um hispânico na Inglaterra.

Domínio dos testes

Este ponto é especialmente importante no caso da avaliação neuropsicológica. Não é em todas as culturas que as pessoas foram treinadas para serem eficientes nos mesmos tipos de tarefas cognitivas. Desta forma, não podemos tratar da mesma forma, por exemplo, a velocidade na execução de uma tarefa independentemente da cultura.

Socialização racial ou tratamento estereotipado

A psicologia transcultural tem muito a ver com raça ou etnia

Algumas etnias ou raças sofrem com estereótipos associados a suas habilidades, crenças e sentimentos. Essas ideias devem ser consideradas em qualquer avaliação ou intervenção, pois podem determinar, em parte, o comportamento, a atitude e o desempenho dos pacientes.

Sobre os instrumentos de avaliação

Validade do construto

Muitos instrumentos foram feitos sob o pressuposto de estarem livres de influências culturais. No entanto, a realidade é que não só as competências são influenciadas pela cultura, mas através da educação, a própria cultura “ensina” quais são as competências relevantes e quando e como devem ser adquiridas.

Além disso, as construções psicológicas não se manifestam da mesma maneira em diferentes culturas – por exemplo, como ocorre com o sentimento de culpa em pessoas de uma cultura cristã versus uma cultura budista.

Pontuações padronizadas

Em relação ao item anterior, é de extrema importância a elaboração e utilização de provas validadas e graduadas na população cultural atendida; os resultados médios obtidos em uma amostra de uma cultura não são aplicáveis a amostras de diferentes culturas.

Sobre o profissional

Tão ou mais importantes são os aspectos que um profissional deve levar em consideração em relação a si mesmo. Entre eles, destacamos os seguintes:

  • Esteja ciente das suas próprias crenças e suposições sobre estereótipos, valores e comportamento humano, e como eles podem afetar negativamente a práxis psicológica.
  • Faça um esforço para entender o ponto de vista de pacientes culturalmente diferentes.

Além disso, é importante que o profissional saiba se comprometer e se empenhar para realizar uma prática clínica sensível, com as ferramentas e habilidades de comunicação adequadas, para trabalhar com populações culturalmente diversas.


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  • Berry, J.W., Poortinga, Y.H., Segall, M. H. & Dasen, P. R. (2002). Cross-cultural psychology: research and applications. Cambridge: Cambridge University Press.

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