"Disso não se fala!", quando não se expressar nos faz mal
É comum passar por alguma situação na qual sentimos que é melhor se calar. Alguém pode até mesmo nos reprimir de maneira direta dizendo “Disso não se fala!”, ou também podemos, por intuição, perceber a disposição das pessoas para ouvir ou a reposta do ambiente. O problema é que há inúmeras situações nas quais não se expressar nos faz mal.
Uma vez que registramos e processamos a mensagem do outro, está em nossas mãos decidir como agir. Em muitas ocasiões ficaremos inibidos por essa mensagem de repressão, e acabaremos guardando para nós o que tínhamos pensado sem nem mesmo sermos conscientes disso.
É necessário se aprofundar nesse tema. Hoje, mostraremos o que acontece nessas horas, por que não se expressar pode nos fazer mal, e com quais ferramentas podemos enfrentar esse tipo de situação.
“Os segredos e as ordens para se calar podem nos levar a desenvolver interações pouco saudáveis com nós mesmos, com os demais e com a natureza”.
Por que disso não se fala?
A situação pode acontecer em vários contextos diferentes. Por um lado, muitos justificam seu comportamento quando nos proíbem de nos manifestarmos com a típica pergunta: “O que os outros vão pensar?”. Por outro, pode existir a proibição de falar sobre algum tema do nosso interesse sem absolutamente nenhuma explicação.
Isso também acontece quando há segredos em jogo que devem permanecer ocultos para um ou vários membros da família se protegerem. Todas essas situações podem se tornar momentos traumáticos, e não sabemos como traduzir em palavras o que está acontecendo para que os demais nos entendam.
O resultado é que, ainda que finjamos que certos temas deixaram de existir, eles continuam existindo. Então os pensamentos, sentimentos e comportamentos ligados a eles eventualmente aparecem. Isso acontece porque temos várias vias diferentes para perceber e nos comunicar e, ainda que a linguagem verbal seja reprimida, o não verbal pode acabar se manifestando.
Agora, também é importante notar que nem todas as pessoas que nos dizem para não falar sobre algo têm intenções ruins. Muitas vezes, de forma inconsciente, comunicamos algo que não desejamos ou sem intenção de fazer mal ao outro.
Mas é claro que também há quem queira fazer mal, e por isso premiam nosso silêncio ou castigam nossas expressões. Há também quem faça isso pensando que está nos protegendo, ou até mesmo para evitar nos ferir.
Por que não se expressar nos faz mal?
Nesse contexto, o silêncio pode fazer mal porque impede que nosso cérebro se ventile, que as ideias adquiram oxigênio para além do nosso corpo, do nosso diálogo interno. Todos nós já sentimos, em algum momento, aquela sensação de que estamos a ponto de explodir depois de ficar calado por muito tempo.
Agora, quando os outros não nos deixam falar de certos temas, eles estão invadindo a nossa liberdade. Pode ser que, em algumas situações, seja mesmo necessário calar, principalmente se a outra pessoa se encontra em um momento difícil. Ainda assim, fazê-lo sempre vai nos invalidar e criar um conflito entre ajudar o outro e proteger os nossos direitos.
Em alguns momentos, não se expressar faz mal porque o fazemos por medo. Principalmente quando o que vivemos foi realmente doloroso ou até mesmo vergonhoso. No entanto, sempre será importante se expressar para poder liberar a energia e deixar o trauma ir.
Reviver uma situação difícil também pode ser visto como uma oportunidade de aprendizado. Ao não fazê-lo, poderíamos vivenciar outra vez aquilo que nos angustia sem dar nenhum passo adiante.
Em outros momentos, há segredos que se mantêm para não causar danos, e mesmo assim o causam. A pessoa pode ficar sabendo por outro meio, ou não ser capaz de assumir certos desafios da vida porque é mais ou menos consciente de que algo está acontecendo, mas não sabe identificar muito bem o quê.
Estratégias para enfrentar esse tipo de situação
Há diferentes estratégias para enfrentar esse tipo de situação nas quais alguém não pode se expressar:
- Em primeiro lugar, sempre expressar o que sentimos. Não necessariamente precisa ser através de palavras. Você também pode se expressar através da arte, dos exercícios, da meditação, ou se conectando as com suas emoções.
- Buscar ajuda. Seja a ajuda de um profissional, como por exemplo de um psicólogo, ou das pessoas que se encontram perto de você. Buscar ajuda não é algo ruim, e sim algo muito positivo quando estamos nos sentindo agoniados ou passando por momentos muito dolorosos.
- Cultivar a resiliência. É possível seguir em frente. Como? Ultrapassando os nossos problemas, dando outro sentido para as nossas experiências tão dolorosas, sentindo menos culpa e carregados de aprendizado.
- Impor limites. Se há algo que nos faz mal, é importante que o outro saiba disso. Essa é uma maneira de se proteger e ter certeza de que o outro sabe que está fazendo algo que nos incomoda.
Por outro lado, se estamos suspeitando de algo, podemos pedir que a outra pessoa, que parece estar ocultando algo, compartilhe o que se passa conosco. Desse modo, em muitas ocasiões aliviaremos a carga que ela carrega e estaremos preparados com um mindset de enfrentamento e resolução de problemas.
Como você pode perceber, há várias maneiras de superar o obstáculo colocado por um “Disso não se fala!”. Esse assunto é tão importante que já foi investigado por diversos ramos da psicologia, como por exemplo pela terapia sistêmica.
Além disso, também está sendo estudado pelo método científico. Ludmila da Silva Catela, em seu artigo “Disso não se fala. Questões metodológicas sobre os limites e o silêncio em entrevistas familiares de desaparecidos políticos”, expõe uma reflexão de que o não dito, o censurado ou o corrigido tem uma relação íntima com a confiança e a dor.
Isso acontece principalmente em vítimas de violência, indireta ou não, inclusive em gerações posteriores que não chegaram a vivenciar propriamente a proibição de se expressar.
Cada assunto não dito pode acabar causando muita dor, mas é possível se expressar de várias maneiras diferentes. As pessoas que nos dizem, seja direta ou indiretamente, que “disso não se fala”, nem sempre têm a intenção de fazer mal, mas podem fazê-lo mesmo assim, porque não se expressar causa danos em várias situações diferentes.
Portanto, é importante tornar o oculto visível, mas de forma assertiva. Isso demanda, por sua vez, determinadas estratégias, habilidades e atitudes.
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- Catela, L.F.S: (2000). De eso no se habla. Cuestiones metodológicas sobre los límites y el silencio en entrevistas familiares de desaparecidos políticos. Historia, antropología y fuentes orales, pp. 69-75.
- Werba, A. (2002). Transmisión entre generaciones. Los secretos y los duelos ancestrales. Psicoanálisis de la Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires, 24, 295-313.